Em inédito editorial conjunto, 230 publicações de todo o mundo – inclusive do Brasil – pedem ações urgentes para conter aquecimento global e perda de biodiversidade
(Alex Kirby*) – Daqui a dois meses, a conferência anual das Nações Unidas sobre o clima terá começado, este ano na cidade escocesa de Glasgow. Os grupos de campanha já estão se preparando para as negociações na COP26 e divulgando as ações que consideram vitais. Poucas são provavelmente mais convincentes – e nítidas – do que a declaração de mais de 220 importantes revistas científicas, médicas, de enfermagem e de saúde pública: a crise climática e natural é a maior ameaça à saúde futura do mundo.
Os autores não medem as palavras. “A ciência é inequívoca; um aumento global de 1,5°C acima da média pré-industrial e a perda contínua da biodiversidade trazem riscos catastróficos à saúde que serão impossíveis de reverter ”, escrevem em inédito editorial conjunto. “Apesar da preocupação necessária do mundo com a covid-19, não podemos esperar que a pandemia passe para reduzir rapidamente as emissões.”
A crise é uma emergência que exige que os líderes mundiais transformem as sociedades e limitem as mudanças climáticas, diz o editorial das revistas. O fracasso contínuo em fazer o suficiente para evitar que o aumento da temperatura global ultrapasse 1,5°C acima dos níveis históricos, e para restaurar a natureza, é a maior ameaça à saúde pública global.
No Reino Unido, o editorial está sendo publicado em uma das revistas médicas e científicas mais antigas e renomadas do mundo, The Lancet, e no British Medical Journal, que organizaram a publicação conjunta. A lista de publicações inclui o East African Medical Journal, o Chinese Science Bulletin, o New England Journal of Medicine, além de títulos no Brasil (Revista de Saúde Pública, da Faculdade de Medicina da USP), na Índia e na Austrália, e em países de todos os continentes. Nunca tantos periódicos combinaram de publicar o mesmo editorial.
O editorial das revistas, sob o título “Apelo por ação emergencial para limitar o aumento da temperatura global, restaurar a biodiversidade e proteger a saúde”, afirma que as nações ricas precisam fazer mais. “Ecossistemas prósperos são essenciais para a saúde humana. A destruição generalizada da natureza, incluindo habitats e espécies, está corroendo a segurança hídrica e alimentar e aumentando a chance de pandemias”, destaca o texto.
A mortalidade relacionada ao calor, os impactos destrutivos do clima sobre a saúde e os danos generalizados aos ecossistemas essenciais para a saúde humana são apenas alguns dos impactos que uma mudança climática está causando com mais frequência, dizem os autores. Esses impactos afetam desproporcionalmente os mais vulneráveis, incluindo crianças e idosos, minorias étnicas, comunidades mais pobres e aqueles com problemas de saúde subjacentes.
O editorial despreza as recentes metas de redução das emissões de gases de efeito estufa e proteção da natureza: “Essas promessas não são suficientes. As metas são fáceis de definir e difíceis de alcançar”, aponta o texto. Significativamente, ele prescreve algum realismo obstinado nas tentativas de limitar o aumento da temperatura, descrevendo planos para reduzir as emissões para zero líquido até meados do século por meio da remoção de gases de efeito estufa da atmosfera – uma tecnologia ainda não comprovada – como “implausível”.
Em todo o editorial, ecoa uma insistência na necessidade de equidade, de enfrentar a crise sem depender das “panaceias fracassadas” do passado. “A equidade deve estar no centro da resposta global. (…) Os países mais ricos terão que cortar as emissões mais rapidamente, fazendo reduções até 2030 além das propostas atualmente e alcançando emissões líquidas zero antes de 2050. Metas semelhantes e ações de emergência são necessárias para a perda de biodiversidade e a destruição mais ampla do mundo natural”, alerta o texto.
Editorial contra desigualdade e austeridade
Os governos devem transformar sociedades e economias – exemplifica o texto – apoiando o redesenho de sistemas de transporte, cidades, produção de alimentos e seus sistemas de distribuição, e os mercados de investimentos financeiros, bem como sistemas de saúde.
De acordo com o editorial, isso criaria empregos de alta qualidade, reduziria a poluição do ar e aumentaria a atividade física, além de melhorar a moradia e a alimentação. Melhor qualidade do ar por si só levaria a benefícios para a saúde que facilmente compensariam os custos globais de cortes de emissões.
Essas medidas, diz ainda o texto, também vão melhorar os fatores sociais e econômicos que determinam a saúde; o mau estado destes pode ter tornado as populações mais vulneráveis à pandemia de covid-19.
Mas essas mudanças “não podem ser alcançadas por meio de um retorno às políticas de austeridade prejudiciais ou da continuação das grandes desigualdades de riqueza e poder dentro e entre os países”. Os países ricos devem fornecer financiamento mais generoso para os mais pobres, que deve assumir a forma não de empréstimos, mas de doações, subvenções. “O financiamento deve ser dividido igualmente entre mitigação e adaptação, incluindo melhoria na resiliência dos sistemas de saúde”.
O editorial cobra ainda que o financiamento das nações ricas devem incluir o perdão de grandes dívidas, que restringem a autonomia de países de baixa renda. “Fundos adicionais devem ser destinados a compensar perdas e danos inevitáveis causados pelas consequências da crise ambiental”, aponta o texto das revistas médicas e científicas.
O mundo está caminhando para um desastre duplo, concluem os autores: “Os aumentos de temperatura provavelmente serão bem superiores a 2°C, um resultado catastrófico para a saúde e a estabilidade ambiental”. E eles vão mais longe: “Algo de suma importância é que a destruição da natureza não tem paridade de estima com o elemento climático da crise e nenhuma meta global para restaurar a perda de biodiversidade até 2020 foi alcançada. Esta é uma crise ambiental global”.
*Alex Kirby, especialista em jornalismo ambiental, trabalhou na BBC, onde foi correspondente de meio ambiente, e agora trabalha junto a universidades, instituições e ONGs para melhorar suas ferramentas de mídia
FONTE PROJETO COLABORA