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365 dias de angústia: família pede justiça por Charles, encontrado morto em uma delegacia

Era um dia de agosto de 2022 em Ouro Preto (MG), quando os amigos e familiares de Charles Wallace dos Reis Aguiar receberam a pior notícia que se pode receber: a morte de um ente querido. Essa tristeza foi intensificada pelas circunstâncias misteriosas que cercaram sua partida, deixando aqueles que amavam o jovem de 23 anos imersos em uma profunda angústia.

No dia 21, um domingo como esse, Charles foi encontrado morto, dentro de uma cela na delegacia de Ouro Preto. Quase um ano se passou desde então, e ainda não houve um posicionamento da Justiça acerca da responsabilização dos envolvidos sobre os eventos que ocorreram naquela fatídica madrugada de 20 de agosto.

Conforme relato dos policiais, o dia anterior testemunhou uma discussão entre Charles e seu namorado, que escalou ao ponto de envolver a intervenção da Polícia Militar (PM) devido ao comportamento do jovem. Após esse desentendimento, ele foi conduzido à delegacia de Ouro Preto para aguardar os procedimentos de praxe.

CHARLES É ENCONTRADO MORTO

A partir desse ponto, o caso tornou-se cada vez mais obscuro. Uma vez detido, Charles foi mantido sozinho em uma cela, a mesma no qual foi encontrado morto cerca de duas horas depois de sua entrada. Sua mãe, Jeanete, contou ao Galilé que recebeu a devastadora notícia do falecimento de seu filho em sua cidade natal, às 7h da manhã, com o registro de suicídio. O documento oficial aponta que o jovem faleceu às 3h da madrugada.

De acordo com os laudos periciais, Charles morreu em decorrência de asfixia, que teria sido causada por um tirante, utilizado para segurar canecas de bebidas. Contudo, a mãe do estudante relata que quando teve acesso ao corpo do jovem, o viu cheio de machucados.

“Ele tinha um buraco na testa e umas perfurações embaixo do braço, não pareciam ser de briga”disse Jeanete ao Galilé.

REPERCUSSÃO DA MORTE DE CHARLES

Ele era estudante de história da Universidade Federal de Ouro Preto e a sua morte causou uma grande repercussão entre a comunidade estudantil. Isso porque, além de ser um jovem muito querido e cheio de amigos, ele também era ativista político e nunca deixou sua voz se calar. Nas semanas que decorreram após a tragédia, diversas manifestações ocorreram em busca de uma resposta: o que ocorreu na madrugada do dia 20 de agosto? Existiu omissão policial? E se existiu omissão, quem se omitiu?

OS ERROS APONTADOS PELA FAMÍLIA

Os advogados que representam a família de Charles, Drs. Gabriel de Faria e Vinicios Teixeira, afirmam que existiram dois erros evidentes na ação policial daquele dia. O primeiro, da Polícia Militar, que conduziu Charles à cela da Delegacia sem a realização de revista adequada, deixando em sua posse um tirante e um isqueiro, segundo o laudo pericial do loca. A mãe Jeanete relata que com seu filho, além do tirante, encontraram um isqueiro.

“Como deixam alguém entrar em uma cela com coisas que ele podia usar para se machucar?”questiona Jeanete ao Galilé.

Oficialmente, a Polícia Militar afirmou ao jornal Estado de Minas que “em casos de autoextermínio, a divulgação de dados da ocorrência não é feita”. No entanto, um policial deu uma entrevista em agosto de 2022 ao portal Agência Primaz, relatando que nos bolsos de Charles foram encontrados um celular e um maço de cigarros. Sobre o tirante, a PM alegou que o jovem não estava com nenhuma caneca. Conforme as autoridades, a revista foi padrão, e o cordão poderia ter sido escondido nas roupas do jovem.

O segundo erro seria da Polícia Civil (PC). Na delegacia de Ouro Preto, as duas polícias tomam conta das celas. Contudo, alguns policiais civis ficam responsáveis por fazer a averiguação dos detidos através de uma câmera. Os advogados da família relataram que, no inquérito, comprovou-se que as câmeras estavam em funcionamento, mas não havia nenhum policial civil responsável por elas.

“Houve grave erro de procedimento ao se permitir que o estudante entrasse na cela munido do tirante, o que demonstra falha da revista pessoal prévia. Além disso, houve omissão dos policiais civis responsáveis pelo monitoramento das câmeras da cela, que estavam em pleno funcionamento no dia, fazendo com que não socorressem o estudante a tempo, o que contribuiu de modo determinante para a morte do jovem que era plenamente evitável”afirmam os Drs. Gabriel de Faria e Vinicios Teixeira

O TERCEIRO “ERRO”

Jeanete identifica, ainda, um terceiro erro que considera “gritante”, evidenciado por um ano de angústia incessante. Para ela, ficou dolorosamente claro que não houve nenhum suporte emocional oferecido para amparar uma mãe que perdeu um filho sob a tutela do estado.

“É um ano de muito sofrimento. É como se eu estivesse parada naquele momento, sem rumo”

Jeanete conta que Charles estava lidando com um período tumultuado, marcado pela perda de seu pai há alguns anos, cujos efeitos reverberavam em toda a sua família e sua vida em Ouro Preto. Apesar disso, a esperança depositada em sua graduação era um farol que guiava os dias de mãe e filho.

“Ele iria se formar esse ano. Eu lembro de ver ele comentando com os amigos sobre. Ninguém esperava por isso tudo acontecer. Ver que foi tudo em vão”

No entanto, em sua essência, tanto a família quanto os amigos de Charles anseiam profundamente por uma resolução. Em conversa com o Galilé, Jeanete enfatizou o tormento de enfrentar essa situação ao longo de um período tão extenso.

Os advogados da família de Charles se apegam em um princípio jurídico fundamental: o Estado possui a responsabilidade de garantir a segurança e a integridade de todas as pessoas sob sua custódia. Isso significa que, quando alguém está sob a guarda do Estado, seja em uma situação de detenção ou em qualquer outra circunstância, é dever do Estado prevenir qualquer risco que possa levar a resultados trágicos, como ferimentos ou morte.

Os advogados argumentam que, no caso de Charles, as autoridades de Ouro Preto tinham a obrigação legal de evitar o desfecho ocorrido. Ao não cumprir essa obrigação, eles alegam que houve uma falha no dever do Estado de proteger a segurança e a vida da pessoa sob sua custódia.

Foto-Daniel-TulherUFOP

“A família do estudante merece uma resposta adequada das autoridades, pois a dor pela ausência de Charles não pode ser agravada pela impunidade. O caso está sob a responsabilidade do Ministério Público e temos a certeza de que haverá o melhor encaminhamento do caso, com a identificação e adequada responsabilização dos envolvidos”finalizam Gabriel de Faria e Vinicios Teixeira

O QUE DIZ A POLÍCIA CIVIL

Após entrar em contato com a Polícia Civil, a reportagem do Galilé foi informada de que o inquérito, que é uma investigação formal conduzida pela polícia, foi concluído em setembro de 2022. Durante a investigação, não foram encontradas evidências que apontassem para a ocorrência de um crime, e como resultado, não houve ação de indiciamento. Portanto, não houve acusação formal contra qualquer pessoa.

Leia na íntegra:

“Acerca do caso em questão, a Polícia Civil de Minas Gerais esclarece que o inquérito foi finalizado em setembro de 2022 e, em decorrência da ausência de evidências de prática criminosa, não houve a realização de um indiciamento. Após a conclusão das investigações, o inquérito foi encaminhado ao Poder Judiciário, sendo esta a instância para obter informações adicionais sobre o assunto.”

O QUE DIZ O MINISTÉRIO PÚBLICO

A equipe de reportagem do Galilé procurou o Ministério Público, em busca de informações sobre o caso. No entanto, até o momento, não foi recebida nenhuma resposta por parte das autoridades competentes. Em caso de resposta, a matéria será atualizada.

  • Galilé

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