Mina de lítio em Araçuaí (MG) tem propriedades que a tornam ideal para atender aos carros elétricos feitos nas Américas. Logo, não faltam interessados nela
Mais uma vez, Elon Musk é assunto no Brasil. O bilionário agora está em guerra com o Supremo Tribunal Federal, mas já se envolveu em outros combates no país, em assuntos cruciais para o mundo carros. O mais recente deles envolveu o lítio, e a luta pelo chamado “petróleo branco”, ao que tudo indica, terá vitória da BYD, a grande rival da Tesla no mundo.
A história é tão complexa quanto fabricar um carro elétrico, mas vamos simplificar: a parte mais cara e importante de um automóvel elétrico é sua bateria, e quase todas as tecnologias de baterias atuais dependem do lítio.
Com a produção de EVs disparando, garantir essa matéria-prima é absolutamente necessário para as fabricantes. Mas os carros também precisam ser baratos, e a BYD vem mostrando que a estratégia ideal para isso é a integração vertical, onde fabricante domina não apenas a montagem do veículo, mas processos anteriores como a produção de baterias, aço etc.
O lítio é um dos elementos mais abundantes da Terra, mas isso não basta: é necessário minerá-lo, seja através de salmouras (como é feito no Chile, Argentina e Bolívia) ou de rochas, como acontece na Austrália e China. Em ambos os casos, o processo polui bastante, gerando prejuízos diretos às comunidades locais.
Brasil em destaque
Já sabemos que as fabricantes norte-americanas estão aterrorizadas com a invasão chinesa, e os Estados Unidos também almejam a integração vertical para diminuir custos. Mas Felipe Smith, vice-presidente da SQM (uma das líderes globais na extração de lítio) destaca que seria impensável para uma empresa de carros cuidar da eletrificação ao mesmo tempo que embarca numa aventura dessas.
Uma saída é investir em quem já está no mercado, mais ou menos como a General Motors fez com a Vale, firmando parceria de longo prazo no fornecimento do níquel. Mas a brasileira que virou motivo de disputa entre as montadoras mesmo é a Sigma Brazil, que lançou uma mina de lítio entre as cidades mineiras de Araçuaí e Itinga, no Vale do Jequitinhonha.
A mina da Grota do Cirilo já se tornou o quarto maior complexo de beneficiamento de lítio do mundo, atrás apenas de unidades na Austrália e República Democrática do Congo. Mas só aqui a produção ocorre com tamanho nível de sustentabilidade.
VANTAGENS DA GROTA DO CIRILO
Produção limpa é crucial para que as montadoras diminuam o quanto de carbono emitem ao longo dos seus processos. A Tesla, por exemplo, usa isso para vender bilhões em créditos de carbono
- A água utilizada só vem de fontes que não são aproveitadas para consumo humano. Além disso, 100% do líquido é tratado antes do despejo
- 100% da energia utilizada vem de fontes hidrelétricas
- A produção do lítio não gera resíduos tóxicos
- Em breve, o biodiesel será responsável por 50% do combustível utilizados pelos caminhões da mina
- Ao todo, a emissão de carbono acaba sendo zero
Não obstante, a Sigma promete preços mais baixos do que a concorrência. O mesmo vale para o frete, dada a distância reduzida entre Brasil e Estados Unidos, onde os projetos de mineração em andamento preveem impactos ambientais significativos, atraindo forte pressão de agências ambientais e da opinião pública.
De olho na mina
A oportunidade logo atraiu Elon Musk, que veio ao Brasil em maio de 2022 para, oficialmente, divulgar a Starlink, sua rede de internet via satélite. O magnata também se encontrou com o então presidente Jair Bolsonaro que, dias depois, assinou um decreto simplificando a exportação de lítio. Desde então, Musk e Bolsonaro trocaram elogios públicos com regularidade.
Em fevereiro de 2023, a Bloomberg revelou que a Tesla agiu para finalmente adquirir a Sigma, ou ao menos uma parte dela. O plano, entretanto, ‘melou’, já que as ações da mineradora não paravam de subir e os investidores queriam esperar um pouco para lucrar mais, dizia a matéria.
Ao longo de 2023, não faltaram especulações de que outras montadoras preparavam seus lances, e a EXAME INSIGHT até noticiou que tanto Volkswagen quanto a chinesa CATL (líder no fornecimento de baterias para carros elétricos) tinham propostas avançadas.
Mas nada tão concreto quanto a fala de Alexandre Baldy, presidente da BYD do Brasil: em janeiro de 2024, o executivo se encontrou pessoalmente com a CEO da Sigma, Ana Cabral. Pouco depois, abriu o jogo com o Financial Times. “Diferentes questões estão sendo discutidas quanto ao fornecimento [de lítio], uma joint venture, uma aquisição…nada concreto”, afirmou. QUATRO RODAS tentou contato com a mineradora, mas não obteve retorno.
Com dinheiro sobrando, a BYD quer repetir, nas Américas, a integração vertical da China, a fim de baratear os carros que sairão da fábrica de Camaçari (BA) e do México – essa supostamente usada para driblar barreiras que os EUA vêm impondo aos automóveis chineses.
Próximos passos
Enquanto a venda da Sigma não sai, a Tesla está finalizando sua própria refinaria, no Texas, a fim de verticalizar seus processos. Como sempre, as promessas de Elon Musk são grandiosas, mas os temores de que haja gargalos na fabricação de seus carros permanecem enquanto a planta não estreia.
Já a BYD aproveita a elevada produção de lítio na China e compensa o custo do frete para a América em outros aspectos. As outras montadoras com ambições grandiosas correm para garantir seu lítio e todo mundo aposta em pesquisas de ponta, a fim de criar baterias que não dependam do lítio. Novamente, os chineses e sua bateria de sódio lideram a corrida.
FONTE QUADRO RODAS ABRIL