Informações do governo federal segmentadas pelo Núcleo de Dados do EM mostram que 283 cidades mineiras correm risco de enxurrada, inundação e/ou deslizamento a
Uma em cada três cidades de Minas Gerais corre risco crítico para ocorrência de desastres naturais, conforme números da Secretaria Especial de Articulação e Monitoramento da Casa Civil da Presidência da República, segmentados pelo Núcleo de Dados do EM. No total, são 283 municípios mineiros nessa situação, um total que subiu 185% desde o levantamento anterior, feito em 2012 pelo mesmo órgão. À época, o estado tinha 99 prefeituras nesse quadro, mas uma mudança de metodologia do órgão, justamente para melhorar a resposta a catástrofes do tipo, fez o número de prefeituras disparar.
A lista tem o objetivo de facilitar o direcionamento de políticas públicas por parte do governo federal, sobretudo no âmbito do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) – a União pretende investir R$ 1,7 trilhão em diversas obras pelo país até 2026 a partir do Novo PAC, lançado em agosto do ano passado (leia mais na página ao lado). São 184 cidades mineiras em risco crítico de desastre natural incluídas no levantamento mais recente, que se somam às 99 que já o integravam. A Casa Civil considera três tipos de tragédias: deslizamentos, enxurradas e inundações.
Considerando os três recortes, há casos de prefeituras mineiras que registram todos os parâmetros em situação crítica, como os casos de Belo Horizonte, Contagem, Juiz de Fora, Montes Claros, Betim e Ribeirão das Neves, só para citar municípios com mais de 300 mil habitantes. Na realidade, a União enquadra a maior parte das cidades mineiras incluídas no levantamento nessa dura realidade: 159 das 283, ou 56% daquelas listadas, convivem com esse cenário de insegurança em diferentes frentes a cada período chuvoso.
Na última temporada de cheias, iniciada em outubro do ano passado e finalizada em março, o Gabinete Militar do Governador, onde está lotada a Coordenadoria Estadual de Defesa Civil, emitiu 96 decretos de situação de anormalidade por desastres relacionados às chuvas em Minas. Outros nove reconhecimentos do tipo aconteceram na primeira quinzena de abril, após o período de pluviosidade oficial, mas ainda provocados pela combinação entre as precipitações de alta intensidade e a falta de infraestrutura das cidades.
No total, o estado teve 105 cidades com decreto de situação de anormalidade por conta das chuvas. Dessas, 56 (53%) também integram o mapeamento feito pelo governo federal acerca dos municípios em estado crítico para ocorrência de desastres.
São 1.942 cidades em risco crítico no Brasil, de acordo com a nota técnica da Casa Civil do governo Lula (PT). Portanto, 34,8% das 5.570 prefeituras brasileiras vivem sob ameaça de inundações, enxurradas e/ou deslizamentos. Até por ter mais municípios, Minas é o estado com mais prefeituras listadas (283), à frente de Santa Catarina (207), São Paulo (172), Rio Grande do Sul (142) e Bahia (137).
O governo federal também compila o número de habitantes em risco. Nesse recorte, Minas está em terceiro lugar com 1,4 milhão de pessoas, sendo superada por Bahia (1,46 milhão) e São Paulo (1,55 milhão). No entanto, esse número precisa ser visto com cautela, já que a base de dados da União apresenta várias prefeituras sem registro exato de cidadãos vulneráveis.
Em Minas, 120 cidades registradas não apresentam a informação da população em risco, o que totaliza 42% do levantamento total de prefeituras. Por outro lado, entre aquelas que a Casa Civil tem o detalhamento, a maior concentração de pessoas ameaçadas está em Belo Horizonte, onde 389 mil correm os riscos de deslizamento, enxurrada e inundação. Depois, aparecem Ribeirão das Neves (cerca de 180 mil), Juiz de Fora (aproximadamente 130 mil) e Ibirité (quase 50 mil).
Especialista analisa os dados
Quando fez o primeiro levantamento para mapear as cidades em risco de desastre ambiental, há mais de 10 anos, a Casa Civil considerou dados históricos desse tipo de evento, como o dado de pessoas desalojadas/desabrigadas, a recorrência de catástrofes, as mortes e o total de domicílios atingidos. A alta no número de municípios na pesquisa deste ano não é por acaso. O governo ampliou o seu leque e integrou novas bases de informações de diferentes órgãos, ligados aos ministérios da Integração e do Desenvolvimento Regional; das Cidades; da Ciência, Tecnologia e Inovação; de Minas e Energia; e do Meio Ambiente e Mudança do Clima.
Para o geógrafo Alecir Moreira, doutor e professor da PUC Minas, o aumento no número de cidades não tem relação direta com as mudanças climáticas. Mas, para ele, a ampliação da base de dados por parte do governo é um passo importante para o monitoramento desses desastres, que é motivado pela intensificação das discussões acerca dos impactos do aquecimento global. “O mundo inteiro quer compreender como surgem esses desastres, porque isso impacta diretamente na economia, nas pessoas e no patrimônio. A ciência tem se debruçado para entender essas catástrofes. Isso faz com que a gente procure aperfeiçoar os métodos para traduzir melhor a realidade”, diz.
O fato de o documento servir como balizador das políticas públicas do Novo PAC é um indício do que explica o professor. “Isso dá um pouco a tônica do que estou dizendo. O objetivo com essa mudança dos critérios é proteger o investimento público. Correr menos riscos com esse capital. Um dos grandes problemas que temos no país é a habitação. Os desastres acontecem em locais onde vive a população mais vulnerável. Então, os governos que têm uma preocupação social maior são exigidos a dar uma resposta para isso”, afirma o especialista da PUC Minas.
“Passou levando tudo”
Uma das cidades listadas no levantamento deste ano, portanto que não estava no anterior, é Raposos, na Região Metropolitana de Belo Horizonte. A dona de casa Márcia Lages Soares de Barros, de 57 anos, perdeu todos os móveis e eletrodomésticos na enchente ocorrida em 2022 no município. Foi a segunda vez que a família – formada por ela, pela filha, pelo genro e por dois netos ainda crianças – perdeu tudo.
“Quando eu assustei, a água já estava pegando na minha perna. Eu falei ‘não vou sair’, mas meu filho me carregou para fora. A água passou levando tudo. Eu sentei na rua e comecei a chorar”, afirma a mulher. Ela cobra maiores investimentos do poder público no Rio das Velhas, que passa próximo à moradia da família.
Sem condições financeiras para se mudar, Márcia continua convivendo com o medo a cada nuvem carregada que surge no céu. Em situação melhor, o vizinho da família se mudou e largou o imóvel ameaçado para trás. “Fico morrendo de medo. A gente tem que agradecer a Deus, porque quando o rio enche ainda dá tempo de chegar na rua, de sair de casa. Saímos só com a roupa do corpo, mas saímos vivos”, diz.
A dona de casa reclama da falta de investimentos do poder público para prevenir enchentes. “Acho que deveriam ter dado uma limpeza no rio depois de 2020. Foram muitos móveis, muita coisa jogada no rio, que desceu da casa da gente. Aqui ninguém fez nada. Quando o rio enche, daqui de casa a gente vê os pedaços de entulho nele”, relata. “Graças a Deus a chuva veio controlada esse ano. Daqui, a gente vê o rio enchendo e já fica apreensiva. Vivemos na incerteza. Se ela (a enchente) vem do mesmo jeito que veio no Rio Grande do Sul já era”.
Novo PAC em Minas
Dos R$ 1,7 trilhão que o governo federal vai destinar no âmbito do Novo PAC, R$ 601,1 bilhões vão ser aplicados no eixo “Cidades Sustentáveis e Resilientes”, o que interfere diretamente no combate a desastres naturais, a partir da urbanização de vilas e favelas, esgotamento sanitário, contenção de encostas e drenagem e gestão de resíduos sólidos.
No sub-eixo de contenção de encostas, que trata diretamente do problema, serão R$ 15,3 bilhões para conclusão e retomada de 86 obras. Dessas, 28 estão em Minas Gerais. Uma, inclusive, está concluída: a implantação de obras de macrodrenagem na Bacia do Córrego Santa Vitória, na cidade de mesmo nome, no Triângulo Mineiro.
Outras sete intervenções estão em execução. Quatro delas em BH. A primeira é mais generalizada e trata de contenções de encostas em áreas de risco espalhadas pela cidade. A segunda é a ampliação da seção e adequação das declividades do Parque Linear, que passa nas bacias dos córregos Pampulha, Onça e Cachoeirinha. A terceira se volta ao Barreiro: drenagem urbana sustentável do Córrego Túnel Camarões. Já a quarta acontece na mesma região e com o mesmo objetivo, porém nos córregos Jatobá e Olaria.
As outras três obras em andamento no âmbito do Novo Pac – Cidades Sustentáveis e Resilientes estão em Contagem (macrodrenagem do Complexo Maracanã); Governador Valadares (contenções de encostas generalizadas); e Ouro Preto (o mesmo objetivo de Valadares).
As outras 19 obras estão em fase de “ação preparatória”, segundo o governo federal. Dessas, três estão em BH: a retomada e conclusão de contenções de encostas em áreas de risco em diferentes áreas da cidade; a implantação de macrodrenagem no Córrego Cachoeirinha; e a macrodrenagem no Bairro das Indústrias, no Barreiro.
As outras intervenções se voltam às cidades de Além Paraíba (Mata), Betim (Grande BH), Cataguases (Mata), Contagem (Grande BH), Ibirité (Grande BH), João Monlevade (Central), Juiz de Fora (Mata), Muriaé (Vale do Rio Doce), Nova Lima (Grande BH), Pouso Alegre (Sul), Sabará (Grande BH), Santa Luzia (Grande BH) e Timóteo (Vale do Rio Doce).
O Novo PAC também vai realizar duas obras que passam por diferentes prefeituras da Zona da Mata mineira. Uma primeira em Matias Barbosa, Ewbank da Câmara e Visconde do Rio Branco; e outra em Ervália, Diogo de Vasconcelos, Sabinópolis, Manhumirim e Lajinha.
“Um dos grandes problemas que temos no país é a habitação. Os desastres acontecem em locais onde vive a população mais vulnerável. Então, os governos que têm uma preocupação social maior são exigidos a dar uma resposta para isso”
Alecir Moreira
Geógrafo, doutor e professor da PUC Minas
FONTE ESTADO DE MINAS