Suspeito chegou a ser preso em 2023, quando foi indiciado por estupro de vulnerável. De lá para cá, novo caso foi levado à Polícia Civil. Já são quatro
“Ele entra na família e faz uma ‘cama’ de afeto, de amizade.” A fala é da mãe de uma das passageiras da van escolar conduzida por um homem, de 47 anos, suspeito de praticar abusos sexuais contra crianças matriculadas em instituições de ensino particulares da Região Oeste de Belo Horizonte. As investidas, segundo os responsáveis pelas crianças, seguiam o mesmo roteiro: após adquirir confiança das famílias, o homem se aproveitava de momentos em que estava sozinho com as vítimas e praticava os atos – alguns, inclusive, realizados no estacionamento da escola. Uma das denunciantes relata abusos recorrentes por dois anos e sofre crises de ansiedade e pânico. Cicatrizes deixadas por um homem que, para a família dela, era acima de qualquer suspeita. Já são quatro casos. O suspeito foi indiciado em inquérito policial e denunciado à Justiça. Ele continua tendo permissão para conduzir vans escolares.
Uma das mães que denunciou o homem afirma ter conseguido interromper a violência logo na primeira investida. Segundo relatou, o abuso contra o filho dela ocorreu em 2016, quando o garoto tinha 6 anos – hoje, tem 13. Certo dia, ao chegar em casa, o filho contou que o condutor do escolar “fez carinho” nele, o que acendeu alerta na mãe. O menino havia voltado para casa na van do suspeito após passar a tarde na escola, junto de colegas de turma que praticavam esportes.
Ao ser questionado como foi o “carinho”, o menino relatou que o condutor do escolar tocou nos pés dele, nas pernas e, ao chegar nos órgãos genitais, parou, pois o garoto disse que ninguém pode tocar ali, nem mesmo a mãe. “Mesmo que eu pudesse tocar, ensinei que nenhuma pessoa pode tocar no ‘pipi’ além dele”, relata a mãe do garoto. O motorista teria pedido para não contar a ninguém sobre o “carinho”.
EXPOSIÇÃO
Ao ouvir o relato do filho, a mãe foi à escola exigir alguma providência, já que, segundo ela, a mesma listava a van do suspeito em uma página de indicações de transportes escolares. A instituição de ensino disse que resolveria a situação, porém, decorrido algum tempo, o menino teve que sair da escola após começar a sofrer bullying pela situação.
Segundo o relato, o suspeito se aproveitou da confiança adquirida junto à família da vítima para cometer o abuso. A irmã mais velha do menino também era passageira da van escolar e o condutor frequentava a casa da avó das crianças. “Como todo pedófilo, ele era bem simpático”, diz a mãe.
Assim que o abuso foi exposto, o suspeito chegou a ir à casa da vítima tentar se justificar, relata a mãe. Disse “eu não fiz nada” e que o garoto “que entendeu errado”. Na época, a responsável pela criança preferiu não ir à delegacia denunciar o caso, vindo a fazê-lo apenas em 2021. O receio era por não saber como o filho reagiria ao vivenciar o caso novamente durante depoimentos à polícia – o garoto tem autismo nível 1 de suporte. Depois que ela faz a denúncia à polícia, outra passageira da van se sentiu encorajada em fazer o mesmo.
TRAUMAS E CICATRIZES
Segundo essa denúncia, o condutor da van escolar utilizou o mesmo modus operandi contra outra criança, num abuso bem mais violento, com estupros recorrentes ao longo de dois anos contra uma garota, iniciados quando ela tinha 6 anos de idade. Também nesse caso, o condutor da van era próximo da família da denunciante. A garota tem um irmão mais velho que jogava bola com irmãos adotivos do suspeito.
A vítima conta que sentiu liberdade para falar sobre a violência sexual apenas aos 14 anos, após fazer terapia. O tratamento, inclusive, começou após a adolescente ter tido crises de ansiedade durante aulas sobre educação sexual, e os gatilhos eram justamente os tópicos sobre abuso. Os traumas deixados pelo suspeito a acompanham até hoje. Entre as marcas, estão transtornos alimentares (anorexia e bulimia), crises de ansiedade e pânico e depressão. “Não consigo viver minha vida normalmente pelo medo, pelas lembranças, pelas crises de ansiedade”, relata a adolescente, hoje com 17 anos.
A vítima diz não sentir evolução em seu quadro nos últimos anos, mesmo com o acompanhamento psicológico e psiquiátrico. O que espera é que a justiça seja feita para sanar, em algum ponto, a sua dor. “Eu não tenho raiva. Só quero que ele não faça com mais ninguém o que ele fez comigo”, pontua.
PERMISSÃO
As mães das duas vítimas ouvidas pela reportagem relataram que o suspeito vendeu a van escolar e se afastou do ramo. Porém, o condutor está em situação regular na base de dados da BHTrans e apto a conduzir van escolar.
De acordo com a comunicação da autarquia, permissionários que tenham sido indiciados por crimes como o de estupro de vulnerável podem ter a permissão suspensa após abertura de um procedimento administrativo. Porém, informa que não foi notificada sobre a denúncia. Caso o suspeito venha a ser condenado pela Justiça, a permissão é cassada.
DENÚNCIA
O suspeito dos abusos chegou a ser preso em novembro de 2023, quando a Polícia Civil de Minas Gerais (PCMG) concluiu um inquérito policial por estupro de vulnerável – a denúncia foi remetida à Justiça em março de 2024. Em julho, a Polícia Civil recebeu outra denúncia contra o suspeito, ainda em investigação.
Até o momento, de acordo com a PCMG, quatro vítimas denunciaram o condutor da van escolar. Quem cuida dos casos é a Delegacia Especializada em Proteção à Criança e ao Adolescente (Depca), em Belo Horizonte. Ainda segundo a corporação, “as investigações em curso seguem sob sigilo para preservar as vítimas e os trabalhos policiais”.
No Sinesp Cidadão, a reportagem não localizou mandados de prisão em aberto contra o suspeito. O condutor não se encontra em nenhuma unidade prisional sob a administração do Departamento Penitenciário de Minas Gerais (Depen-MG), informou o órgão.
A reportagem entrou em contato com o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) para saber em qual etapa encontra-se a denúncia, mas o órgão informou que não divulga dados sobre processos que apuram crimes de natureza sexual e crimes praticados contra crianças e adolescentes.
FONTE ESTADO DE MINAS