Passeio de barco pelos manguezais para conhecer fauna e flora é um dos serviços oferecidos
O termômetro do carro indica 31°C, e o sol que sai de trás das nuvens não deixa dúvidas da potência do calor no norte do Brasil num dia de fevereiro. A expectativa do pé d’água, que se forma religiosamente após o almoço, vem com um vento que balança os galhos das árvores de mangue-vermelho.
O som do vento atingindo a vegetação se mistura ao de um pequeno barco a motor —com capacidade para até seis pessoas— que corta os braços do rio e adentra a floresta de manguezais, a mais extensa do mundo.
Alguns metros adiante, já próximo de onde o rio desemboca, os bancos de areia formam a moldura para os igarapés. Um guará-vermelho aqui, uma garça-branca acolá, em busca de alimento no leito do rio.
Destinos turísticos praianos já conhecidos dos paraenses, os vilarejos de pescadores e as praias da costa do Pará, desde a Ilha do Marajó até Bragança, buscam agora atrair também pessoas de outros estados. Ali, a tranquilidade, as praias sem ondas fortes e o contato do rio com o mar animam também para atividades de pesca recreativa, organizadas com medidas que respeitam a natureza.
O chamado ecoturismo propõe estimular turistas a desbravarem destinos além do simples contato com o ecossistema. A ideia é que, por meio de educação ambiental, os visitantes reflitam sobre a proteção ao meio ambiente e o respeito às comunidades.
“Não é só sobre ter contato com a natureza, é sobre ter um contato de qualidade”, diz Júlio Cesar Meyer, que atua no uso público de unidades de conservação do Pará há 15 anos e também coordena a Trilha Amazônia Atlântica (que conecta Belém à serra do Piriá, na divisa do Pará com o Maranhão).
Ele explica que, apesar de o Brasil ter tradição em atividades de educação ambiental, é fundamental que esse tipo de aprendizagem aconteça também in loco. “Tem aquela máxima de que a gente só preserva aquilo que a gente conhece”, reflete.
Na vila de pescadores de Ajuruteua, no município de Bragança, se destaca a pousada e restaurante Kiall. São poucas as paredes por lá —o ambiente convida à observação do cotidiano.
Para chegar lá, saindo do centro de Bragança, são 36 km de estrada. Nela, vivem garças e guarás e, em alguns trechos, passa-se ao lado de paredões de raízes e galhos dos manguezais que cercam o caminho.
Quem visita a vila de Ajuruteua geralmente procura silêncio e tranquilidade, então a falta de quiosques muito próximos à praia não costuma ser um problema —existe a proibição desse tipo de estabelecimento por se tratar de uma unidade de conservação ambiental, explica José Maria Rojão Oliveira, o Zezinho, proprietário da pousada Kiall.
A praia de Ajuruteua está inserida na Reserva Extrativista (Resex) Marinha Caeté-Taperaçu, por isso, para que o Kiall pudesse funcionar, foi necessário um plano de manejo. Isto é, um projeto para negociar o uso do local com a comunidade, que é quem dá a palavra final sobre o aval ao funcionamento.
“Nós fizemos um plano de mitigação para ter a licença de atuar dentro da reserva. Na região, somos os únicos a ter essa autorização”, diz Maryllin Oliveira, turismóloga e dona do Kiall, que trabalha junto do pai.
O diferencial do Kiall está na relação do visitante com quem vive por ali, em práticas como trilhas ecológicas e passeios de barco educativos.
Todos os colaboradores da pousada são moradores da vila, que tem na pesca artesanal a sua principal fonte de renda. Muitos utilizam a chamada técnica de curral para pescar: fazem uma armadilha com estacas de madeira para, quando a maré subir, os peixes ficarem presos.
Ageu Mescoto é um dos pescadores da vila, onde sua família constrói as estruturas dos currais há gerações. Com o turismo ecológico, ele também atua como guia turístico da região.
“Em dezembro, vieram umas 20 e poucas pessoas do estrangeiro para cá, e eu mostrei para eles sobre o curral”, conta, orgulhoso, sobre as excursões que realiza de barco. “É uma troca de saberes. Porque, geralmente, o pessoal tem a teoria, mas não tem a prática, né? Eu já não tenho a teoria, mas tenho a prática”, diz, rindo.
Do outro lado do mar, na Ilha do Marajó, a cerca de 100 km de Belém, as principais atrações são as praias com longas faixas de areia —a descida da maré ali costuma chegar a oito metros— e a população de búfalos.
O arquipélago —o maior flúvio-marítimo (de mar e rios) do mundo— é composto de aproximadamente 3.000 ilhas, de diferentes tamanhos. De acordo com pesquisa recente do Ministério do Turismo, o Marajó aparece em 10º lugar em um ranking que elenca os destinos de maior interesse dos brasileiros.
“Mesmo sendo espécies exóticas, uma própria resolução do ICMBio, de 2018, prevê a utilização dos animais para passeios turísticos, conforme o plano de manejo das Resex, por serem um símbolo de turismo na Ilha do Marajó”, aponta Eduardo Costa, secretário estadual de Turismo do Pará.
Outro atrativo da região é a Resex de Soure, no município de mesmo nome, onde é possível apreciar a paisagem de manguezais com árvores de até 40 metros de altura.
Partindo de Soure, um trajeto de 30 minutos de carro leva à praia de Cajú-una, onde vive a comunidade homônima. Para chegar, é preciso pagar uma taxa e atravessar uma propriedade privada, a Fazenda Bom Jesus. Quando os pés alcançam a areia a vista impressiona pela quantidade de coqueiros e guarás, aves de vermelho vivo, voando pelos igarapés.
Guia de um dos passeios oferecidos por moradores, Carlos Pereira aponta para as aves que cruzam o céu, entusiasmado com a quantidade de animais para mostrar aos turistas levados em seu barco.
Ele, que mora na região há 44 anos, descreve trilhas que levam a praias ainda mais paradisíacas, um ecoturismo “raiz”, ele ri. “Aqui a gente faz acontecer.”
FONTE FOLHA DE SÃO PAULO