Por João Vicente
Embora ainda pouco conhecido no Brasil, o termo Shortlines já é amplamente difundido no exterior, e é de grande importância para o setor ferroviário. As shortlines são ferrovias para o transporte de passageiros, conectando cidades próximas em linhas curtas. Traduzido do inglês, é uma ferrovia de linha curta, empresa ferroviária de pequeno ou médio porte que opera a uma distância relativamente curta em relação a redes ferroviárias nacionais maiores. O termo é muito usado, principalmente nos EUA, Canadá.
Dados de 2017, o Brasil tem hoje 8.335,42 km de ferrovias (36,67%) dos 29.073,80 de Km da malha ferroviária formalmente concessionada desde de 1997, que estão abandonadas, são ramais e trechos que existem , onde por eles não passa nenhuma composição ferroviária seja de carga ou passageiros. Um exemplo explicito na nossa região é o ramal Ponte Nova que liga Miguel Burnier a Ouro Preto construído em 1888 com 43 km de linha férrea bitola mista e bitola de 1,00 m e que está completamente desativado.
A linha verde é o Ramal Paraopeba. A linha azul saindo de Lafaiete até General Carneiro é a linha Centro. Já o Ramal Ponte Nova que está também de azul, entroncamento em Miguel Burnier que não aparece no mapa e segue para Ouro Preto está desativada pela concessionária, FCA (Ferrovia Centro-Atlântica) subsidiária da Vale, porem seus trilhos de 43 km até estação de Ouro Preto está preservado.
“Na década de 1980, sob o autoritarismo concentrador do regime ditatorial, o Brasil cometeu um reconhecido e grave erro de planejamento econômico: privilegiou a rodovia em detrimento da ferrovia. Hoje, somente 20,7% do transporte de cargas no Brasil é feito por ferrovias enquanto 61,1% é por rodovias (CNT/2018), que tem custo 25% maior, entre outras consequências negativas, entre elas o congestionamento das estradas. Com a extinção da Rede Ferroviária Nacional cerca de 80% da malha ferroviária nacional foi sucateada, com perda de extenso e valioso patrimônio por todo o país. Destruiu-se o que terá sido o legado maior de Dom Pedro II que, com visão de futuro, atuou decididamente na construção de ferrovias na segunda metade do Século XIX.”, escreveu Mauro Werkema, jornalista e escritor em 2020 no jornal Liberal de Ouro Preto.
SITUAÇÃO DO TRANSPORTE FERROVIÁRIO DE PASSAGEIROS EM LONGA DISTÂNCIA NO BRASIL
O Brasil segue como um raro exemplo de país onde o transporte ferroviário de passageiros é negligenciado, considerando os dez maiores países em área, é o único onde essa modalidade de transporte praticamente não existe.
Atualmente, no Brasil, com exceção da Estrada de Ferro Vitória a Minas e da Estrada de Ferro Carajás, onde, por força do contrato de privatização, a Vale (antiga Companhia Vale do Rio Doce), opera trens de passageiros, não existem mais serviços regulares de trens de passageiros em longa distância.
Há alguns trens turísticos que são utilizados pelas populações locais como meio de transporte regular, como o “Expresso Serra Verde”, entre Curitiba e Paranaguá, no estado do Paraná, as Maria-Fumaça de São João Del Rei a Tiradentes, Ouro Preto a Mariana em Minas Gerais e já está para entrar em operação o trem turístico entre Rio de Janeiro (Tres Rios) a Minas Gerais (Chiador) programado para este ano de 2023.
Para ilustrar melhor a realidade do setor ferroviário brasileiro com o resto do mundo escolhi dez maiores países em área territorial, para comparação.
1º Rússia (Federação Russa): Com uma área de 17.098.242 km², a Russia é o país mais extenso do mundo, com população de 142 milhões de pessoas (9º mais populoso) e IDH de 0,798 (alto), o transporte ferroviário de passageiros em longa distância na Rússia é provido pela estatal JSC Federal Passenger Company, que atende 85 das 89 regiões russas .
2º Canadá: Com uma área de 9.984.670 km², o Canadá é o segundo país mais extenso do mundo, com população de 34 milhões de pessoas (37º mais populoso) e IDH de 0,913 (muito alto), o transporte ferroviário de passageiros em longa distância no Canadá é provido pela estatal Via Rail [2], que atende 8 de 10 províncias canadenses .
3º China (República Popular da China): Com uma área de 9.596.960 km², a China é o terceiro país mais extenso do mundo, com população de 1.3 bilhão de pessoas (1º mais populoso) e IDH de 0,727 (alto), o transporte ferroviário de passageiros em longa distância na China é provido pela estatal China National Railway (CNR), que também fabrica boa parte do material que utiliza. A estatal atende a todo o país (22 províncias, 4 municipalidades, 5 regiões autônomas e 2 regiões administrativas especiais), com exceção de Macau, que é uma ilha.
4º EUA (Estados Unidos da América): Com uma área de 9.371.174 km², os EUA são o quarto país mais extenso do mundo, com população de 318 (3º mais populoso) milhões de pessoas e IDH de 0,914 (muito alto), o transporte ferroviário de passageiros em longa distância nos EUA é provido pela estatal National Railroad Passenger Corporation, que opera sob o nome comercial de “Amtrak”, atendendo a 47 de 50 estados .
5º Brasil (República Federativa do Brasil): Com uma área de 8.514.877 km², o Brasil é o quinto país mais extenso do mundo, com população de 108 milhões de pessoas (6º mais populoso) e IDH de 0,755 (alto), o transporte ferroviário de passageiros em longa distância no Brasil, atualmente, se resume a dois serviços mantidos pela mineradora Vale, em razão do contrato de privatização desta empresa.O serviço de passageiros da Estrada de Ferro Vitória a Minas , que liga Vitória, no estado do Espírito Santo a Belo Horizonte, no estado de Minas Gerais, servindo também a 30 cidades ao longo da linha e o serviço de passageiros da Estrada de Ferro Carajás , que liga São Luiz, no estado do Maranhão a Parauapebas, no estado do Pará, servindo a 15 cidades ao longo da linha.
6º Austrália (Comunidade da Austrália): Com uma área de 7.741.220 km², a Austrália é o sexto país mais extenso do mundo, com população de 22 milhões de pessoas (52º mais populoso) e IDH de 0,935 (muito alto), o transporte ferroviário de passageiros em longa distância na Austrália é provido por várias empresas, sendo as principais: Great Southern Rail (privada) , NSW TrainLink (estatal) , Queensland Rail (estatal) , V/Line (estatal) , estas empresas atendem 5 de 6 estados australianos, a exceção é o estado da Tasmânia, que é uma ilha.
7º Índia (República da Índia): Com uma área 3.287.263 km², a Índia é o sétimo o país mais extenso do mundo, com população de 1.2 bilhão de pessoas (2º) e IDH de 0,609 (médio), o transporte ferroviário de passageiros em longa distância na Índia é provido pela estatal Indian Railways que atende todo o país (29 estados e 7 territórios). A Indian Railways também fabrica boa parte de seu próprio equipamento, através de suas subsidiárias, e é o maior empregador da Índia, possuindo cerca de 1.3 milhão de funcionários .
8º Argentina (República Argentina): Com uma área 2.780.400 km², a Argentina é o oitavo país mais extenso do mundo, com população de 43 milhões (31º mais populoso) de pessoas e IDH de 0,836 (muito alto), o transporte ferroviário de passageiros em longa distância na República Argentina é provido pelas estatais Trenes Argentinos , Ferrobaires , Ferrocentral SA e Trenes Especiales Argentinos , atendendo 9 de 23 províncias (Buenos Aires, Córdoba, Santa Fé, Chaco, Tucumán, Entre Rios, Salta, Neuquén, Rio Negro).
Sobre a Argentina, cabe dizer que já possuiu a mais extensa e eficiente rede ferroviária da América Latina, sendo considerada, por volta da década de 60, tão eficiente quanto as melhores redes europeias.
9º Cazaquistão (República do Cazaquistão): Com uma área 2.724.900 km², o Cazaquistão é o nono país mais extenso do mundo, com população de 17 milhões de pessoas (64º mais populoso) e IDH de 0,788 (alto), o transporte ferroviário de passageiros em longa distância no Cazaquistão é provido pela estatal Kazakhstan Temir Zholy, que atende todos os 14 distritos do país.
10º Argélia (República Argelina Democrática e Popular): Com uma área 2.381.741 km², a Argélia é o décimo país mais extenso do mundo, com população de 38 milhões de pessoas (33º mais populoso) e IDH de 0,736 (alto), o transporte ferroviário de passageiros em longa distância na Argélia é provido pela estatal Société Nationale des Transports Ferroviaires, que liga a capital as maiores cidades do país.
Como podem ver na comparação acima , a privatização em 1997 tão alardeada pelo setor privado e o governo de FHC,em vez de alavancar e modernizar o transporte ferroviário de passageiro em harmonia com o transporte de carga, ao contrario sucateou, abandonou as traças grande parte do patrimônio ferroviário brasileiro trazendo um prejuízo enorme à sociedade brasileira acabando por completo com transporte de passageiro em todo o Brasil.
Pra complementar termino com o texto publicado em 2021 por de João Lanza, pesquisador acadêmico que escreve dizendo: “ vários trechos atualmente ociosos têm potencial de reaproveitamento como shortlines, como é o caso da Malha Oeste, da Rumo Logística, e o ramal Cajati-Santos, da Rumo Malha Paulista. E como o PLS261 ainda não havia sido votado em dezembro de 2020, o estado de Minas Gerais manifestou interesse em criar uma legislação própria sobre shortlines. Nesse contexto, a proposta das shortlines é bastante inovadora para um país onde tradicionalmente o sistema ferroviário tem atendido um segmento bem estrito de clientes, como a logística de commodities para exportação, sendo gerido por empresas estatais e, hoje em dia, por concessionárias em um regime regulatório que limita a entrada de novos concorrentes: para se ter uma ideia, a construção de novas linhas ainda é uma atribuição do governo. Com as atuais limitações orçamentárias da União e a necessidade de investimentos em infraestrutura do País, a abertura do setor ferroviário é, sem dúvida, essencial para atrair novos investimentos, aumentar a concorrência e reduzir os custos logísticos no País.
Uma esperança no fim do túnel
Em Minas foi criado a Comissão Extraordinária Pro-Ferrovia pela ALMG, onde inclusive o ex. Deputado Estadual Glaycon Franco fez parte. Foi criado também a Secretaria Estadual de Mobilidade Urbana e a elaboração de um Plano Estratégico Ferroviário – PEF, que tem o objetivo de nortear investimentos publico-privado no transporte ferroviário em Minas Gerais. O IPEA também tem um estudo bastante interessante de 2011 sobre a Shorline e que parece que tá começando a sair do papel pelo governo federal. No Congresso tramita um PL 261 do Marco Legal da Ferrovia aprovado pelo Senado e que agora está na Câmara dos Deputados para ser votado.Vamos aguardar. Em 2019, o nosso movimento Pro ferrovia, solicitou através do Deputado Glaycon uma audiência publica com a Comissão Extraordinária Pró-Ferrovia sobre a volta do trem de passageiros em nossa região, evento que aconteceu na Câmara Municipal de Cons.Lafaiete,onde eu tive a oportunidade de defender o modelo de Shortline para transporte de passageiros entre Barbacena a Lafaiete, Lafaiete a Brumadinho e Lafaiete a Ouro Preto. Para finalizar destaco algumas vantagens do Shortline no transporte ferroviário de passageiro em comparação com outros modais, como:
– Redução dos custos de implantação: o sistema de Shortline utiliza linhas ferroviárias já existentes, que muitas vezes estão subutilizadas ou abandonadas, o que reduz significativamente os custos de implantação em comparação com a construção de novas linhas.
_ Maior eficiência energética: por ser movido a tração elétrica, o sistema de Shortline é mais eficiente em termos energéticos do que outros modais, como o transporte rodoviário, o que contribui para a sustentabilidade e redução das emissões de gases do efeito estufa.
_ Aumento da capacidade de transporte: o transporte ferroviário possui uma capacidade de transporte muito maior do que o transporte rodoviário, o que permite movimentar um maior número de passageiros em um curto período de tempo, reduzindo congestionamentos e melhorando a fluidez do tráfego.
_ Menor impacto ambiental: o transporte ferroviário em geral apresenta um menor impacto ambiental do que o transporte rodoviário, pois causa menos poluição do ar, sonora e de solo, além de reduzir a emissão de gases poluentes.
_ Maior conforto aos passageiros: os trens do sistema de Shortline podem ser projetados para oferecer maior conforto aos passageiros, com assentos espaçosos, ar-condicionado, banheiros e outras comodidades, tornando a experiência de viagem mais agradável.
_ Estímulo ao turismo e desenvolvimento regional: a implantação de linhas ferroviárias de Shortline pode contribuir para o desenvolvimento regional, atraindo turistas e investimentos para áreas que antes estavam isoladas ou com dificuldades de acesso, proporcionando um impulso econômico para essas regiões.
Dessa forma, o sistema de Shortline apresenta-se como uma solução viável e eficiente para o transporte ferroviário de passageiros no Brasil, contribuindo para o desenvolvimento sustentável, a melhoria da mobilidade urbana e a redução dos problemas causados pelo transporte rodoviário.
Minha participação na Audiência Publica, onde defendi a proposta de implantação do modelo Shortline e uma visita técnica na linha do Ramal Paraopeba que liga Lafaiete a Brumadinho e o Ramal Ponte Nova que liga Miguel Burnier a Ouro Preto aprovado pela Comissão em anexo e que infelizmente não foi realizado até a data de hoje.
4517/2019REQUERIMENTO DE COMISSÃO
Requerem seja realizada visita técnica aos trechos ferroviários Brumadinho-Conselheiro Lafaiete e Conselheiro Lafaiete-Ouro Preto (via Miguel Burnier), para conhecimento da situação atual de conservação e infraestrutura da ferrovia.
Situação atual: Aprovado
Autoria
Informações gerais
Tramitação
1
03/10/2019
Comissão Extraordinária Pró-Ferrovias Mineiras
Proposição recebida na Comissão. Publicado no DL em 11/10/2019, pág 11. Aprovado o requerimento. Decisão publicada no DL em 11/10/2019, pág 11.
Nesse Relatório de 2018, consta a visita da Comissão Extraordinária Pró-Ferrovia em Lafaiete destacando propostas do Movimento Pro-Ferrovia, movimento que criamos em 2015, juntamente com a ONG Associação Trem Bom de Minas.
lmg.gov.br/bitstream/11037/31984/1/Relatório%20Comissão%20Pró-Ferrovias-MAR19.pdf (link para acessar o relatório)