Por João Vicente
A candidatura coletiva, também conhecida como mandato coletivo, é uma forma de representação política em que um grupo de pessoas concorre juntas a um cargo eletivo, como vereador ou deputado. Diferente da candidatura individual tradicional, em que apenas uma pessoa é eleita e representa o grupo, na candidatura coletiva todas as pessoas eleitas têm voz e voto na tomada de decisões. Essa forma de candidatura busca representar de maneira mais ampla os interesses e demandas de um grupo específico, como movimentos sociais, comunidades ou coletivos.
Desde as eleições de 2012, as disputas eleitorais no Brasil passaram a contar com um novo tipo de candidaturas: as candidaturas coletivas. Embora ainda não estejam regulamentadas pela legislação eleitoral, com o passar dos anos, as candidaturas coletivas têm despontado em todo país como uma possibilidade de transformar a política institucional a partir de novas formas de organização e participação popular.
Salto do modelo colaborativo nas eleições 2022
As eleições de 2022 representaram um salto de 1.733% de candidaturas coletivas registradas no TSE em relação às eleições gerais anteriores. Foram 220 registros em 2022, em contraposição às 12 apresentadas ao órgão em 2018.
Os estados de São Paulo, Maranhão, Pernambuco, Paraná e Bahia lideraram, respectivamente, com 42, 30, 21, 17 e 14 chapas compartilhadas apresentadas ao TSE. Minas Gerais apresentou 3 candidaturas.
Os partidos de esquerda estiveram à frente (representaram 57% do total), sobretudo, o PSOL, que designou 69 candidaturas coletivas nas últimas eleições gerais, seguido pelo PT (31), Rede (13), PCdoB (13), PDT (9), PSB (8), Patriota (8) e Avante (8).
Segundo levantamento realizado pela Folha de São Paulo, em setembro de 2022, também os partidos de direita e de extrema-direita tiveram expressividade significativa, nas últimas eleições, em campanhas compartilhadas. Estas foram caracterizadas pelo agrupamento de policiais e bombeiros militares, de modo a fortalecer-se contra pautas progressistas, tradicionalmente vinculadas ao espectro da esquerda.
Nessas eleições, das candidaturas coletivas e compartilhadas registradas no TSE, 57% pertenciam a siglas de esquerda e 43% à direita política. Desse modo, a modalidade, encabeçada e caracterizada, em um primeiro momento, por movimentos associados à esquerda, passa a ser incorporada por agrupamentos de direita.
A candidata da Nossa Voz, Egrinalda Santos(PT-PB), acrescenta ainda a descrença das pessoas na política como um desafio a ser superado pelas candidaturas coletivas.”A construção da nossa candidatura vem pela confiabilidade do povo ao qual a gente representa, né? Então é esse o ponto que a gente sempre coloca: somos pessoas de base. Nós estamos bem intencionadas para com quem já vem diante de sofrimentos aos quais a gente também sente na pele”, diz a representante do Movimento dos Catadores de Material Reciclável.
Participação Popular
Sobre o funcionamento das candidaturas coletivas e possíveis mandatos, no caso de se elegerem, Heloísa de Sousa, da Coletiva Nossa Voz, explica que a falta de uma legislação que regulamente a atuação das chapas ainda é um grande obstáculo, pois, segundo ela, “esses espaços são construídos muito individualmente”.
“Por exemplo, na urna ainda não vai aparecer a foto das quatro. Vai aparecer a minha foto, que eu sou a candidata inscrita pela coletiva Nossa Voz. O TSE reconhece as candidaturas coletivas, mas ainda não está regulamentado que é necessário, por exemplo, que todas as integrantes possam formalmente dizer que são candidatas e, assim, se afastar [dos trabalhos] para poder fazer as campanhas”, ressalta a candidata.
Sobre a condução de um possível mandato, Heloísa comenta que a Nossa Voz conta com um “conselho político amplo e plural” que define a linha política e os passos da candidatura.
Desafios
Embora todas as chapas sublinhem a boa recepção por parte do eleitorado durante o início da campanha, por trazerem consigo a proposta de renovação da política, as candidaturas coletivas na Paraíba também têm se deparado com uma série de obstáculos e desafios. A falta de recursos e a violência política são alguns deles.
Josi Barbosa, por exemplo, lembra que a equipe da É Nóis a Mudança precisou organizar uma rifa para custear o evento de lançamento da candidatura. Segundo ela, a falta de verba tem dificultado, inclusive, o deslocamento da equipe para divulgar a campanha em regiões dentro e fora da capital.
De acordo com Vitoria Ohara, além da falta de recursos financeiros, a Poder Delas também tem enfrentado episódios de violência política, sobretudo devido ao que ela chama de “fascistização da política”.
“Muitas vezes, quando a gente está na rua, vem algum bolsonarista, alguém que comunga com essas ideias, e nos xinga. Mas o importante é que a gente vê a reação das outras pessoas. A maioria delas não acha nada legal essas atitudes e acaba defendendo o nosso lado”, relata a candidata do UP.
Regulamentação e barreiras à gestão coletiva nas Casas Legislativas
A legislação eleitoral brasileira prevê apenas a candidatura e mandato individual, ou seja, caso seja afastado, o parlamentar cujo nome estará no registro legal da chapa colaborativa não poderá ser substituído por outro do grupo, mas do suplente eleito.
As dificuldades enfrentadas pelos parlamentares de mandato colaborativo decorrem da informalidade da modalidade. As barreiras legais se manifestam desde o período das candidaturas, com o registro no Tribunal Superior Eleitoral – que, muitas vezes, é negado –, até o exercício do mandato, obstado, ocasionalmente, pelo regimento das Assembleias e Câmaras.
Há ainda escassa regulamentação para essas iniciativas. Nos últimos anos, a partir de esforços para sanar tal ausência, a Resolução nº 23.675/2021 do TSE representa um largo passo. Ela adiciona à resolução regulamentadora do registro de candidatos(as) no Brasil (nº 23.609/2019) a menção nominal à coletividade na urna eletrônica, desde que seja acompanhada de identificação clara do candidato representante do grupo. Apesar do avanço, ainda há a individualização da candidatura. Em suma, o registro continua sendo uninominal.
Quanto aos óbices supracitados, Lourença afirma: “temos essa barreira das próprias regras das casas parlamentares que são muito individualistas e dão muito poder a uma pessoa, ao vereador, ao deputado em si. Na nossa prática política, a gente tenta quebrar com isso, mas a gente esbarra muito em burocracias que são desnecessárias. Precisamos evoluir burocraticamente dentro das casas legislativas para facilitar a atuação dos mandatos coletivos e a efetivação dessa nova forma de fazer política.”
Ademais, a PEC 379/2017 e o PL 4724/2020, que tramitam no Legislativo federal, visa incorporar o mecanismo da governança compartilhada à legislação política.
Fonte: Brasil de Fato e Assessoria de Monitoramento dos Poderes Públicos/Nesp