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Os tradicionais “barraqueiros” do secular Jubileu de Congonhas

* Por André Candreva

O Jubileu do Senhor Bom Jesus de Matosinhos em Congonhas certamente é considerado uma das maiores festas cristã católica de Minas Gerais. Foi instituído oficialmente pelo Papa Pio VI em 1779, mas já era realizada muito antes dessa data. E em paralelo aos festejos religiosos, comerciantes, em sua maioria vindos do estado de São Paulo, sempre marcaram presença em Congonhas durante o mês de setembro.

Muitos deles ficaram no imaginário de milhares de pessoas que passaram pela ladeira Bom Jesus nesses últimos dois séculos.

Das lembranças de milhares de fiéis que freneticamente subiam e desciam, entre as décadas de 1940 e 1970, a tradicional “rua da calçada”, também conhecida como “ladeira Bom Jesus”, ficaram imortalizados os tradicionais “barraqueiros”, comerciantes que vinham a Congonhas anualmente e que criaram laços de amizade com muitos moradores da lendária “rota da fé”.

“Chaim”, de origem turca, era um caixeiro viajante e muito popular. Sempre se instalava em uma casa no início da ladeira que era de propriedade dos irmãos “Totonho” e “Chiquinho” Cassemiro. Vestia-se com um paletó enorme que servia para carregar todo tipo de quinquilharias e bugigangas além de relógios, pulseiras, anéis, brincos e colares. O turco Chaim foi o primeiro barraqueiro a comercializar no Jubileu de Congonhas um pequeno radinho portátil de pilha e que se tornou uma febre entre os mineiros. Sua “marca registrada” era mascar cebolas o dia todo. Chaim frequentou o jubileu por mais de 30 anos.

Foto/acervo: Museu da Imagem e Memória de Congonhas – Jubileu – década de 1950

O carioca Godinho Pereira foi outro barraqueiro famoso por aqui que vendeu sombrinhas e guarda-chuvas por mais de 20 anos.

Francisco Oliveira, também carioca de São Cristóvão, vendia calçados “ponta de estoque” e os tratava como “xuxu”. Depois da festa voltava para o Rio de Janeiro levando pássaros, carneiros e cabritos para revender na feira de São Cristóvão. Se tornou grande amigo dos italianos José Vartuli e Francisco Candreva, renomados comerciantes em Congonhas. Francisco marcou presença no Jubileu por mais de 40 anos.

Outro barraqueiro que vinha do Rio de Janeiro era o turco “Zazá”, que comercializava roupas femininas feitas. Eram roupas finas e foi ousado ao vender as calças compridas femininas pela primeira vez em Congonhas na década de 1950, para espanto das tradicionais famílias mineiras.

Manoel Vieira vinha de Nilópolis (RJ) e vendia produtos religiosos, imagens de santos além de ser vidraceiro. Durante 60 anos frequentou o jubileu de Congonhas.

De São Paulo vinha Marcos Benjamin, que tinha ascendência judaica, e vendia roupas feitas, tornando-se o primeiro barraqueiro a comercializar no Jubileu as famosas “capa Ideal” da marca “3 Coqueiros” que eram perfeitas para o trabalhadores rurais. Foram mais de 20 anos em Congonhas.

O folclórico turco “Abraão das Rendas” também vinha de São Paulo. Era uma figura muito popular e muito engraçada. Tratava todas as mulheres por “Sá Chica”. Vendia suas mercadorias para as freguesia conhecida e só cobrava no ano seguinte. Fez isso por mais de 30 anos em Congonhas.

Pedro Abúdi, também de origem turca, vinha de São Paulo para vender roupas feitas e confecções finas. Ele era uma pessoa exótica e só comia carne de carneiro. Tinha quem criasse carneiros para quando ele chegasse a Congonhas no início de setembro.

Do distrito de Santo Antônio do Leite, em Ouro Preto, vinham os irmãos José e Ramiro dos Santos que vendiam arreios e utensílios para montaria. Ficavam instalados em frente a casa da família Dias Leite na ladeira Bom Jesus e por mais de 40 anos comercializaram seus produtos no jubileu.

Da cidade de Dores de Campos vinha o comerciante Valdemar Nascimento Silva, que durante 40 anos vendeu em Congonhas arreios para animais e botinas que fabricava.

E na esquina da rua Bom Jesus com a rua Feliciano Mendes ficava a Relojoaria Sabará ou Sabarense. Era muito antiga e tradicional em Congonhas. Vendia ouro puro e relógios de todos os tipos e marcas.

Esses são alguns dos comerciantes que o tempo “imortalizou” na memória do povo mineiro, seja pelos modos “exóticos”, seja pelos produtos que vendiam.

O fervor devocional do Jubileu transcende a compreensão mas a magia do comércio na ladeira Bom Jesus ainda provoca boas lembranças em milhares devotos…

* André Candreva

Membro da ACLAC (Academia de Ciências, Letras e Artes de Congonhas), ACL-CL (Academia de Ciências e Letras de Conselheiro Lafaiete) e IHGC (Instituto Histórico e Geográfico de Congonhas).

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