Dedicado a Nossa Senhora da Boa Morte e orgulho de comunidade quilombola, templo do século 18 em Belo Vale deve ser reaberto em junho
Belo Vale – Tradições, ancestralidade e história se unem vivamente no distrito de Boa Morte, em Belo Vale, na Região Metropolitana de Belo Horizon- te, onde a comunidade quilombola, reconhecida pela Fundação Palmares em 2007, tem na capela dedicada a Nossa Senhora da Boa Morte um dos seus maiores tesouros. Erguida antes de 1731 nesse que é um dos núcleos populacionais mais antigos da Serra da Moeda, o singelo templo situado a seis quilômetros do Centro do município se encontra na reta final de restauração para orgulho dos moradores e alívio dos defensores do patrimônio cultural.
Com previsão de ser entregue à comunidade em junho, a Capela Boa Morte está ocupada pelos andaimes, mas dá para notar os mínimos detalhes dos elementos artísticos, a partir das orientações do especialista Adriano Ramos, do Grupo Oficina de Restauro, responsável pelo trabalho no interior da construção após contrato firmado com a Arquidiocese de BH. “Os estragos aqui foram enormes, tanto que o forro da capela-mor perdeu a pintura devido à entrada de água da chuva, durante muitos anos. As pinturas originais se perderam, sendo mantida a aplicada na primeira reforma da decoração interna”, conta o restaurador, que iniciou o trabalho em junho de 2021.
A capela tombada pelo município de Belo Vale e pertencente à Paróquia São Gonçalo, que tem como titular o padre Wellington Eládio Nazaré Faria, já teve as obras civis (estrutura e arquitetura) concluídas em 2016. Na época, a intervenção teve à frente a Associação do Patrimônio Histórico, Artístico e Ambiental de Belo Vale (Aphaa-BV), seguindo recomendações do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) que pediu providências para o bem não ruir. Na atual fase, com recursos do Fundo de Direitos Difusos/Secretaria Estadual de Desenvolvimento Social (Sedese), a equipe de restauradores trabalhou, além do altar-mor, os retábulos colaterais, o púlpito, a pia batismal, as pias de água benta, arco cruzeiro e 25 imagens de madeira policromada e gesso. “O forro da capela-mor foi totalmente refeito, pois não se aproveitou nada”, explica Adriano.
BEM COLETIVO
Natural de Belo Vale e integrante do Conselho Municipal do Patrimônio Histórico, Cultural, Artístico e Natural, o jornalista e ambientalista Tarcísio Martins destaca a importância da Capela Nossa Senhora da Boa Morte para os moradores. E prepara um livro, a ser lançado ainda em 2022, intitulado “Vestígios coloniais e histórias de Boa Morte e arredores”, com todo orgulho do bem cultural. “Temos aqui uma comunidade quilombola de mais de 200 anos e uma capela quase tricentenária. Esse é um dos núcleos mais antigos da região da Serra da Moeda”, afirma o pesquisador da história local.
No restauro da capela, jovens da comunidade atuam como auxiliares de restauração. “Trabalhar aqui é preservar nossa história”, acredita Tainara Isabela Ferreira, de 22 anos. Concentração e paciência são ferramentas fundamentais para levar adiante a missão de contribuir, com determinação, para salvar o bem coletivo e referência na comunidade.
Também pela primeira vez no ofício, Marcelo Cesário Maia, de 25, vê abrir uma porta para futura profissão. “Estou gostando muito. O grande desafio está nos detalhes. Com paciência, vamos aprendendo”, diz o jovem. Sobre as plataformas dos andaimes, a equipe se esmera em usar o tempo para dar vida nova a um território sagrado e cheio de histórias.
ESTRAGOS
Basta caminhar pelo interior do templo, que tem parte do piso em ladrilho hidráulico, num belo contraste com a madeira, para ver os estragos. Sobre uma mesa, Adriano mostra a mão de um anjo barroco, refeita em madeira, pois parte se perdeu. “Restauramos a imagem da padroeira, Nossa Senhora da Boa Morte, em nosso ateliê em Belo Horizonte, e ela retornará ao seu altar quando tudo for concluído”, avisa.
Nos retábulos e imagens da capela, os cupins fizeram grandes estragos. “Fizemos a descupinização completa, mas, vale ressaltar, até o último dia da obra continuamos com esse serviço”, revela Adriano. “Eu mato quem me dá trabalho”, brinca o restaurador sobre o cupim, o inseto inimigo do patrimônio que causa danos em todo canto, especialmente nas igrejas e capelas.
HISTÓRIA
Conforme pesquisa do Memorial da Arquidiocese de Belo Horizonte, coordenado por Goretti Gabrich, a Capela Nossa Senhora da Boa Morte, em 1857, encontrava-se subordinada a São Gonçalo da Ponte, atual Belo Vale. Atualmente, o frontispício traz gravado o ano de 1760, e consta que pertenceu às freguesias de Congonhas e de Bonfim, sob cuja jurisdição ficou até 1911.
O Arquivo Eclesiástico de Mariana, no Livro de Batizados da Matriz Nossa Senhora da Conceição de Congonhas, registra batizados realizados na capela já em 1731, em sua maioria de filhos de escravos. No histórico do processo de tombamento municipal, há informações que vinculam a criação do primitivo Arraial da Boa Morte a uma área de fortificação militar, conhecido como Forte das Casas Velhas, situado, hoje, em ruínas, em área pertencente a uma mineradora.
Dependendo da pandemia, a festa de Nossa Senhora da Boa Morte, comemorada no domingo mais próximo ao dia 15 de agosto, poderá ser realizada neste ano. Os fiéis aguardam também as demais celebrações que fazem a história do lugar ficar ainda mais viva.
Em Ouro Preto, restauro de igreja esbarra na desatualização de projeto
Após manifestação no domingo, quando moradores do distrito de São Bartolomeu, em Ouro Preto, na Região Central do estado, deram um abraço simbólico na sua igreja matriz pedindo a restauração urgente do bem erguido no início do século 18, vem a certeza de que a espera deverá ser longa. Em nota divulgada ontem, a Superintendência Minas do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) informou que as obras “de uma das igrejas mais antigas de Minas Gerais” estão contempladas nas ações do Programa de Preservação Cultural e Cidades Históricas (PPCCH). “Os projetos arquitetônico, de drenagem superficial e de restauração dos elementos artísticos foram contratados pela Prefeitura Municipal de Ouro Preto, sendo que a última revalidação de aprovação foi feita pelo Iphan em outubro de 2019, com validade até outubro de 2021”, diz o texto.
Enquanto os moradores temem as chuvas, devido à precariedade da cobertura, há problemas quanto ao andamento dos projetos. Segundo a nota do Iphan, considerando que o Projeto de Restauração Arquitetônica já se encontrava desatualizado, inclusive em relação à planilha orçamentária, foi elaborado projeto de atualização através de bolsa concedida pelo Edital LAB nº 26/2020, da Secretaria de Cultura e Turismo do Estado de Minas Gerais. Projeto que está em fase final de aprovação pelo Iphan. Cabe ressaltar que os projetos elétrico, luminotécnico e de sonorização encontram-se desatualizados.”
E mais: “No final de setembro de 2021, a Prefeitura Municipal protocolou a quarta versão da planilha orçamentária referente às obras civis. O documento foi encaminhado em outubro pela Superintendência do Iphan em Minas Gerais, para análise do Departamento de Projetos Especiais, que emitiu nota técnica solicitando correções e complementações, reiterando observações de análises anteriores, inclusive compatibilização da planilha com os projetos apresentados.”
ANÁLISES
A Superintendência da autarquia federal vinculada à Secretaria Especial de Cultura/Ministério do Turismo, ressalta que “cabe ao Iphan analisar e aprovar a documentação referente aos processos administrativos de licenciamento e concessão de recursos, de acordo com as normativas pertinentes, cabendo aos proponentes atender às solicitações do órgão fiscalizador”.
A degradação da cobertura da igreja, que tira o sono dos defensores do patrimônio local, foi contemplada na nota. “Vale mencionar que, no início de 2022, a Secretaria Municipal de Cultura e Turismo consultou informalmente o escritório técnico do Iphan em Ouro Preto sobre a possibilidade de realizar obras emergenciais no telhado. A autarquia alertou sobre a instabilidade das estruturas de madeira sobre as quais o telhado está apoiado, bem como sobre a necessidade de recuperação estrutural antes da reforma do telhado. Alertou, ainda, que o forro com pinturas artísticas se encontra fragilizado e está fixado nos caibros armados do telhado. Os serviços envolvidos nesta obra, portanto, são mais complexos e necessariamente interligados. Uma obra no telhado que desconsidere tais fatores poderia ocasionar danos irreversíveis ao forro com pinturas artísticas, bem como à própria edificação.”
FONTE: Da redação do jornal ESTADO DE MINAS- Jornalista Gustavo Werneck