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Justiça suspende autorização para expansão de pedreira que acarretaria remoção de 52 famílias de distrito histórico

Construção de vias e definição de raios de segurança no entorno da área de exploração acarretaria a remoção de 52 famílias do distrito histórico

A Justiça Federal suspendeu a autorização concedida pela Agência Nacional de Mineração (ANM) para a instituição de servidão minerária em uma área de 34 hectares no entorno da Pedreira Irmãos Machado, em Amarantina, distrito de Ouro Preto. A decisão do juiz Lucilio Linhares Perdigão de Morais, da Vara Federal de Ponte Nova, em 30 de janeiro, atende a um mandado de segurança impetrado pelo Núcleo de Direito Ambiental do Projeto Manuelzão, por meio do Instituto Guaicuy, e pela Federação das Associações de Moradores de Ouro Preto (Famop).

A área de servidão minerária é aquela utilizada para a instalação das estruturas necessárias para a lavra (o lugar de exploração da jazida), podendo estar dentro ou fora da área do título minerário. No caso da Pedreira Irmãos Machado, os terrenos na parte oeste do empreendimento seriam utilizados para estabelecer raios de segurança em relação ao centro da exploração feita com explosivos, além da ampliação do acesso principal à pedreira e da construção de um novo acesso na área da cava. A instituição da área de servidão implicaria a remoção de mais de 50 famílias. 

Uma das povoações mais antigas de Minas Gerais, Amarantina surgiu por volta de 1700, a 25 quilômetros do centro histórico de Ouro Preto. Além de polo cultural, gastronômico e de manifestações religiosas populares, o distrito tem uma longa história de extração de gnaisse (rocha muito usada na construção civil) pela Pedreira Irmãos Machado. A atividade minerária intensificou-se a partir dos anos 1970, substituindo a produção manual pelo uso de explosivos e maquinário pesado.

Com isso, surgiram impactos ambientais e sociais severos como erosão do solo, assoreamento de cursos d’água, desmatamento de Mata Atlântica, poluição do ar e ruídos constantes. Moradores também relatam rachaduras e danos estruturais às casas e o aumento do tráfego de caminhões na região desde a madrugada.


A Casa Bandeirista de Amarantina foi construída pelos primeiros bandeirantes que percorriam Minas ainda no século XVII; hoje funciona como um centro cultural e comunitário do distrito. Foto: Prefeitura de Ouro Preto.

A Pedreira Irmãos Machado pertence aos mesmos sócios da empresa Bemil Beneficiamento de Minério. Em 2020, o empreendimento obteve uma autorização da ANM para constituir servidão minerária sobre a área de 34 hectares. A sentença do último dia 30 determina que a servidão minerária permanecerá suspensa até que a ANM analise um recurso administrativo protocolado em 2021, que questiona a necessidade da servidão e aponta alternativas locacionais para o empreendimento.

Advogada do Núcleo de Direito Ambiental do Projeto Manuelzão, Maria Vitória Calais comemorou a decisão e sublinhou a necessidade de mitigação dos impactos do empreendimento. “A instituição de servidão minerária na localidade, além de ampliar os prejuízos, se revela desnecessária, tendo em vista a existência de alternativa locacional para a área de servidão, conforme demonstra o relatório técnico elaborado pelo professor Hernani Mota de Lima, do Departamento de Engenharia de Minas da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP).”

Segundo o relatório, “a servidão concedida pela ANM implica na remoção de várias famílias do distrito de Amarantina, que residem na área há gerações e têm o seu modo de vida baseado no cultivo da terra ao longo dos anos. Segundo dados levantados em dois estudos de campo, o local abriga famílias desde 1820.”

Atualmente, 52 famílias e 171 pessoas correriam risco de remoção caso a servidão fosse implementada. São 40 famílias na Rua do Barreiro (127 pessoas), seis famílias na Rua Francisco Coelho (27 pessoas), principal acesso à Amarantina, além de dois comércios locais, e outras seis famílias na Rua Ponte de Pedra (17 pessoas).

Proximidade entre ruas e casas da Pedreira Irmãos Machado. Imagem: reprodução Google Earth.

Mobilização e disputa na Justiça

O Núcleo de Direito Ambiental do Projeto Manuelzão, por meio do Instituto Guaicuy, entrou com um mandado de segurança, em outubro de 2022, para suspender os efeitos do ato administrativo da ANM que aprovou o laudo técnico para a instituição da servidão minerária. A Justiça Federal concedeu uma liminar determinando a suspensão do ato até que o recurso administrativo fosse analisado. 

A sentença da Justiça Federal reforça essa decisão, garantindo que a autorização permaneça suspensa enquanto o caso não for devidamente avaliado. “Ajuizamos os dois mandados de segurança na época em que a licença foi concedida. A Justiça já tinha dado sentença favorável em um deles, em 2023, e agora, com essa nova decisão, confirma a suspensão enquanto a ANM não julgar o recurso administrativo do Instituto Guaicuy contra a servidão”, explica Pedro Andrade, coordenador do Núcleo de Direito Ambiental do Projeto Manuelzão.

Segundo a decisão judicial, há um “caráter emergencial no requerimento, sobretudo diante do risco iminente de remoção das famílias, da possibilidade de danos ambientais e da necessidade de um estudo adequado de alternativas locacionais antes da concessão da servidão minerária”.

A luta da comunidade ganhou força com a sentença. Moradores relatam pressão da mineradora e processos judiciais movidos contra aqueles que resistem à remoção. A advogada Rogéria Labanca tem auxiliado juridicamente alguns moradores, além da Famop e o Projeto Manuelzão na defesa dos direitos da comunidade.

Vista parcial da Igreja Matriz de São Gonçalo, construída inicialmente como uma capela no início do século XVIII no centro histório de Amarantina. Foto: Ane Souz/Prefeitura de Ouro Preto.

Postura da ANM

Para Jéssica Galvão, advogada do Núcleo de Direito Ambiental do Projeto Manuelzão, o processo revela a “negligência, má-fé e ausência de moralidade e eficiência administrativa por parte da ANM, que aprovou um laudo de servidão minerária sem as cautelas necessárias, tanto em relação aos impactos ambientais quanto à vida das 52 famílias afetadas”.

Ela também critica a demora na resposta ao recurso administrativo e a postura da ANM no processo. “Houve má-fé processual da ANM. Esse caso mostra a importância da sociedade civil organizada na defesa dos direitos frente ao poder econômico e à improbidade administrativa.”

Enquanto a Justiça mantém a suspensão da servidão minerária, a comunidade segue mobilizada para garantir que a ANM analise o recurso pendente e que a expansão minerária não expulse famílias de suas terras.

Embora a matéria tenha sido apreciada pela Justiça Federal, a ANM interpôs um recurso que ainda não foi julgado. A decisão representa uma vitória para Amarantina, mas a luta pela manutenção do território e dos modos de vida continua. 

FONTE: MANUELZÃO.UFMG

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