Termo melhor não há
Que entre rios Brumado e Camapuã,
Onde mais se aproximam,
Para aqui assentar a taba chã
O índio Cataguá. […]
D. Oscar de Oliveira, Sítio Cataguá.
Na região entre os rios Brumado e Camapuã ocorreu ocupação muito antiga, por comunidades indígenas que se tornaram bastante conhecidas pelos paulistas, porque foram povos resistentes à invasão de seus territórios. O Cataguases e os Carijós resistiram o quanto foi possível na manutenção de suas culturas e domínios. Nessa região, principalmente junto às margens dos rios, estes povos deixaram inúmeros vestígios, a conformar preciosos sítios arqueológicos, que por falta de projetos e vontade política para a devida identificação, estudo, proteção e divulgação – todo este patrimônio arqueológico é dissipado cotidianamente.
Broma, bromado, brumado, bruma – são expressões que se vinculam à origem da localidade. “Bromado” apareceu registrado em 20 de dezembro de 1713, na Carta de Sesmaria de Pedro Domingues, um dos primeiros a ocupar a região. Expressão originada de “broma” – que na Língua Portuguesa tem significados distintos. Em outro documento, teve o emprego “designar perda ou engano, mistificação ou desaparecimento do ouro na lavra que supunha rica”. (Revista do Arquivo Público Mineiro, Ano XX, 1924, p.267). De acordo com um dos pesquisadores mais renomados de Minas, nesse sentido “bromado” é “mentido”. (VASCONCELLOS, 1999).
O Arraial Brumado do Suaçuí integrava o termo da Vila de São José del-Rei – a atual Tiradentes. Ao se emancipar, teve desmembramento de Conselheiro Lafaiete, em 1878. Recebeu outras denominações: Entre Rios, João Ribeiro e a partir de 1953 a denominação definitiva: Entre Rios de Minas. Município que compõe o Campo das Vertentes e o primeiro do roteiro turístico Trilha dos Inconfidentes.
Como nas demais ocupações mineiras, logo foi construída uma capela pioneira e dedicada à Nossa Senhora das Brotas. Esta é uma devoção entre as mais mil dedicadas à Virgem Maria, a mãe de Cristo, surgida em Portugal. O relato fundamental dessa devoção foi registrado por Frei Agostinho de Santa Maria, a citar um milagre ocorrido no Sítio das Abróteas (Asphodelus ramosus), planta nativa distribuída por parte do território lusitano, com vasto uso medicinal para o tratamento de diversas mazelas.
Um homem pobre e chefe de família numerosa, tinha apenas uma vaca que produzia leite e com ele matinha os filhos. Certo dia, a vaca desapareceu e o homem circulou por todas as serras e barrocas à sua procura. O animal tinha caído de um precipício e morrera. Ao encontrá-la, sacou sua faca e já ia destrinchar o animal. No desespero, invocou Nossa Senhora. Então, ouviu uma voz que lhe disse: “Não temas, nem te desconsoles; vai ao lugar e chama a gente, e quando vieres acharás a tua vaca viva.” (LIMA JÚNIOR, 2008 p.191). No local, o homem construiu uma ermida devotada à Nossa Senhora das Abróteas, atualmente local de grande peregrinação. Trazida pelos portugueses, a devoção à Nossa Senhora das Brotas enraizou, principalmente em Minas Gerais, São Paulo e Bahia.
Ao longo do tempo, a capela pioneira de Nossa Senhora das Brotas passou por reforma e ampliação – com isso, o retábulo-mor no estilo rococó desapareceu; depois o neogótico, também desapareceu, em consequência das obras e atualização do “gosto”.
A história da Matriz de Entre Rios de Minas foi detalhadamente apresentada no livro De Bromado a Entre Rios de Minas …sua arte, …sua história (RESENDE, 2021). Em bela edição e ricamente ilustrada, além dos variados aspectos da vida religiosa da localidade, a obra apresenta o elemento arquitetônico, com seus inúmeros detalhes, a nos ajudar a compreender a relevância deste culto associado a tão imponente edificação.
Obra que apresenta a história da devoção e desde a capela pioneira até a atual Matriz de Nossa Senhora das Brotas. Publicada através do Prêmio Valorização do Patrimônio Cultural, da Prefeitura de Entre Rios de Minas, com apoio cultural do Sicoob Credicampo, 2021.
Altar-mor da Matriz de Nossa Senhora das Brotas, com a tela que representa o milagre do homem pobre e sua vaca, nave da igreja. Entre Rio de Minas. Fotografias: Luiz Cruz.
As duas cenas da tela do milagre do homem pobre e sua vaca.Matriz de Nossa Senhora das Brotas. Entre Rios de Minas. Fotografias: Luiz Cruz.
No altar-mor, um quadro representa a Senhora das Brotas, cercada por anjos e sobre nuvem, como se estivesse sobre a copa de árvore e na base duas cenas, o homem pobre a clamar pela Virgem Maria e sua vaca morta, do outro lado a apresentar sua vaca viva, após o incidente, exatamente como descrito por Frei Agostinho de Santa Maria. Este quadro substituiu a mesma cena, só que pintada em tábua. (LIMA, JUNIOR, 2008 p.192). Além da cena do milagre, há a imagem no altar, a Senhora com o Menino Deus no colo, ambos coroados. Ela ostenta um buquê de flores, originalmente deveria ser de abróteas (Asphodelus ramosus) e Ele um globo azul, na base figuram anjinhos alados.
Imagem de Nossa Senhora das Brotas, provavelmente do século XVIII.Fotografia: Luiz Cruz.
Missa de 12 de agosto de 2023, preparatória para a Festa de Nossa Senhora das Brotas. Entre Rios de Minas. Fotografia: Luiz Cruz.
Missa de 12 de agosto de 2023, preparatória para a Festa de Nossa Senhora das Brotas. Entre Rios de Minas. Fotografia: Luiz Cruz.
Nossa Senhora das Brotas é a padroeira dos criadores de gado, protetora das fazendas agrícolas, Entre Rios de Minas promove uma das mais tradicionais Festa da Colheita (julho), quando se unem diversos produtores rurais para agradecer a produção de alimentos e realizar o cortejo de carros de bois decorados com espigas de milho, abóboras, canas, ramos de café, frutas e até pequenos animais.
Fachada lateral da Matriz de Nossa Senhora das Brotas. Entre Rios de Minas. Fotografia: Luiz Cruz.
Pastéis e churrasquinhos das barraquinhas da Festa de Nossa Senhora das Brotas. Entre Rios de Minas. Fotografia: Luiz Cruz.
Acompanhamos os preparativos para a Festa da Padroeira de Entre Rio de Minas. A Matriz torna-se pequena para receber tantos paroquianos. Após as celebrações os participantes podem aproveitar as “barraquinhas”, onde se deliciam os quitutes mineiros: quentão, pastel, caldos, churrasquinho e os doces imperdíveis. À frente de tudo está o padre Ildeu Cruz, que recebe os fiéis com sorriso largo e alegria. Ele cuida de todos os detalhes, para que tudo transcorra da melhor maneira possível. Este ano a ornamentação ficou a cargo do Professor Roberto Kennedy e tem até uma bandeira com a devoção, instalada no adro, como ocorre nas grandes festas populares mineiras.
Dia 15 de agosto é o dia da padroeira de Entre Rios de Minas e a programação será intensa. Estando por perto, venha celebrar com a comunidade entrerriana, venha participar das celebrações de uma das devoções herdadas de Portugal, a padroeira dos animais, dos produtores e das fazendas agrícolas. Será uma bela festa, o povo de Entre Rios de Minas sabe fazer bonito e bem-feito.
Brumado = rio com muitas brumas, neblina; Camapuã =palavra indígena que significa seios fartos. Os rios Brumado e Camapuã desaguam no Paraopeba, sua bacia hidrográfica tem os seguintes rios: Paraopeba, Águas Claras, Macaúbas, Betim, Camapuã e Manso.
Referências:
BARBOSA, Waldemar de Almeida. Dicionário Histórico Geográfico de Minas Gerais. Belo Horizonte: Ed. Itatiaia, 1995.
LIMA JÚNIOR, Augusto de. História de Nossa Senhora em Minas Gerais. Belo Horizonte: Autêntica Editora, Editora PUC Minas, 2008.
OLIVEIRA, Dom Oscar de. Moinho D’Água. Belo Horizonte: Ed. do autor, 1979.
RESENDE, Elson de Oliveira. De Bromado a Entre Rios de Minas …sua arte, sua história. Tiradentes: Mandala Produção, 2021.
VASCONCELLOS, Diogo de. História Antiga de Minas Gerais. Belo Horizonte: Ed. Itatiaia, 1999.
FONTE BLOGUE DO Luiz Cruz Tiradentes