Poder público não identificou viabilidade financeira em proposta de fábrica de baterias de lítio; empresa refuta
O naufrágio das tratativas para a instalação, em Minas Gerais, de um complexo de produção de baterias de lítio para carros elétricos, deu origem a uma espécie de guerra de versões. De um lado, está a Bravo Motor Company, empresa responsável pelo empreendimento; do outro, o governo mineiro e a Prefeitura de Nova Lima — que sediaria a fábrica. Segundo apurou O Fator, o Palácio Tiradentes e o poder Executivo novalimense se incomodaram com pedidos da Bravo, como por aportes públicos no projeto, considerado de risco.
Em meio ao embate, a multinacional abandonou os planos de implantar o complexo na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), e transferiu o projeto para a cidade baiana de São Sebastião do Passé. O protocolo de intenções entre a Bravo e o governo mineiro foi assinado em março de 2021. A previsão de investimentos para 10 anos era de R$ 25 bilhões. Com o decorrer do tempo, porém, a relação entre as partes sofreu desgastes.
Paralelamente às queixas do poder público, a empresa se incomodou com a postura “em cima do muro” do Executivo estadual, que não teria movido as peças suficientes para garantir a atratividade da instalação da planta produtiva em Nova Lima.
O governo de Minas, porém, identificou a ausência de investidores privados para dar sustentação ao projeto, bem como problemas para a execução do projeto. Segundo soube a reportagem, a Bravo não conseguiu apresentar as garantias necessárias para obter uma linha de crédito junto ao Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais (BDMG).
A Prefeitura de Nova Lima também constatou a falta de viabilidade financeira do projeto. A cidade concordou em doar o terreno para a construção da planta produtiva, desde que a multinacional comprovasse ter os recursos suficientes para fazer o projeto andar. Sem as garantias, a administração municipal considerou como ação temerária o repasse de um espaço à Bravo.
No plano estadual, a avaliação é que a equipe do governador Romeu Zema (Novo), por meio de secretarias de Estado, deu todo o suporte possível à companhia estrangeira. Houve o pedido por aporte estatal no projeto, mas o Palácio Tiradentes, além de avaliar a empreitada como de alto risco, não tem por regra aplicar recursos em empreendimentos privados.
A versão de ausência de viabilidade da fábrica da Bravo é refutada por Eduardo Javier Muñoz, CEO da empresa em solo brasileiro. Segundo ele, empresas reconhecidas no setor de automação assinaram acordos de apoio ao empreendimento em Minas.
“Várias das principais empresas do mundo, como Rockwell Automation, SMC e ABB não só assinaram acordos com a empresa, mas anunciaram esses acordos nos seus websites em vários idiomas. Viajaram para cá para anunciar aos quatro ventos que acreditavam sermos um empreendimento de classe mundial”, diz.
Ao obter as informações sobre as inseguranças geradas no governo estadual pelo projeto da Bravo, a reportagem procurou João Paulo Braga, presidente da InvestMinas, a agência de promoção de investimentos estatal, ligada ao Palácio Tiradentes. Braga confirmou que, na visão do Executivo estadual, a empresa automotiva não conseguiu cumprir as condicionantes para o avanço da proposta.
‘Pedidos desconexos’
Uma fonte da Prefeitura de Nova Lima ouvida sob anonimato pela reportagem apontou que, após a assinatura do memorando de entendimentos entre as partes, a Bravo passou a fazer pedidos que não constavam no protocolo de intenções, como o financiamento de pesquisas.
O aporte solicitado pela companhia à cidade da Grande BH, conforme soube a reportagem, seria de R$ 30 milhões. O dinheiro seria depositado em um banco estadual para servir de alavancagem ao negócio.
A O Fator, o prefeito João Marcelo Dieguez (Cidadania), comentou o fracasso nas tratativas.
“Estamos comprometidos com projetos que beneficiem nossa cidade, como foram os casos da Biomm, do Hospital Mater Dei e da Diemme Filtration. É essencial que as condições acordadas sejam respeitadas, viáveis e que os projetos tenham viabilidade financeira garantida. Não podemos investir dinheiro público, sem as garantias e a segurança necessárias”, assinala.
‘Fantasma’ antigo
A possibilidade de saída da Bravo Motor Company de Minas já havia sido publicada por O Fator em janeiro. Com a mudança para Bahia já acertada, Eduardo Javier Muñoz afirma esperar que a decisão seja um “até logo” — e não um “adeus”
“A mudança corresponde à atitude, aos incentivos e às diretrizes claras sobre economia verde do estado da Bahia, onde, em poucos meses, chegamos a um protocolo de intenções, à doação da terra necessária, acesso a financiamento, etc”, explica.
Segundo ele, a decisão foi influenciada por outros fatores, como a criação de um polo de veículos elétricos em solo baiano — a BYD tem operações por lá. A proximidade de um local para escoamento portuário da produção também pesou.
“Não tenho mágoa com o estado nem com o município. Pode ser que tenha faltado entendimento do que realmente é necessário para atrair um empreendimento deste tipo, (mas) fizeram o que podiam com as ferramentas que tinham. Às vezes, se requer mais do que isso. Por isso, espero que seja um até logo mais do que um adeus”, projeta.
FONTE O FATOR