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Como Minas Gerais quer criar o Vale do Lítio 

Campanha internacional destaca segurança jurídica para investidores externos ao mesmo tempo em que o Chile cria incertezas

O governo de Minas Gerais apresentou na noite de ontem em Nova York uma campanha de atração de investimentos internacionais para a exploração do lítio no Vale do Jequitinhonha.

Batizada de Lithium Valley, a iniciativa conjunta com o governo federal quer posicionar a região como centro produtor de um dos minérios críticos da transição energética.

O lítio é um componente essencial das baterias, e a previsão é que a demanda pelo metal pelo menos triplique até o fim da década com a eletrificação dos transportes.

Existem 45 jazidas de lítio no nordeste do Estado, o que poderia aumentar em mais de 20 vezes a produção nacional, segundo as estimativas do governo mineiro.

Além do potencial transformador para uma das regiões mais pobres do país e do apelo evidente da descarbonização, o evento realizado na sede da Nasdaq, na Times Square, teve outra mensagem central: segurança jurídica.

O timing da divulgação da campanha, que vinha sendo gestada havia mais de um ano, não poderia ter sido mais favorável.

Há pouco menos de três semanas, o governo chileno apresentou uma nova política nacional para a exploração do lítio que exigirá participação estatal em futuros projetos de exploração no país.

A medida ainda depende de aprovação do Congresso, mas a resposta dos investidores foi imediata. As ações das duas companhias que produzem lítio no país despencaram mais de 20% no dia seguinte ao pronunciamento do presidente Gabriel Boric.

O Chile tem as maiores reservas comprovadas de lítio e um dos custos mais baixos para a obtenção do mineral. Mas, com a incerteza no vizinho sul-americano, o Vale do Lítio pode tornar-se uma alternativa atraente para os investidores.

“O Brasil está de braços abertos para empresas de todo o mundo. Temos a convicção de que o desenvolvimento do setor de mineração não prescinde do setor privado”, afirmou Vitor Saback, secretário nacional de mineração do Ministério de Minas e Energia.

O país quer contribuir com a descarbonização mundial e pretende fazê-lo com “integridade, transparência e previsibilidade”, disse Saback.

Poucos detalhes

Não houve detalhamento de medidas práticas da campanha Vale do Lítio. O plano, dizem as autoridades estaduais, vai envolver a agilização das licenças ambientais e também estudos para eventuais investimentos em infraestrutura.

“Velocidade não quer dizer malfeito”, disse o governador mineiro, Romeu Zema, em seu discurso. Critérios objetivos serão outra prioridade para oferecer mais segurança aos investidores.

“Antes tínhamos regras subjetivas. Você dizia: ‘Precisa ter bom preparo físico’. É diferente de dizer: ‘Você precisa correr 2 quilômetros em 12 minutos.”

Um dos objetivos da iniciativa, afirmou Zema, é “desmistificar a mineração”, numa aparente referência ao ponto mais sensível quando se fala do setor no Brasil e particularmente em seu Estado: os impactos negativos no meio ambiente.

Usando como exemplo o Instituto Inhotim, museu a céu aberto que fica numa antiga área de mineração em Brumadinho – a mesma cidade onde o rompimento de uma barragem da Vale deixou 270 mortos em 2019 –, ele afirmou que é possível recuperar áreas exploradas.

“O que não resolve a vida de ninguém é o minério ficar eternamente enterrado”, disse Zema.

Nos passos da pioneira

A campanha seria pouco mais que um esforço de marketing se não fosse o exemplo concreto de uma empresa que acaba de inaugurar sua produção comercial de lítio no Vale do Jequitinhonha.

Depois de mais de uma década estudando o potencial da região e R$ 1,2 bilhão em investimentos, a Sigma Lithium começou a produzir oficialmente em meados do mês passado.

A companhia deve despachar do Porto de Ilhéus o primeiro carregamento de 15 mil toneladas ainda este mês. “Vamos produzir lítio suficiente para 617 mil carros elétricos [anualmente]”, afirmou a CEO Ana Cabral-Gardner.

Com as expansões previstas para os próximos anos, a estimativa é que esse total seja multiplicado por três. 

A Sigma Lithium afirma ser a primeira produtora de lítio verde do mundo. Toda a eletricidade usada na planta vem de fontes renováveis.

A empresa também recicla 100% da água utilizada na etapa de purificação do lítio (que não envolve agentes químicos). Os rejeitos são empilhados a seco e depois são exportados para a recuperação dos minerais residuais que têm valor comercial.

Diversas outras companhias realizam estudos geológicos e querem seguir o mesmo caminho da Sigma. 

Embora os salares chilenos (e também bolivianos e argentinos) tenham maior concentração de lítio e possam ser explorados a um custo mais baixo, a aposta é que as credenciais de sustentabilidade façam a diferença.

“O lítio chileno não é ESG”, diz Marc Fogassa, CEO da Atlas Lithium, uma empresa americana que prospecta no Vale do Jequitinhonha. “E eles não têm como aumentar a escala da produção sem grande impacto ambiental.”

Nos vizinhos sul-americanos, o lítio é obtido por meio do bombeamento para a superfície da salmoura presente no subsolo. O mineral é extraído com facilidade por meio da evaporação da água.

Ativistas ambientais afirmam que essa atividade pode interferir na disponibilidade de água em uma região que já é desértica.

Esse foi um dos motivos que levaram o presidente chileno, Gabriel Boric, a rever a política de exploração do minério.

Mesmo antes disso, o Chile já havia perdido a condição de maior produtor do mundo. Desde 2017, a liderança global é da Austrália, que, como o Brasil, extrai o lítio de um minério rochoso chamado espodumênio.

E as baterias?

Mesmo com o carimbo “battery grade”, o insumo exportado pela Sigma Lithium precisa passar por um processo de refino químico – o que normalmente é feito na China – antes de ser utilizado em baterias.

Bolívia e Chile já anunciaram acordos com grandes fabricantes chineses para romper o conhecido ciclo de exportação de matérias-primas e importação de industrializados.

Um dos pontos centrais do pacote ambiental bilionário de Joe Biden envolve uma crescente distribuição local da fabricação dos componentes – por questões comerciais e geopolíticas.

Questionado pelo Reset se o plano do Vale do Lítio contemplaria algo semelhante, Romeu Zema afirmou que ainda é cedo para pensar no assunto. “Primeiro você planta o algodão, depois monta uma tecelagem e só então vai ter uma confecção.”

FONTE CAPITALRESET

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