Um volume de rejeitos de mineração de 590 milhões de metros cúbicos (m3), mais de sete vezes o que continham as barragens rompidas de Fundão, em Mariana (2015), e do Córrego do Feijão, em Brumadinho (2019), é contido por estruturas sem garantias de estabilidade em Minas Gerais. Essa massa de potencial destrutivo incalculável ameaça quase 30 mil pessoas, contingente maior do que a população em 754 municípios mineiros. As informações são da Agência Nacional de Mineração (ANM), compiladas pela reportagem do Estado de Minas para mostrar a gravidade da situação.
Os dados foram atualizados após o fim do prazo para a entrega da Declaração de Condição de Estabilidade (DCE), no último dia 31 de março. Vinte e quatro barragens não apresentaram essa garantia, enquanto as empresas responsáveis por 21 estruturas falharam em comprovar sua solidez e outras três sequer entregaram a documentação. Ao todo 174 estruturas tiveram comprovação de estabilidade.
RISCOS PARA PESSOAS, EMPRESAS E LAVOURAS
Já os danos socioeconômicos e culturais estão mais alto patamar de risco em 14 estruturas, abaixo das quais “existe alta concentração de instalações residenciais, agrícolas, industriais ou de infraestrutura de relevância socioeconômico-cultural na área afetada a jusante da barragem”, afirma a ANM.
Outras seis estruturas extravasadoras apresentam problemas identificados e medidas corretivas em implantação, e três não estavam em reparos.
Em oito das estruturas, foi constatada presença de umidade ou surgência na parte externa do barramento, mas as estruturas ainda estáveis. Em quatro, a situação não estava sendo controlada por obras de reparos e em duas as surgências de água nas áreas apresentam carreamento de material, vazão crescente ou infiltração do material contido, com potencial de comprometimento da segurança da estrutura.
Em seis barragens foram encontradas trincas e abatimentos, sendo que em duas havia medidas corretivas em implantação. Em duas não havia intervenções e em outras duas as “trincas, abatimentos ou escorregamentos têm potencial de comprometimento da segurança da estrutura”, segundo avaliação da ANM.
A situação em taludes, que são as encostas das barragens, também inspira precauções e ações. Em 11 estruturas há “falhas na proteção dos taludes e paramentos e presença de vegetação arbustiva”. Em outras sete, foram constatadas “erosões superficiais, ferragem exposta, presença de vegetação arbórea, sem implantação das medidas corretivas necessárias”, de acordo com a AMM. Em uma delas, havia depressões acentuadas, com “escorregamentos, sulcos profundos de erosão, com potencial de comprometimento da segurança da estrutura”.
Na maioria das estruturas, a drenagem superficial é existente e operante, segundo a agência nacional. Mas em quatro foram encontrados problemas, sendo que duas tinham “trincas e/ou assoreamento e/ou abatimentos com medidas corretivas em implantação”, e as demais estavam na mesma situação, mas sem intervenções corretivas. Duas estruturas não têm sequer drenagem superficial.
Das três barragens que não entregaram os atestados de estabilidade até o fim da primeira campanha de 2024, que se encerrou em 1º de abril, duas estão desativadas e já foram desmanteladas: a Barragem Mina Engenho e a Mina Engenho II, que pertenciam à Mundo Mineração.
ANM EMBARGA E MULTA ESTRUTURAS
No Brasil, há 419 barragens de mineração com Declaração de Condição de Estabilidade (DCE) atestada. Outras 11 (três em território mineiro) não enviaram as declarações e 24 não foram atestadas (21 delas em Minas Gerais).
Há dois tipos de DCE para atestar a estabilidade de uma barragem. Um deles é o Relatório de Inspeção Semestral de Segurança (RISR), que não foi entregue ou cumprido por 24 estruturas que foram multadas e embargadas pela Agência Nacional de Mineração (ANM).
De acordo com a legislação, o RISR abrange a inspeção visual e instrumental da barragem, incluindo as condições de taludes, diques, maciços, drenagens, extravasores, entre outras estruturas. É por meio dessa inspeção, que é confiada a empresas especializadas, que se verifica duas vezes ao ano se há sinais de instabilidade, deformação, risco em caso de tremores e inundações.
É um instrumento diferente das fiscalizações deitas pelo poder público, via órgãos como a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad), a Polícia Militar ou os próprios agentes da ANM.
34 BARRAGENS SEM INSPEÇÃO RIGOROSA
A Declaração de Condição de Estabilidade (DCE) relativa à Revisão Periódica de Segurança da Barragem (RPSB) é mais profunda, e requisitada a cada 5 anos ou 10 metros de alteamento das estruturas de contenção de rejeitos minerários. Esse tipo de trabalho revisa do projeto aos métodos construtivos, avaliando também a estabilidade geotécnica, hidráulica, ensaios de materiais e o Plano de Ação de Emergência (PAE) em caso de incidentes.
Apenas uma das estruturas que falhou no DCE RISR tem aprovada essa segunda inspeção, mais detalhada. São 34 barragens sem o atestado, sendo que 22 não conseguiram a aprovação e 12 não entregaram a documentação dentro do prazo exigido. Ao todo, 158 estruturas conseguiram a DCE/RPSB positiva. A falta do atestado resulta na paralisação da operação da barragem.
Todas elas são barragens que se enquadram na categoria de risco alto e dano potencial associado também alto. Entre essas, estão a Barragem de Serra Azul (Itatiaiuçu), da ArcelorMittal, Forquilha III (Ouro Preto) e Sul Superior (Barão de Cocais), pertencentes à Vale, as únicas do país em nível 3 de alerta e de emergência, situação que é considerada a mais crítica pela ANM, classificada como risco iminente de ruptura.
RISCO AO TRÁFEGO E AO ABASTECIMENTO
A barragem da ArcelorMittal ainda tem um agravante: o fato de não ter ainda uma espécie de barramento de segurança, a Estrutura de Contenção a Jusante (ECJ), construída abaixo dos reservatórios para reter rejeitos em caso de rompimento, obra de que os barramentos da Vale já dispõem.
Em outras palavras, em caso de uma ruptura da Barragem de Serra Azul, os rejeitos encontram caminho livre em Itatiaiuçu, com potencial para bloquear a BR-381 (Rodovia Fernão Dias) e suspender o abastecimento de água de 3 milhões de pessoas que dependem do Sistema Rio Manso, da Copasa. Em Ouro Preto e em Barão de Cocais o material pode ser retido nas ECJ antes de atingir áreas densamente habitadas, reservatórios e outros pontos sensíveis.
O QUE DIZEM AS EMPRESAS
A mineradora Vale informou que desde 2022, 12 estruturas que antes tinham DCE negativa receberam a declaração positiva e deixaram o nível de emergência, tendo a segurança atestada. A previsão é de que nenhuma barragem esteja em estado crítico de segurança (nível 3 de emergência) até 2025, segundo a empresa.
Sobre as barragens Sul Superior e Forquilhas III, atualmente em nível 3, as duas estão em fases diferentes dos processos de descaracterização (desmanche). “A barragem Sul Superior está em obras, em fase de remoção dos rejeitos do reservatório. A conclusão da descaracterização da estrutura está prevista para 2029. A Barragem Forquilhas III está em fase final de desenvolvimento da engenharia, com obras previstas para serem finalizadas em 2035”, informou a empresa.
“As Zonas de Auto Salvamento (ZAS) dessas duas estruturas foram evacuadas preventivamente, e ambas contam com suas respectivas Estruturas de Contenção a Jusante (ECJs), construídas para proteger as comunidades nas áreas mais distantes. As duas ECJs possuem Declarações de Condição de Estabilidade (DCEs) positivas, confirmando que estão aptas a cumprir seu propósito de proteger as pessoas e o meio ambiente em caso hipotético de rompimento”, conclui a mineradora.
A ArcelorMittal informou que a Barragem de Serra Azul possui a documentação DCE RISR e RPSB, que foram protocoladas em março deste ano, mas que, devido ao fato de a estrutura não atender aos fatores de segurança exigidos pelas normas vigentes, ambas foram classificadas como negativas. “A estrutura encontra-se paralisada (sem receber rejeitos) desde 2012. A empresa continua a monitorá-la 24 horas por dia, sete dias na semana, com atualizações constantes à Agência Nacional de Mineração”, informou.
Segundo a empresa, os resultados não apresentam alterações a respeito de fluxo de água interno, nível da água, vazão e pressão interna, “ou seja, as condições de segurança da barragem permanecem inalteradas desde o acionamento do Plano de Ação de Emergência de Barragem de Mineração (PAEBM), em fevereiro de 2019″.
Sobre a barreira de segurança abaixo da barragem para reter os rejeitos, a ECJ, a mineradora afirma que as obras se encontram em andamento, com previsão da conclusão em 2025. “A ECJ é uma estrutura rígida e fixa, executada com tubos em aço cravados no solo e concretados (concreto armado), e posteriormente preenchida por enrocamento (rochas). Sua finalidade é suportar toda a carga de rejeitos na hipótese de ruptura da barragem. A ECJ possui sistemas de galerias para permitir a passagem de fluxo natural de água, onde terá um sistema de fechamento automático de suas comportas na hipótese de rompimento.”
A ArcelorMittal informa ainda que mantém diálogo com a concessionária que administra a BR-381 e com a Copasa “em processo de melhoria contínua das medidas de mitigação a serem tomadas na hipótese de ruptura”. “As cortinas de retenção de sedimentos instaladas no Reservatório de Rio Manso já estão em operação. Além disso, concluímos a instalação de 2 tanques adicionais de estoque de produtos de tratamento de água junto à Estação de Tratamento de Água (ETA), da Copasa”, acrescenta.
Ainda segundo a empresa, foram feitos estudos para captação alternativa emergencial de água em caso de incidente e definição de rotas alternativas para o tráfego na Rodovia Fernão Dias, com treinamentos junto à concessionária que administra a BR-381 para interrupção do fluxo de carros com segurança na estrada.