19 de abril de 2024 23:08

Mutações da covid-19 não descartam eficácia e segurança das vacinas

São enganosas as afirmações difundidas pelo médico Rubens Amaral contra as vacinas desenvolvidas para combater a covid-19. Em um vídeo compartilhado no Instagram e replicado no Twitter, WhatsApp e Telegram, ele afirma que os imunizantes não são capazes de proteger contra variantes e que, por este motivo, não valeria a pena receber qualquer dose da vacina.

Diferentemente do que diz Amaral, o vírus que provoca a covid-19 continua sendo o Sars-Cov-2, o que aconteceu foi o surgimento de variantes, que ocorre quando o vírus sofre pequenas modificações. Além disso, o surgimento de novas variantes não faz com que as vacinas automaticamente se tornem dispensáveis.

Os imunizantes seguem capazes de reduzir as chances de quadros agudos da doença, além de minimizar a contaminação pelo novo coronavírus. A dose de reforço, incentivada pelo Ministério da Saúde brasileiro e adotada em outros países, é uma das provas da importância das imunizações.

Evidências demonstram que as vacinas protegem contra todas as variantes de preocupação que surgiram até a delta. Em relação à nova cepa, denominada ômicron, estudos estão sendo conduzidos para saber a real eficácia dos imunizantes contra ela. A Pfizer e a BioNTech já adiantaram que as três doses do imunizante são capazes de neutralizá-la.

Caso seja preciso, os imunizantes podem ser atualizados. Além disso, atualmente, a variante predominante no Brasil é a delta, contra a qual as vacinas são comprovadamente eficazes.

Outras farmacêuticas ainda não se manifestaram publicamente, de forma conclusiva, como a Pfizer. Até o momento, os dados mostram que as vacinas são capazes de proteger da cepa.

O Comprova entrou em contato com o médico questionando as fontes de informações utilizadas por ele para embasar o que é dito no vídeo aqui verificado. Até o momento da publicação desta checagem, não houve retorno.

Por ser uma autoridade médica, as opiniões de Amaral são levadas em consideração por milhares de seguidores no Instagram e também por membros de grupos bolsonaristas que difundem as declarações distorcidas apresentadas por ele, ainda que os argumentos contrários à imunização não tenham respaldo científico.

Todo conteúdo que retira informações de contexto original para distorcer os fatos é classificado como enganoso pelo Comprova. Esse tipo de postagem induz a uma interpretação diferente dos acontecimentos e confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Como verificamos?

Primeiramente, procuramos informações sobre as vacinas e o que se sabe sobre o efeito delas contra as variantes.

Buscamos informações nos sites de autoridades sanitárias, como a Organização Mundial da Saúde (OMS) e Ministério da Saúde, para saber quais são as recomendações em relação à imunização.

Conversamos ainda com a doutora em imunologia e professora do Instituto de Biologia da Universidade de Brasília (UnB) Anamélia Lorenzetti Bocca e com o professor do Departamento de Análises Clínicas e Toxicológicas da Universidade de São Paulo (USP) Eduardo Lani Volpe da Silveira.

Por fim, tentamos contato por e-mail com o médico Rubens Amaral, autor do vídeo.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 8 de dezembro de 2021.

Verificação

Ômicron e a eficácia das vacinas

Nomeada com a 15ª letra do alfabeto grego, a nova variante do coronavírus foi detectada em vários países. A diferença dessa para outras mutações do vírus é que as alterações genéticas estão relacionadas a um maior potencial de disseminação. Na prática, isso significa que o vírus se tornou mais infeccioso e pode se transmitir mais rápido.

Isso ocorre porque, na ômicron, a proteína spike, que ajuda o vírus a infectar as células humanas, tem 32 mutações. Especialistas discutem que, mesmo com essas mutações, não necessariamente a ômicron será uma mutação mais preocupante que as anteriores.

Ainda é cedo para saber se os imunizantes desenvolvidos até o momento conseguirão combater a variante ômicron, mas os primeiros indícios apontam que sim, conforme sinalizou a Pfizer e a BioNTech.

Scott Gottlieb, diretor da Pfizer e ex-comissário da Food and Drug Administration (FDA) dos Estados Unidos, disse ao canal estadunidense CNBC que há um grau razoável de confiança nos três ciclos da vacina, contando com a dose de reforço. “O paciente terá uma proteção razoavelmente boa contra essa variante”, declarou.

Por outro lado, em entrevista ao jornal norte-americano Financial Times, o presidente da farmacêutica Moderna, Stéphane Bancel, prevê uma “redução significativa” da eficácia contra a variante. Bacel disse que o alto número de mutações na proteína spike fará com que os imunizantes precisem ser modificados no próximo ano. Apesar das afirmações, o cenário ainda é de incertezas diante da necessidade ou não de uma reformulação dos imunizantes.

De acordo com Anamélia Lorenzetti Bocca, da UnB, ainda é cedo para saber se as vacinas atuais terão a mesma eficácia contra a variante ômicron. Porém, é esperada alguma resposta positiva.

“Espera-se uma diminuição da eficiência, uma vez que temos as mutações, mas não serão ineficazes porque a proteína spike é grande e existem outros epítopos que são conservados. Os anticorpos reconhecem regiões pequenas, então são formados vários anticorpos (chamados de policlonal) para a proteína toda. Outro ponto é que não se sabe ainda se as mutações no RNA levam a mudanças na conformação da proteína. Algumas mutações levam à mudança de aminoácidos que têm as mesmas características e não interferem na proteína e/ou epítopo final”, explica.

Eduardo Lani Volpe da Silveira, destaca o mesmo ponto de que ainda é cedo para saber a eficácia das vacinas contra a nova variante.

“Ainda é prematura qualquer afirmação em relação à eficácia vacinal. O número de casos com esta variante ainda é pequeno na escala global. Porém, a maioria dos relatos tem sido associada a pacientes com sintomas leves de covid-19. Se essa observação se repetir, daqui em diante, em uma população bem maior e em diferentes localidades, daí podemos ter uma ideia mais robusta que as formulações vacinais administradas contra a covid-19 também protegeriam contra essa variante”, explica.

Caso seja necessário, as vacinas podem ser atualizadas

A Anvisa também tem acompanhado os impactos das variantes no curso da doença. A agência participa do grupo de especialistas da Coalizão Internacional de Autoridades Reguladoras de Medicamentos (International Coalition of Medicines Regulatory Authorities – ICMRA), que discute estratégias regulatórias para a atualização das vacinas. No início deste mês, a agência pediu que as empresas responsáveis pelos imunizantes no país avaliem se eles são eficazes contra a variante.

As vacinas contra a covid-19 são as primeiras a usar a tecnologia de RNA mensageiro (mRNA). Tanto as empresas Pfizer e BioNtech quanto a Moderna usaram a técnica em seus imunizantes. Uma das grandes vantagens dessa tecnologia é a flexibilidade. Elas podem ser alteradas rapidamente para poder agir contra variantes que eventualmente não forem atingidas pela vacina em uso.

Em um artigo publicado no site The Conversation, Deborah Fuller, microbiologista, professora da Universidade de Washington e especialista em vacinas que utilizam a tecnologia de mRNA, disse acreditar que somente uma dose de reforço seja suficiente para atualizar a imunização contra a variante e que a atualização estaria pronta em até três meses.

A Pfizer disse que está avaliando o impacto da variante na eficácia da vacina. Só depois que os estudos forem concluídos a empresa avaliará se há necessidade de atualizar o imunizante. Já a Universidade de Oxford, responsável pela vacina da AstraZeneca, disse que não há evidências de que o imunizante não sirva para a variante. Porém, a instituição ressaltou que está pronta para atualizar a vacina caso seja preciso.

A Janssen disse que já está desenvolvendo uma nova vacina contra a variante. “Começamos a trabalhar para projetar e desenvolver uma nova vacina contra a ômicron e vamos progredir rapidamente em estudos clínicos, se necessário”, disse Mathai Mammen, chefe global de pesquisa da unidade farmacêutica da Johnson & Johnson.

A Sinovac, fabricante da Coronavac, também afirmou que está avaliando se a vacina funciona contra a variante. Em entrevista ao Jornal da CBN, Sandra Coccuzzo, diretora do Centro de Desenvolvimento Científico do Instituto Butantan, falou que o instituto já coletou amostras dos indivíduos contaminados pela ômicron e os testes foram iniciados.

O governo chinês disse em janeiro que as vacinas produzidas no país podem ser atualizadas para variantes em até dois meses. No último dia 7, a Sinovac pontuou que já trabalha em um novo imunizante adaptado para a cepa e que a expectativa é que ele fique pronto em três meses.

O CEO da Moderna, Stephen Hoge, revelou em 1º de dezembro que pode ter um reforço do seu imunizante para ômicron pronto em março. A empresa também trabalha na elaboração de vacina multivalente que incluiria até quatro variantes diferentes do coronavírus, incluindo a ômicron.

A empresa Novavax, que ainda não teve sua vacina aprovada, apresentou dados que mostram que a eficácia dela para a ômicron é de 50%. Diante dos indicadores, a empresa disse que estuda mudar a composição das doses para aumentar a eficácia.

Cepa pode ser menos letal

O epidemiologista e futuro ministro da Saúde da Alemanha Karl Lauterbach, assim como alguns especialistas, concordam que a nova variante pode vir a se tornar comprovadamente menos letal que as demais.

Lauterbach classificou como “presente de Natal antecipado” a falta de indícios de casos graves da doença associados à mutação descoberta recentemente.

O mesmo olhar otimista sobre a pandemia tem ganhado espaço entre especialistas, como Anthony Fauci, principal conselheiro do presidente dos Estados Unidos Joe Biden.

Anthonyclassificou os primeiros sinais da variante como “um tanto encorajadores”, podendo sinalizar que a nova cepa teria se otimizado para infectar pessoas, em vez de matar, o que poderia acelerar o fim da pandemia e a retomada econômica e social, segundo ele.

Dose de reforço como melhor aliada

Especialistas em saúde orientam que a população siga as recomendações para tomar a dose de reforço. A medida tem como intuito prevenir uma nova onda de infecções.

O Ministério da Saúde reduziu o intervalo entre as aplicações de doses de reforço. Com isso, as aplicações passaram de seis para cinco meses após a segunda dose. Na cidade de São Paulo a redução foi ainda maior, prevendo apenas quatro meses entre a última dose e a dose de reforço.

O reforço vale para todos os brasileiros adultos, a partir dos 18 anos. Antes, a dose adicional era aplicada após seis meses apenas para pessoas com mais de 60 anos, profissionais de saúde e pessoas com problemas no sistema imunológico.

A especialista em imunologia Anamélia Lorenzetti Bocca ressalta que tomar as vacinas aprovadas ainda continua sendo a melhor alternativa, uma vez que elas têm a capacidade de evitar casos graves da doença.

“É importante tomar a vacina, mesmo que a eficiência diminua um pouco, será importante para reduzir a carga viral e a gravidade da doença”, ressalta. Eduardo Vani Volpe também destaca a importância da vacinação para conter novas variantes. “Há todo o sentido em vacinarmos o maior número de pessoas, e não só no Brasil, mas no mundo todo. Além da proteção contra doença grave e morte, a vacinação em massa reduz as chances do surgimento de novas variantes virais, as quais podem eventualmente ser mais transmissíveis ou patogênicas que as conhecidas até o momento.”.

Anamélia ainda explica que os dados mais atuais mostram que será preciso tomar um reforço do imunizante a cada seis meses pelo menos enquanto o vírus continuar com alta circulação.

“No cenário em que o vírus fica circulando regularmente, serão necessárias as doses de reforço porque foi demonstrado que os níveis de uma resposta imune ativa começam a diminuir após 6 meses da última dose, apesar de as células de memória ficarem por mais tempo no organismo. No cenário de contenção da circulação do vírus, talvez seja necessário vacinar apenas as populações de risco. Neste último cenário, vamos precisar aguardar e ver o comportamento da infecção.”.

FONTE UOL CONFERE

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