A cada hora, pelo menos quatro golpes virtuais ocorrem em Minas Gerais. Só nos dois primeiros meses de 2023, a Polícia Civil registrou 6.067 ocorrências de estelionato por meios digitais no Estado, 5.056 delas consumadas. O número de vítimas pode ser muito maior, já que a maior parte de quem sofre fraudes financeiras no Brasil, 39% das vítimas, não toma qualquer providência formal, segundo levantamento divulgado neste ano pela Serasa. O problema é velho conhecido das autoridades e a própria imprensa divulga detalhes sobre uma série de golpes rotineiramente. Por que, então, eles continuam a atingir milhares de pessoas todos os anos?
A sofisticação “profissional” dos golpistas explica parte do problema. “São pessoas com facilidade no meio digital. Elas possuem dinheiro para investir até em publicidade criminosa e anunciam [sites falsos] no Google, no Facebook, no Instagram, conseguem provedores de internet até fora do país. Não são amadores. Os criminosos já têm dados da vítima, não a procura de forma aleatória, ou o golpe não daria certo”, resume o delegado da Divisão Especializada de Investigação aos Crimes Cibernéticos de Minas, Renato Nunes. Em um dos golpes, por exemplo, dezenas de números ligam para a vítima e anunciam ser de diferentes bancos, oferecendo um empréstimo consignado e até fornecendo um suposto número de telefone para que a veracidade da informação seja verificada.
“Eles têm call-center, são conglomerados de pessoas”, resume a advogada e vice-presidente da Associação Nacional das Vítimas de Internet (Anvint), Tanila Savoy. Experiente em casos desse tipo, ela explica que o aparato tecnológico das quadrilhas avança dia a dia. No golpe do WhatsApp, em que os criminosos simulam ser a pessoa para pedir dinheiro aos contatos dela, sabem exatamente quem são os pais e amigos da vítima, mesmo que o parentesco não esteja no nome dos contatos. Isso porque os criminosos conseguem cruzar informações do WhatsApp com a de outras redes sociais, por exemplo. “Eles fazem triangulação de informações. Sabem quem são seu irmão, cunhada, pai, marido”.
Informações sensíveis sobre as vítimas, como bancos em que elas têm contas, são obtidas por meio de hackers da própria quadrilha ou comprando grandes bancos de dados vazados, seja por falhas na segurança dos bancos ou de empresas que prestam serviços a eles. O problema se agrava porque, com a digitalização de praticamente qualquer serviço, acentuada pela pandemia, as pessoas deixam cada vez mais dados em diferentes sites e aplicativos. “Em quantos lugares você mesmo já colocou seu nome, CPF, data de nascimento? Fazemos isso em pesquisas, em site de e-commerce, em sites que pedem cadastro, de livre e espontânea vontade”, pontua a gerente da Serasa Camila Faiçal.
O engenheiro Vinícius de Freitas Machado, 42, por exemplo, desconfia, mas não consegue precisar por quais meios criminosos conseguiram seus dados para clonar seu cartão de crédito múltiplas vezes e também se passar por ele no WhatsApp. “Da última vez em que tentaram clonar meu cartão, em fevereiro, eu tinha desbloqueado ele há um dia. Tenho até medo do que conseguem de informação. Sou chato com segurança e não entro em qualquer site”, diz. Até seus filhos de 10 e 13 anos recebem com frequência SMS no celular direcionando a links suspeitos, diz. “Estamos muito vulneráveis”.
As redes do golpe ultrapassam fronteiras e os fios de investigação levam a diferentes Estados e a outros países. Em 2020, membros de um grupo internacional denominado Yahoo Boys, que aplicavam golpes de sites de relacionamento mundo afora, inclusive no Brasil, foi desmascarado e só no país cem pessoas foram presas. A raiz da quadrilha, entretanto, estava do outro lado do Atlântico, na Nigéria. “O mundo cibernético é muito mais rápido do que a gente. Quando você pensa em um golpe que pode ser criado, ele já foi e as pessoas estão caindo nele faz tempo”, diz a fundadora do Instituto GKScanonline, Glauce Lima, que presta suporte jurídico e psicológico a vítimas, especialmente dos chamados “golpes do amor”, como os aplicados pelo grupo nigeriano.
Contra tentativas de golpe, desconfie de tudo
Uma série de dicas práticas (confira abaixo) ajudam a se prevenir de golpes. Mas a base de todas elas é uma só: “Atenção ao detalhe”, sintetiza a gerente da Serasa Camila Faiçal. “Atenção a um ponto final estranho no nome da empresa no boleto, uma maquininha que não passou o cartão, um WhatsApp de empresa sem selo de verificação, um traço diferente no nome da pessoa”, lista. Confira algumas dicas de proteção contra golpes:
- Desconfie de links ou mensagens maliciosas mesmo quando enviados por pessoas conhecidas. Aplicativos como WhatsApp e Telegram e e-mails são as origens mais comuns de links maliciosos, ofertas de acordos e boletos falsos.
- Se receber qualquer boleto por site ou aplicativo, não faça qualquer transação antes de verificar o documento no site da Serasa por meio do Validador de Boletos. Caso seja indicado que o código do boleto ou Pix não se trata de um meio de pagamento da Serasa, certifique-se das informações apresentadas e faça seu login no site ou app Serasa para verificar se há uma oferta disponível para negociação.
- Números de WhatsApp e páginas oficiais nas Redes Sociais apresentam um Selo de Verificação localizado ao lado do nome do contato. Tome cuidado para não confundir com emojis, utilizados para fraudar essa validação.
- Endereço eletrônicos oficiais devem possuir https com URL, cadeado na barra de navegação e inscrição de “site seguro”.
- Na dúvida, não clique: algumas mensagens despertam gatilhos emocionais nas vítimas, como a curiosidade, o sentimento de solidariedade, os benefícios, entre outros. Se receber mensagens como “Sua fatura do mês chegou” e “Temos uma oferta imperdível”, desconfie.