Levantamento da PRF apontou que foram 25 óbitos em acidentes no período entre janeiro e outubro do ano passado; caminhões cheios de minério são apontados como responsáveis por boa parte dos acidentes
A cada 12 dias, uma morte é registrada na BR-040, entre o viaduto do Mutuca, em Nova Lima, na região metropolitana de Belo Horizonte, e a cidade de Cristiano Otoni, no Campo das Vertentes, em Minas Gerais. Conforme o levantamento da Polícia Rodoviária Federal, foram 25 acidentes com óbitos entre janeiro e outubro do ano passado nesta parte da rodovia que é conhecida como o “trecho do minério”. Uma situação que aumenta a insegurança de quem passa pelo trecho, que aponta como principais problemas a falta de infraestrutura e a circulação de caminhões carregados com minério. O Ministério Público também tem denunciado más condições da rodovia e cobrado que a Via 040, concessionária responsável pelo trecho, adote medidas para aumentar a segurança viária do local.
“É só buraco e remendo. Tem um trecho da rodovia em que nós decidimos contar, foram pelo menos cem remendos em menos de um quilômetro. E além disso tem o transporte de carregamento de minério. O volume de cargas aumentou muito depois da pandemia, parece que triplicou, e isso preocupa a gente que passa pelo trecho”, alerta o técnico em mecânica aposentado, Sandoval de Souza Pinto Filho, de 57 anos.
O aposentado, que utiliza a rodovia para se deslocar até a família e também para compromissos pela Associação a qual faz parte, relata se sentir inseguro todas as vezes em que utiliza o trecho. Para se livrar do volume de caminhões e também da precariedade da pista, cheia de buracos e remendos, conforme avaliado por ele, a alternativa é procurar outras rotas. “Às vezes o caminho é até maior e a gente dá preferência por ele. Alguns pontos tem estreitamento e o engarrafamento também é muito grande”, relata o aposentado, que aponta como problema a redução da pista no km 615.6.
As reclamações não partem somente do técnico em mecânica aposentado Sandoval Filho. O engenheiro civil Hérzio Mansur, que mora em Nova Lima, e desloca diariamente pelo mesmo trecho até o Cartório, onde é titular, em Congonhas, também questiona as condições da rodovia. “O que a gente percebe ali é que tem uma série de coisas que precisam ser atacadas de imediato, mais condizentes com o século XXI. E não é nada de outro mundo uma adequação de uma rodovia, seja na questão de projeto ou de investimento”, aponta. Mansur, que já foi vítima de um acidente no trecho, decidiu produzir um relatório após a morte de um colega na mesma estrada. “ A rodovia tem um volume muito grande de ocorrências, de sinistros, de batidas. É uma calamidade que a gente vê todos os dias”, justifica.
O levantamento feito pelo engenheiro civil apontou que 272 acidentes ocorreram em um trecho de 54 quilômetros entre Nova Lima e Conselheiro Lafaiete no período de dezembro de 2020 a dezembro de 2022. Desse total, 53 pessoas morreram. Os quilômetros 588, 593, 611 e 614 foram os que registraram o maior número de acidentes, com pelo menos 10. Ainda de acordo com o estudo desenvolvido pelo engenheiro, as carretas, responsáveis principalmente pelo transporte de minério, são responsáveis por quase metade dos acidentes. Ao todo foram 127 dos 272 contabilizados, o que representa 46,7%. Os acidentes com veículos de carga pesada foram responsáveis por 28 dos 53 óbitos.
“Essas questões das carretas chamam muito a atenção porque existe uma via paralela que parou de ser utilizada. Se ela fosse aproveitada, isso tiraria as carretas de minério da rodovia. Isso precisa ser revisto. Dá pra se utilizar de uma maneira que agrida menos uma mãe que está levando seu filho para a escola, a pessoa que está indo trabalhar ou até mesmo para quem viaja para o Rio de Janeiro”, aponta o engenheiro responsável pelo levantamento.
O estudo indicou também que outubro é o mês com mais acidentes, ao todo foram 31. Já o mês de julho foi o que registrou o maior número de mortes, com 9. Conforme o levantamento, a segunda-feira é o dia da semana que acumula mais acidentes (49) e mortes (15). Os dados foram obtidos pelo engenheiro a partir de um levantamento próprio, feito por ele, com base nas informações publicadas nos canais de comunicação da concessionária que administra o trecho e da Polícia Rodoviária Federal (PRF). O engenheiro também considerou reportagens publicadas pelos veículos de imprensa. “Eu comecei a reunir esses dados. As pessoas falavam dos acidentes, no whatsapp ou em conversas, e eu confirmava”, conta.
Ainda segundo Mansur, o relatório foi desenvolvido para chamar a atenção da concessionária e do poder público para as condições da rodovia. “Muitos falam que a BR-381 é a rodovia da morte, mas esse trecho também está muito perigoso. Na 381, pelo menos algumas obras estão sendo feitas, como a duplicação. Aqui a gente não sabe”, alerta. O engenheiro afirmou também que está em contato com o governo estadual, a prefeitura de Congonhas e o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG). “O que eu vejo muito é que às vezes as pessoas se perdem na discussão apontando única e exclusivamente a responsabilidade para a concessionária. Tem que cobrar dela sim, mas tem um poder que concede essa rodovia e ele também precisa ser lembrado. Não podemos cair na armadilha de ficar só por conta disso, esses grandes atores precisam ser chamados para colaborarem com a solução”, aponta.
Para além da preocupação com o número de acidentes e de mortes, o engenheiro, que possui formação com ênfase em trânsito, revela que se sente aflito com alguns problemas estruturais da rodovia e que acredita que muitos destes contribuem para o alto número de acidentes. “De imediato, tinha que ter um aumento da fiscalização, seja de velocidade, de limpeza, de carga, de buracos. Está todo mundo sob risco”, alerta Mansur.
Entre os problemas identificados pelo levantamento estão os longos trechos sem acostamento, os afunilamentos dos traçados da via para transposição de pontes e viadutos em mão dupla simples,intercessões entre vias rodoviárias e urbanas no mesmo nível e em cruzamentos simples, falta de sinalização, além de manutenção precária do pavimento e da drenagem.
O técnico em mecânica aposentado Sandoval Filho também aponta esses problemas. Para ele, uma das primeiras intervenções a serem feitas é em relação ao controle dos caminhões. “A rodovia precisa ser modernizada, duplicada, com acostamento e tudo mais. Hoje ela não comporta o volume”, indica. Sandoval também alerta sobre a necessidade do serviço de manutenção constante e eficiente. “Quando chove, é lama pra baixo e pra cima, e quando seca a gente tem poeira. Tem que fazer drenagem, refazer pavimento, tirar esses afunilamentos, são muitas coisas”, completa.
Denúncias do Ministério Público
Em nota, o Ministério Público de Minas Gerais disse que “por meio da 5ª Promotoria de Justiça de Conselheiro Lafaiete, vem utilizando todos os recursos jurídicos disponíveis para conseguir, junto ao Poder Judiciário, que a concessionária VIA-040, responsável pela gestão do trecho entre Conselheiro Lafaiete e Belo Horizonte da BR-040, adote as medidas de conservação e melhorias previstas no contrato de concessão em prol da segurança dos usuários da rodovia”.
Ainda conforme o MP, o promotor de Justiça responsável pela ação, Glauco Peregrino, pede “a melhoria e conservação do pavimento asfáltico, de modo a evitar o aparecimento de buracos e deformidades; a implantação e constante limpeza de tachões refletivos (olhos de gato), a fim de melhorar a visibilidade noturna e em períodos de chuva na estrada; e a melhoria nos sistemas de drenagem, com o intuito de se diminuírem episódios de aquaplanagem dos veículos” e aguarda decisão judicial do Tribunal de Justiça de Minas Gerais para definir se precisará recorrer à Justiça Federal.
Em nota, a Via 040, concessionária responsável pela administração do trecho, afirmou que, desde 2014, tem realizado diversas melhorias em relação ao pavimento, à sinalização, ao sistema de drenagem e também a segurança da via, com a implantação de defensas metálicas e barreiras de concreto. A concessionária garante ainda que busca ampliar a capacidade do sistema viário com a implantação de passarelas e duplicação de trechos. “Somando-se a isso, a Concessionária desenvolve diversas ações voltadas à prevenção de acidentes e conscientização dos motoristas em parceria com a PRF, Polícia Militar Rodoviária (PMRV), SEST SENAT, ANTT, BHTrans, e prefeituras ao longo trecho”, afirma em nota.
Via 040 afirma ter feito
- Recuperação de mais de 1.800 km de pavimento
- Recuperação de 46.000 metros de sistemas de drenagem
- Instalação ou substituição de 29.500 placas
- Revitalização da sinalização horizontal, com mais de 13.000 km de faixas pintadas nas pistas
- Instalação de 660.000 “olho-de-gato” (tachas refletivas)
- 195 quilômetros de defensas metálicas (“guard rail”), 790 metros de barreiras de concreto
- Mais de 330 taludes recuperados
FONTE O TEMPO