Capelas recebem proteção emergencial em Congonhas
Emergência para socorrer um ícone do Patrimônio Mundial, ponto de peregrinação centenária e alvo constante da visitação de brasileiros e estrangeiros. O conjunto arquitetônico do Santuário Basílica Bom Jesus de Matosinhos, em Congonhas, na Região Central do estado, traz as marcas das tempestades de janeiro e ganha iniciativa provisória para evitar danos maiores às capelas da Santa Ceia e da Flagelação, dois dos Passos da Paixão de Cristo que sofreram com as infiltrações. A partir de orientação do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), a prefeitura local instala uma cobertura, primeiramente na Santa Ceia, para proteção do bem que guarda parte das 64 imagens esculpidas por Antonio Francisco Lisboa, o Aleijadinho (1738-1814).
A superintendente do Iphan em Minas, Débora do Nascimento França, explicou ontem que se trata de uma cobertura provisória externa, em estrutura metálica e lona, afixada no chão, que começou a ser instalada no dia 22 pela Prefeitura de Congonhas, órgão encarregado também do projeto de restauração da Capela da Santa Ceia. “Houve a infiltração e, para não haver mais problemas nesta temporada de chuva, vamos ficar com a cobertura até ser iniciado o trabalho de restauro dessa e das demais capelas”, disse a superintendente. A intervenção ocorre sob acompanhamento do escritório técnico do Iphan em Congonhas.
Débora França adiantou que, ainda nesta semana, fará uma reunião com a equipe da Prefeitura de Congonhas para conferir o término da cobertura da Santa Ceia e definir os detalhes da próxima etapa, que é a Capela da Flagelação. O conjunto que encanta gente do mundo inteiro foi tombado pela Iphan em 1939 e reconhecido como Patrimônio Mundial em 1985, pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco).
Vistoria
Em nota publicada no site da prefeitura, a Secretaria de Planejamento e Gestão, por meio da Diretoria de Patrimônio Histórico de Congonhas, informou que a instalação das estruturas emergenciais sobre as cúpulas foi decidida com o Iphan, após vistoria, em janeiro, da superintendência da autarquia federal juntamente com uma equipe do Centro de Conservação e Restauração de Bens Culturais da Universidade Federal de Minas Gerais (Cedor/Escola de Belas Artes/UFMG). O projeto de instalação foi aprovado na última semana para evitar novas infiltrações nas cúpulas, decorrente das fortes chuvas deste verão.
Segundo o diretor de Patrimônio Histórico, Leonardo Silva “a estrutura contratada ficará montada, por precaução, até o início das obras de revitalização estrutural das seis capelas dos Passos, também em processo de aprovação no órgão federal”. Na nota, a Prefeitura de Congonhas esclarece que “todas as 64 imagens em madeira de cedro, esculpidas por Aleijadinho, não sofreram contato ou danos com as chuvas” e são monitoradas em conjunto com o escritório técnico do Iphan de Congonhas, o Conselho de Patrimônio Histórico e Artístico (Comuphac) e a Reitoria da Basílica, proprietária do santuário que traz, no adro, os 12 profetas esculpidos em pedra-sabão por Aleijadinho entre 1800 e 1805.
Beleza do mundo
Na chamada “cidade dos profetas”, as seis capelas, com sete cenas que recriam a via-crúcis, atraem os olhares pelas esculturas em tamanho natural, feitas por Aleijadinho de 1796 a 1799, e as pinturas bíblicas de Manoel da Costa Ataíde (1762–1830). Com a quaresma, que começa hoje, e proximidade da semana santa, tende a aumentar o fluxo de visitantes, que podem ver as esculturas também à noite. Em dezembro de 2013, foi inaugurada a iluminação cênica dos Passos da Paixão: Santa Ceia, Horto das Oliveiras, Prisão, Flagelação e Coroa de Espinhos, Cruz às Costas e Crucificação.
Na Santa Ceia, agora com a cobertura em andamento, há um foco voltado para a figura do Cristo celebrando a eucaristia e outro dirigido para a mão esquerda de Judas Iscariotes, com o saco de moedas. Originalmente, as capelas funcionavam como oratórios, ficavam abertas e, ao que tudo indica, iluminadas com velas, daí a presença de candelabros presos ao teto.
Na manhã de ontem, eram muitas as famílias, algumas pela primeira vez, em visita a Congonhas, entre elas a técnica de saúde Andrezza Andreata, com o marido João Henrique Braga e a filha Beatriz, de 10 anos, trazendo ainda a cachorrinha Amora. Moradora de BH e vindo de um passeio a São João del-Rei, Andrezza disse que gostou demais das “obras maravilhosas”. Para ela, toda intervenção para preservar o acervo histórico se torna bem-vinda a fim de afastar estragos durante as chuvas.
Também morador de BH, o advogado Rildo Bastos Machado esteve ontem em Congonhas com a mulher Jeane e os filhos Leonardo, de 16, e Eduardo, de 13. “Viemos de Tiradentes e passamos aqui para os filhos conhecerem. Achei a cidade bem mais cuidada, especialmente nesta parte do santuário, do que na minha última visita. O grande problema continua sendo a sinalização na cidade. O acesso fica muito difícil”, disse Rildo, para quem o patrimônio cultural merece todo o respeito e proteção.
Prevenção nas chuvas
O patrimônio cultural sofreu com as fortes chuvas que atingiram Minas. Para orientar os responsáveis pela guarda e uso dos bens, o Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha-MG) divulga uma lista de recomendações e medidas preventivas, que podem ser adotadas pelos municípios, de maneira emergencial, nas edificações afetadas. Também foi elaborado um formulário para envio aos órgãos da área ou gestores dos bens protegidos pelo estado. O objetivo é coletar informações diretamente e tornar mais rápido e dinâmico o levantamento de dados dessas edificações. Todas as ações são resultado do Grupo de Monitoramento das Chuvas do Iepha. As informações estão disponíveis no site www.iepha.mg.gov.br.
Arte de Minas
Conheça a história das seis capelas de Congonhas que retratam os Passos da Paixão de Cristo e trazem, na fachada, citações bíblicas:
1) Santa Ceia
Construída entre 1799 e 1808, é a maior das capelas, com 10 metros de altura e área de 6m x 6m. Traz os 12 apóstolos, Cristo e dois servos esculpidos por Aleijadinho, que teria também sido o responsável pelo desenho do prédio. Segundo pesquisas, foi a única que Aleijadinho viu concluída. As pinturas das paredes são de Mestre Ataíde. A citação em latim sobre a porta é de São Mateus: “Enquanto ceavam, Ele tomou o pão e disse: ‘Eis o meu corpo’”.
2) Horto das Oliveiras
Cristo suando sangue, o anjo da amargura com o cálice e os apóstolos Pedro, Tiago e João são as imagens que compõem o cenário criado pelo Mestre Ataíde. Foi construída entre 1813 e 1818. A citação é de São Lucas: “Tendo caído em agonia, orava com mais insistência”.
3) Prisão
O cenário pintado por Ataíde recria o Monte das Oliveiras, com colunas e decoração, arcos e vegetação para valorizar o conjunto de peças – Cristo, Judas, São Pedro e soldados. A citação é de São Marcos: “Como se fosse um ladrão, com espadas e varapaus, vieste prender-Me?”.
4) Flagelação e Coroação de Espinhos
Da construção das primeiras capelas às três seguintes passaram-se quase cinco décadas, sendo a obra feita de 1864 a 1875. Esse passo, um dos mais visitados pelos turistas, mostra duas cenas separadas por uma barra. Do lado esquerdo, está Cristo atado a uma coluna, enquanto um soldado o esbofeteia; do direito, a imagem também conhecida como Senhor da Pedra Fria ou Cristo da Cana Verde. A citação é de São João: “Eis o homem”. A policromia das imagens da capela, da Cruz às Costas e da Crucificação é de autoria de Francisco Xavier Carneiro, contemporâneo do Mestre Ataíde.
5) Cruz às Costas
Construída entre 1864 e 1875. As imagens esculpidas por Aleijadinho mostram Cristo ao lado de duas mulheres, de guardas romanos, do mascote da guarda e de um arauto que anuncia o cortejo pelas ruas de Jerusalém. As pinturas nas paredes são de autor desconhecido. A citação é de São João: “Tomando sobre si a cruz”.
6) Crucificação
As peças mostram Maria Madalena ao pé da cruz, soldados disputando as vestes de Cristo, o centurião romano São Longuinho, o bom ladrão, Dimas, e o mau ladrão, Gestas. A citação é de São João: “Num lugar chamado Gólgota, O crucificaram. Com Ele, outros dois, um de cada lado”.
Fonte: Luciomar Sebastião de Jesus, escultor e pesquisador de Congonhas
Proteção provisória
Em Minas, há registro de iniciativas semelhantes à de Congonhas para evitar danos maiores ao patrimônio, ambas documentadas pelo Estado de Minas. Em 2011, a Prefeitura de Catas Altas, na Região Central do estado, fez esse serviço na Capela Santa Quitéria (século 18), antes de o templo receber o telhado definitivo. Dois anos depois, foi a vez da Fazenda do Registro Velho, considerada a mais antiga do Caminho Novo da Estrada Real e monumento importante de Barbacena, na Região Central de Minas. A montagem da estrutrura de alumínio e lona, cobrindo 400 metros quadrados, ficou a cargo do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), autarquia federal responsável pelo tombamento do imóvel.
FONTE ESTADO DE MINAS