Substâncias vem prejudicando a sobrevivência dos insetos nos últimos anos; segundo o engenheiro agrônomo Leonardo Melgarejo, o agronegócio é o principal responsável e “entra em guerra com a natureza quando substitui a biodiversidade”
Um estudo realizado por pesquisadores das universidades Estadual Paulista (Unesp), Federal de São Carlos (UFSCar) e Federal de Viçosa (UFV) acende as luzes vermelhas sobre o futuro das abelhas nativas brasileiras. A pesquisa, publicada na revista científica Environmental Pollution, revela os efeitos devastadores de três pesticidas comumente utilizados na agricultura – imidacloprido, piraclostrobina e glifosato – sobre a espécie Melipona scutellaris, uma abelha sem ferrão crucial para o equilíbrio ambiental.
“Observamos que, tanto em combinação quanto isolados, os agrotóxicos interferiram seriamente no comportamento das abelhas, causaram danos no corpo gorduroso e comprometeram as atividades tanto de proteínas importantes para o sistema imune quanto para a sobrevivência celular”, diz o líder da pesquisa e pesquisador do Centro de Ciências Agrárias (CCA) da UFSCar, Cliver Fernandes Farder-Gomes.
O estudo da Unesp, UFSCar e UFV sobre os impactos dos agrotóxicos nas abelhas nativas brasileiras vai além da questão da mortalidade. A pesquisa, liderada por Farder-Gomes, revela um panorama ainda mais preocupante: mesmo que as abelhas sobrevivam à exposição aos pesticidas, seus sistemas imunológicos ficam severamente comprometidos. “Importante lembrar que, muitas vezes, sobreviver aos agrotóxicos pode ser ainda mais problemático porque enfraquece e diminui as colmeias, impactando não só a produção de mel como a de frutas e legumes, por conta do déficit de polinização”, enfatizou Roberta Cornélio Ferreira Nocelli, professora do CCA-UFSCar.
Apoiado pelo Programa BIOTA-Fapesp e dois projetos (17/21097-3 e 21/09996-8), os pesquisadores avaliaram os efeitos subletais – aqueles que não causam morte – dos pesticidas imidacloprido, piraclostrobina e glifosato no comportamento, morfologia e fisiologia da Melipona scutellaris, uma espécie nativa de abelha sem ferrão. Os animais foram expostos oralmente a essas substâncias, tanto isoladamente quanto em combinação, por 48 horas em um ambiente de laboratório, e os resultados foram comparados com um grupo controle.
Este trabalho é particularmente relevante no Brasil, onde o foco tem sido em espécies nativas sem ferrão, como a Melipona scutellaris. Essas abelhas desempenham um papel vital na polinização de várias plantas silvestres e culturas de importância econômica. Embora o uso indiscriminado de agrotóxicos e suas consequências para a sobrevivência das abelhas seja um tema cada vez mais debatido e estudado em todo o mundo, a maioria dos estudos científicos contemplam somente espécies europeias e norte-americanas.
Em entrevista à Fórum, o engenheiro agrônomo, mestre em Economia Rural, Doutor em Engenharia de Produção, membro do Movimento Ciência Cidadã, Leonardo Melgarejo afirma que os agrotóxicos
“Destroem diretamente os alimentos das abelhas, reduzem a oferta e a variedade de flores, uniformizam o território ampliando a distância de busca, envenenam os caminhos de coleta de pólen, que são carregados no polem até as colmeias.”
Ibama limitou uso de agrotóxico prejudicial a abelhas
O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) restringiu em fevereiro deste ano o uso do agrotóxico à base de tiametoxam em culturas agrícolas do país. A decisão, tomada após 10 anos de reavaliação ambiental, reconheceu os devastadores impactos do inseticida sobre a saúde desses insetos. O Brasil presenciou a morte de mais de 500 milhões de abelhas nos últimos cinco anos, com o uso excessivo de pesticidas.
Uma investigação chocante do Greenpeace e da Public Eye revelou que a União Europeia (UE) exportou seis mil toneladas de agrotóxicos neonicotinóides para o Brasil em 2021. Esses venenos, proibidos na Europa por serem letais para as abelhas, foram enviados para cá.
O Ibama finalmente proibiu o uso do tiametoxam como ingrediente ativo em 10 culturas agrícolas, incluindo batata, berinjela, cebola e eucalipto. No entanto, a luta ainda não acabou: em outros 25 cultivos, como cevada, milho, soja e trigo, o tiametoxam continuará a ser permitido, mas com restrições. Nesses casos, o produto é geralmente aplicado no tratamento das sementes ou por esguicho direto no solo, o que ainda representa um risco para as abelhas.
Responsáveis pela segurança alimentar
Desempenhando um papel crucial na segurança alimentar global, as abelhas são responsáveis pela polinização da grande maioria das plantas e vegetais que fornecem nutrição para todas as espécies. “A vida dos animais depende da alimentação gerada pelos vegetais. É uma rede onde os polinizadores desempenham papel chave. As abelhas são os principais, e sem elas a humanidade deixará de existir”, disse Melgarejo.
Outro composto que vem sendo bastante criticado por ambientalistas é o glifosato. “As análises mostram que ele é responsável por alguns tipos de câncer e até o autismo. Ele também tem ação bactericida e compromete a fertilidade do solo e os processos digestivos. Como é usado em escala gigantesca, se torna o maior responsável pela degradação ambiental. Devia ser proibido em defesa da saúde dos humanos e do ecossitema”, reitera o engenheiro agrônomo.
Por uma agricultura sem venenos
Em contraposição ao modelo do agronegócio, que trava uma guerra química contra a biodiversidade, a agroecologia surge como uma sinfonia de vida em perfeita harmonia com a natureza, de acordo com Melgarejo. “O modelo de agronegócio que substitui a biodiversidade por alguma monocultura entra em guerra contra a natureza”, diz ele. “Usa armas químicas para deteriorar o ambiente neste sentido básico: a uniformização é uma outra palavra para descrever a degradação das condições de vida.”
“Então, sim, é possível, e é necessário que voltemos a praticar uma agricultura amistosa em relação aos ecossistemas, biodiversidade, sem venenos. E isso é urgente. E necessitará das abelhas. A agroecologia e suas fundamentações também se colocam como instrumento fundamental para enfrentar o aquecimento global e as ameaças de fome e desastres climáticos que ele carrega.”
FONTE REVISTA FÓRUM