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Estrada Real a pé: como é andar 726 km de Ouro Preto a Paraty

Andar mais de 700 km cruzando três Estados brasileiros, e ainda por cima sozinho, te parece uma ideia incrível ou uma grande loucura? O mochileiro goiano Richard Oliveira, comunicólogo e criador dos perfis Vida de Mochila no YouTube e no Instagram, encarou o desafio de percorrer a Estrada Real a pé. Durante 38 dias, ele cruzou dezenas de cidades do interior de Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro, e ainda produziu um documentário enquanto caminhava.

Já publiquei aqui no blog uma entrevista com Richard sobre a primeira peregrinação que ele fez, percorrendo 300 km no Caminho de Cora Coralina, em Goiás. Agora é a vez de compartilhar como foi a experiência dele fazendo a Estrada Real a pé, no final de 2021.

Durante 38 dias de viagem, ele passou 29 dias caminhando, sendo uma média de 25 km por dia. Além de passar por cidades turísticas como Ouro Preto, Tiradentes, São João del Rey e Paraty, Richard descobriu vários cantinhos mais isolados, com incríveis belezas naturais e muita história.

Ele também fez amizade com moradores e entrevistou alguns deles, incluindo um professor de história, para seu documentário, que ficou lindo e você pode assistir no final deste post.

Richard Oliveira

Foi uma experiência de superação física e principalmente emocional, como ele conta na entrevista a seguir. Mas antes, vamos entender um pouco mais sobre essa tal de Estrada Real?

O que é a Estrada Real?

A Estrada Real é a maior rota turística do Brasil, com mais de 1.630 quilômetros de extensão, passando por Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo.

O percurso tem suas origens no século 18, quando a Coroa Portuguesa oficializou os caminhos por onde eram transportados ouro e diamantes de Minas Gerais até os portos do Rio de Janeiro. Assim, eles facilitavam a fiscalização e a cobrança de impostos.

Em 1999, a Estrada Real foi transformada em rota turística, podendo ser percorrida de carro, bicicleta, cavalo ou a pé. A ideia é valorizar o patrimônio histórico-cultural e natural dessa região.

Diferentemente de outros caminhos de peregrinação no Brasil e no exterior, a Estrada Real não é pensada principalmente para caminhantes. Quem escolhe fazê-la a pé enfrenta alguns desafios, mas é possível, como mostra Richard.

São quatro diferentes caminhos:

  • Caminho Velho, também chamado Caminho do Ouro, que ligava Ouro Preto a Paraty e foi a primeira via aberta oficialmente pela Coroa Portuguesa (710 km);
  • Caminho dos Diamantes, que conectava Ouro Preto a Diamantina, principal cidade de exploração de diamantes (395 km);
  • Caminho Novo, que foi criado como uma alternativa mais segura para chegar no porto do Rio de Janeiro, quando estavam acontecendo ataques piratas na rota marítima entre Paraty e rio (515 km);
  • Caminho do Sabarabuçu, distrito de Ouro Preto (160 km)

Richard Oliveira, que entrevistei aqui para o blog, fez primeiro o Caminho Velho, que segundo o site oficial tem 11.5% de asfalto, 6% de trilha e 82.5% de estrada de terra. Dos 710km, 320km são subidas e descidas, e é mais fácil ir de Ouro Preto a Paraty que o contrário.

Atualização: mais recentemente, ele percorreu 540 km no Caminho dos Diamantes e no Caminho do Sabarabuçu, durante 32 dias, sendo 25 dias caminhando. O resultado foi mais um documentário, que você pode conferir aqui.

igreja histórica na estrada real

Passaporte da Estrada Real

Assim como acontece em outras peregrinações, como o Caminho de Cora e o Caminho de Santiago de Compostela, a Estrada Real tem um Passaporte, que serve para registrar os lugares por onde você passou durante o percurso.

O Passaporte da Estrada Real é gratuito e para obtê-lo é só preencher um cadastro no site do Instituto. Assim você ganha o passaporte virtual, disponível no aplicativo Estrada Real, mas também pode retirar a versão física em alguns pontos indicados no site.

Durante o percurso você vai encontrar pontos onde pode fazer o check-in no passaporte virtual e lugares para pegar um carimbo no passaporte físico.

Para mais informações sobre como fazer a Estrada Real a pé, de carro, bicicleta ou a cavalo, incluindo rotas, hospedagens, atrativos e lugares onde comer, acesse o site oficial do Instituto Estrada Real.

peregrinação

Estrada Real a pé: entrevista com Richard Oliveira

O que te motivou a fazer essa caminhada?

Eu sempre tive vontade de fazer a Estrada Real de bicicleta, porque já tinha conhecido algumas pessoas que me contaram várias histórias iradas sobre a viagem. Mas eu não manjo nada de bicicleta, nem ando de bicicleta nos dias normais, imagina 720km.

Depois que terminei o Caminho de Cora Coralina, percorrendo 300 km no interior de Goiás, eu percebi a que minhas pernas podem me levar longe e que foi uma viagem muito mais intensa do que eu imaginava. Gostei muito da experiência.

Um dia qualquer eu juntei as duas coisas e pensei: por que não fazer a Estrada Real a pé? Passei três dias pesquisando os trechos e duas semanas depois, eu estava lá caminhando.

Por que você escolheu fazer o Caminho Velho?

Essa é a rota mais antiga, e que carrega mais bagagem histórica. Também foi uma das primeiras longas estradas do país, que conectava o Ouro que era extraído de Minas Gerais, até o porto de Paraty. Essa foi a primeira motivação: aprender mais sobre os impactos dessa estrada na cultura de Minas, São Paulo e Rio.

Essa também é a parte que tem mais estradas rurais; em comparação com os outros caminhos, tem menos asfalto, o que para um peregrino é um alívio. Mas menos não quer dizer é pouco. Eu acho que andei mais de 100Km em rodovias.

richard oliveira na estrada real

Teve medo de ir caminhando sozinho, já que não é o mais comum?

Não senti medo porque não pesquisei tanto, foi uma decisão mais impulsiva (não recomendo). Talvez se tivesse ficado mais tempo analisando, eu não tivesse coragem. Eu queria viver uma aventura e estava disposto a pagar o preço dela e às vezes a ignorância pode ajudar.

Como você se orientou no percurso?

Eu fiz um documento juntando informações que encontrei no site oficial da Estrada Real. Além disso, me orientava pelos totens que existem pelo caminho e pelos aplicativos maps.me e wikiloc.

Você reservou as hospedagens com antecedência?

Fui reservando quase todas as hospedagens pelo caminho, até porque eu não tinha ideia de quanto tempo ia demorar. Teve lugares onde cheguei a ficar até quatro dias, às vezes porque estava muito cansado e queria ver cachoeiras e coisas do tipo, ou até porque machuquei o tornozelo e precisava de tempo para me recuperar.

Como estava o clima quando você foi? Que época acha melhor?

Eu fui em outubro, época de transição entre seca e chuva. Enquanto estava em Minas, peguei tempo bom, com poucas chuvas, mas depois que atravessei a Serra da Mantiqueira para São Paulo e Rio, peguei muita chuva.

Acho melhor fazer esse caminho na seca mesmo, porque quando pega para chover, fica difícil caminhar.

estrada real a pé

Você saía sempre cedinho?

Sim, porque eu gostava de ver o nascer do sol na estrada e para caminhar com mais energia, antes do sol bater forte. Assim eu também chegava mais cedo nas cidades, almoçava e já podia curtir um pouco o lugar.

Quais foram teus trechos preferidos? E os mais difíceis?

O meu trecho preferido foi entre Cunha e Paraty. Eu estava muito cansado, já era final de jornada e eu não imaginava que a região era tão bonita, então foram bons momentos vendo cachoeiras e florestas lindas, enquanto eu me despedia do caminho.

O trecho mais difícil foi o último, na chegada até Paraty. Foram 38km em um só dia, em uma estrada muito perigosa, sem acostamento, onde eu tinha medo de ser atropelado e ainda por cima, peguei MUITA CHUVA e neblina. Era uma combinação muito perigosa.

O que foi mais desafiador?

O emocional é mais difícil de lidar em um trajeto tão longo. Como são muitos quilômetros, ao longo do tempo você vai ficando mais forte fisicamente, então acho que o lado emocional pega muito mais.

E o que foi mais gratificante?

Chegar e fazer amizades em pequenas cidades que eu nunca iria conhecer se estivesse só viajando a turismo. Minas Gerais virou um continente para mim, e a ideia do tamanho do nosso Brasil foi ampliada centenas de vezes.

caminho velho da estrada real

Teve alguma hospedagem que você mais curtiu?

Eu gostei muito da minha hospedagem em Itamonte. Fiquei no Hostel Recanto dos Lagos e fui recebido pela Nancy, uma carioca gente finíssima que largou o Rio para morar nas serras de Minas Gerais. O hostel fica isolado da cidade, perto da natureza, e o jantar foi feito com um monte de coisa da horta, ela foi colhendo para cozinhar, uma vibe boa demais.

Tinha muitos trechos em estradas?

Sim, principalmente na parte de São Paulo e Rio de Janeiro. Acho que foram 100Km de asfalto no total.

Quanto você gastou, em média?

Os gastos diários foram parecidos com o Caminho de Cora Coralina (em torno de R$ 150 por dia). A diferença é que fora mais dias: nessa peregrinação foram 38 dias de viagem, sendo 29 dias caminhando.

Como foi a sensação de chegar no final da Estrada Real a pé?

Foi uma sensação muito diferente do que da primeira vez (no Caminho de Cora), porque minha namorada e alguns amigos estavam me esperando no último trecho e nós caminhamos os últimos 12km juntos.

Eu já estava esgotado de ter que lidar com todos os desafios do caminho sozinho, então quando vi eles, chorei bastante. Depois nós fomos celebrando até Paraty, onde eu pulei no mar e fechei mais um ciclo com a sensação de ter vencido o maior desafio físico e mental da minha vida.

como é a fazer a estrada real

Tem algo que faria diferente?

Minas Gerais é um estado com muitas serras e a gente meio que sabe disso, mas eu não analisei bem as altimetrias antes de começar a caminhar. Eram muito altas e eu nas duas primeiras semanas eu sofri muito.

Se eu tivesse visto a altimetria com mais cuidado, talvez tivesse me preparado um pouco mais fisicamente para lidar com esse aspecto.

Documentário: Um mochileiro na Estrada Real

Ficou curioso para saber mais sobre a experiência de Richard fazendo a Estrada Real a pé? Confira o documentário “Um mochileiro na Estrada Real”, que ele gravou e editou sozinho e disponibilizou gratuitamente no YouTube.

As fotos que ilustram o post são de autoria de Richard Oliveira, publicadas no Janelas Abertas com autorização do autor.

FONTE JANELAS ABERTAS

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