Construções históricas mineiras se deterioram, em situação similar às que provocaram queda de forro e morte em igreja de Salvador
O desabamento do forro da Igreja e Convento de São Francisco, em Salvador (BA), acende não apenas o sinal vermelho sobre a situação das construções históricas no país como também um farol a iluminar a necessidade de conservação permanente dos bens culturais. As preocupações se alastram por Minas Gerais, dono de um dos patrimônios arquitetônicos e artísticos mais valiosos do Brasil. “Pedimos socorro aos governos federal e estadual para que não ocorra o mesmo aqui”, diz o prefeito de Diamantina, no Vale do Jequitinhonha, Geferson Giordani Burgarelli (MDB). Ele teme pela Igreja Nossa Senhora da Luz, interditada há sete anos e com sério risco de cair. “Estamos atrás de recursos para a restauração”, diz o recém-empossado vice-presidente da Associação das Cidades Históricas de Minas Gerais.
Eleito uma das Sete Maravilhas de Origem Portuguesa no Mundo e tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), o templo baiano conhecido como “Igreja do Ouro”, erguido entre 1708 e 1750, atrai grande número de turistas – a exemplo da jovem do interior de São Paulo que, na visita a essa joia barroca, na quarta-feira (5/2), morreu no local em decorrência da queda do forro. Cinco pessoas ficaram feridas. Nota divulgada pelo Conselho Internacional de Monumentos e Sítios (Icomos Brasil) põe o dedo na ferida, creditando tais desastres ao escasso orçamento no campo da conservação patrimonial, à insuficiência de técnicos servidores públicos e à necessidade de políticas públicas de conservação patrimonial.
Diante do quadro lamentável, com perda de uma vida e parte dos elementos artísticos, importante mostrar como se encontram, em Minas, algumas edificações igualmente de valor histórico, e ouvir a voz de quem luta pela conservação desses tesouros. Hoje, correndo risco de desabamento, muitas estão fechadas, interditadas ou em estado de degradação. Há anos pedindo ajuda para concluir as obras da centenária Igreja do Sagrado Coração de Jesus (rito siríaco católico), na região hospitalar de Belo Horizonte, padre George Raleb Massis teve que isolar a nave do templo.
A decisão, foi tomada há dois anos, com anuência do Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico e Minas Gerais (Iepha) e da Prefeitura de Belo Horizonte, responsáveis pelo tombamento, após queda da pintura do forro, perto da asa de um anjo. Com um fragmento azul na mão, desprendido na época, padre George explica que, felizmente, não havia ninguém no local. “Imediatamente, comuniquei aos órgãos do patrimônio, e colocamos o tapume. Com isso, dos 300 assentos, temos hoje apenas 30. Também não temos mais casamentos e batizados”, afirma o pároco que, todo domingo, às 11h, celebra missa em aramaico, a língua que Jesus falava. Lembrando que toda a estrutura do templo se encontra em bom estado, padre George estima em R$ 8 milhões o valor necessário para terminar a obra iniciada em 2008. “Estamos numa constante via-sacra para conseguir os recursos, com grande participação da comunidade.”
No Centro Histórico de Paracatu, Região Noroeste do estado, a Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Pretos e a Matriz Catedral Santo Antônio estão interditadas, por questão de segurança. Construída no século 18, a Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, fechada desde dezembro de 2023, apresenta grave problema na cobertura. O sinal de alerta foi dado pelo padre Hilton Rodrigues Santana, titular da Paróquia Catedral Santo Antônio de Paracatu. Ele explicou o motivo ao Estado de Minas: “No final de 2023, vimos muitos pombos entrando no Rosário, onde havia missa toda sexta-feira. Então, contratei um carpinteiro, imaginando que o ajuste ou troca de telhas resolveria o problema. Mas era bem diferente. Ao descer a escada, o carpinteiro me disse que a igreja corria o risco de cair, pois uma madeira estava quebrada, e o telhado, cedendo.”
Diante do perigo, padre Hilton comunicou imediatamente ao Iphan, responsável pelo tombamento do templo (1962) e do Centro Histórico, ao MPMG, à prefeitura local e à Secretaria Municipal de Cultura e Turismo. “Expliquei tudo, por meio de ofício, informando que estava fechando a igreja para preservar o patrimônio e a vida das pessoas”.
A fim de evitar maior degradação do templo localizado no Largo do Rosário, o padre decidiu manter as janelas laterais abertas durante o dia, permitindo a ventilação e afastando a ameaça do mofo. O alerta soou forte também para a “situação grave” da Matriz Catedral de Santo Antônio, também do século 18 e tombada pelo Iphan. Destacou o padre: “Exige muita atenção, urgência mesmo. A situação não é boa. Enquanto o Rosário apresenta problemas apenas na cobertura, a matriz demanda serviços nas partes elétrica, estrutural e hidrossanitária”. Um laudo feito por um engenheiro civil mostrou a gravidade.
Em nota, a Prefeitura de Paracatu informa que, conforme laudo técnico de vistoria, houve princípio de queda da cobertura. Atualmente, o bem está cadastrado na Plataforma Semente/MPMG, para elaboração de projetos técnicos de restauro e complementares. Em 2 de janeiro, durante forte chuva, “uma parte da cobertura da matriz veio a ruir”, o que levou à interdição. Também está cadastrada na Plataforma Semente, para intervenção emergencial na cobertura e demais projetos complementares e de restauro. Junto ao MPMG, estão a Mitra Diocesana de Paracatu e o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).
EM PERIGO
Já em Caeté, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, a atenção vai para a Igreja Nossa Senhora do Rosário, interditada desde 2021 pelo Corpo de Bombeiros. O templo, circundado por um cemitério, é exemplo de monumento do início do século 18 tomado pelas infiltrações, necessitado de intervenção na parte estrutural e clamando por obras de drenagem no terreno. A comunidade eleva sua voz, certa de que preservar esse marco da cidade é valorizar o patrimônio e deixar um legado histórico e artístico para as próximas gerações.
Tombada em 1950 pelo Iphan e vinculada à Arquidiocese de BH, sendo o cemitério administrado pela prefeitura local, a Igreja Nossa Senhora do Rosário é um dos templos católicos mais antigos de Caeté, ex-Vila Nova da Rainha. Devido à gravidade do quadro, foi alvo de investigação do MPMG, que, diante dos sérios problemas, notificou as instituições envolvidas. Na sequência, os bombeiros constataram riscos estruturais, falta de equipamentos de segurança, desabamento do muro lateral e afundamento do piso no adro da construção.
A interdição da igreja se deu pelo parecer técnico elaborado pela Coordenadoria Estadual de Defesa do Patrimônio Cultural e Turístico (CPPC/MPMG), fruto da vistoria realizada em 10 de outubro de 2021. Em seguida, houve a interdição do templo pelo Corpo de Bombeiros, o qual constatou diversas irregularidades no imóvel. Conforme a Prefeitura de Caeté, a PUC Minas e a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) concluíram um estudo de drenagem do terreno no entorno da igreja. Depois, em setembro, foram feitos estudos complementares sobre a situação do terreno, o que atestou a segurança do templo.
Tombada pelo Iepha, a Igreja Nossa Senhora da Assunção da Lapa, no distrito de Ravena, em Sabará (RMBH), joia do século 18, se encontra interditada. O templo já mereceu sucessivas reportagens aqui no EM sobre seu estado de degradação. Segundo a Arquidiocese de BH, o projeto de restauro foi desenvolvido pelo Iepha, sendo alguns reparos feitos pela Prefeitura de Sabará. Em nota, a arquidiocese informa que “busca-se, via Lei de Incentivo à Cultura, patrocínio para a completa restauração”.
Sobre a Capela São José, do final do século 19, localizada em Confins (RMBH), a informação é a seguinte: “Está em processo a elaboração de projetos para o completo restauro”. A respeito de ações de prevenção e conservação do patrimônio, a Arquidiocese de BH informa que, em 2005, criou o Memorial com uma equipe multidisciplinar, das áreas de arquitetura, arquivologia, história e museologia, que está a serviço das comunidades e suas igrejas. “A equipe do Memorial promove a preservação dos bens culturais ligados à fé com trabalhos que contemplam a colaboração no preparo de projetos de recuperação dos templos. O Memorial e as paróquias trabalham unidos na busca por parcerias para viabilizar projetos, pois que os templos são patrimônios das comunidades, tombados pelo poder público, sendo necessária a união de todos para preservá-los.”
PERTO DA RUÍNA
Já em Diamantina, no Vale do Jequitinhonha, a Igreja Nossa Senhora da Luz, interditada desde 2018, inspira cuidados, conforme assegura o prefeito Geferson Giordani Burgarelli. Apresentando um laudo de vistoria, feito por um engenheiro que atesta o estado precário de conservação do templo, o chefe do Executivo avisa: “Estou pedindo socorro aos governos federal e estadual para salvar a igreja”. O laudo, datado de 23 de setembro de 2024, diz que a igreja necessita de “obras de restauro e manutenção de alvenarias, revestimentos, pisos, forros, vãos e fechamentos, escadas, elementos integrados e pintura.
Também no Vale do Jequitinhonha, o município de Cachoeira do Pajeú, com 9,5 mil habitantes, busca recursos para fazer o escoramento da Igreja Nossa Senhora da Conceição, que teve parte destruída, na noite de 10 de janeiro, durante tempestade. Datado de 1863, o templo teve perda da parede lateral e do telhado. Na quarta-feira (5/2), houve reunião, na cidade, com participação de representantes do Iepha e MPMG, da prefeitura local e de uma empresa especializada em restauração.
Segundo o secretário Municipal de Cultura e Turismo de Cachoeira de Pajeú, Gabriel Ramos dos Santos, o Iepha deu o sinal verde para escoramento da igreja, que é feita de adobe, e, conforme a planilha de custos, o serviço ficará em torno de R$ 200 mil. “Nosso município é muito pequeno, com poucos recursos, então, teremos que buscar esse valor em outras fontes.”
Segundo o secretário, trata-se da construção mais antiga de cidade, “onde tudo começou”. Embora a igreja (dedicada à padroeira) não seja tombada pelo município, e sim inventariada, “vamos atrás dos recursos para as obras”, garantiu.
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Iepha prepara cartilha sobre conservação de bens
Para orientar os proprietários de imóveis e gestores do patrimônio, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha), vinculado à Secretaria de Estado de Cultura e Turismo (Secult), está elaborando uma cartilha de boas práticas e ações preventivas, a ser distribuída nos municípios durante as vistorias e acompanhamento de obras, adianta a diretora de Conservação e Restauração do instituto estadual, Luciane Andrade. “Não somente as igrejas, mas todos os bens imóveis acautelados pelo Estado são vistoriados periodicamente pela Gerência de Monitoramento e Avaliação. Nessas ocasiões, as condições estruturais e físicas das edificações são avaliadas e, dependendo do estado conservação, é feita a assistência técnica para ações emergenciais. Em caso de risco, elas incluem escoramento até que se obtenha recurso para uma obra”, conta a diretora.
Em 2025, chamado de “Ano Mineiro das Artes”, o governo estadual anuncia investimento de R$ 1 bilhão no setor cultural, incluindo a preservação do patrimônio, que tem assegurados R$ 100 milhões para restauração de bens tombados e valorização de saberes tradicionais. “Este é o ano das artes, e o patrimônio de Minas é arte”, observa o titular da Secult, secretário estadual Leônidas Oliveira.
Diante da tragédia ocorrida em Salvador, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) divulgou nota informando não ser possível quantificar os imóveis em risco no país, “justamente por ser de seus donos a responsabilidade pela manutenção do bem e obras necessárias nos imóveis de propriedade privada”. E mais: “Mesmo cabendo à autarquia a fiscalização dessas ações, os estados, municípios e a Defesa Civil também possuem responsabilidades na preservação e fiscalização do patrimônio histórico”.
O Conselho Internacional de Monumentos e Sítios (Icomos Brasil), por sua vez, pôs o dedo na ferida. Em nota, o seu presidente, o arquiteto mineiro Flávio Carsalade, demonstrou preocupação com outras ocorrências semelhantes do país. “O Icomos entende que esse desastre se deve ao escasso orçamento no campo da conservação patrimonial, à insuficiência de técnicos servidores públicos para a dimensão e a diversidade da dimensão patrimonial da nação, estados e municípios e a importância de sua valorização profissional, à necessidade de política públicas de conservação patrimonial e criação do Sistema Nacional de Patrimônio”.
Carsalade destacou ainda a urgência, conforme orientação da Unesco (agência das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e Cultura) de um Plano de Gestão e Monitoramento de todos os patrimônios mundiais em solo brasileiro, com participação e pactuação de todos os agentes sociais envolvidos”.
AÇÃO PERMANENTE
Zelar permanentemente pelos bens culturais, tombados ou não, se torna essencial para manter a integridade de igrejas, capelas e outras construções históricas. “A conservação dos bens culturais é de suma importância. Quando se fala em restauração, significa que não houve um plano de conservação bem executado. Defendemos a prevenção de danos, pois estamos tratando de bens irrepetíveis, infugíveis, e de danos irreparáveis”, ressalta do titular da Coordenadoria das Promotorias de Justiça de Defesa do Patrimônio Cultural e Turístico de Minas Gerais (CPPC/MPMG), promotor de Justiça Marcelo Maffra. Assim, antes que venha o pior, como ocorre agora em Salvador (BA), devem ser feitas constantes ações de conservação preventiva, “que mantêm em bom estado e evitam futura restauração, de alto custo”.
A arquiteta e urbanista Andrea Lanna, analista da coordenadoria do Ministério Público de Minas Gerais, acrescenta: “É recomendável fazer revisão da cobertura, principalmente antes e depois dos períodos chuvosos, das instalações elétricas e hidráulicas, esquadrias e de pequenos danos percebidos nos imóveis nas ações corriqueiras de conservação”. Essas medidas evitam que os danos se agravem, e, no futuro, seja necessária uma obra de restauração mais complexa e cara.
Tais iniciativas devem ser realizadas pelos proprietários dos imóveis, os quais poderão contar também com o apoio de um órgão de proteção do patrimônio, seja ele municipal, estadual ou federal. “Nesse sentido, os órgãos de proteção devem se estruturar para que possam realizar ações de fiscalização e ainda orientar os proprietários dos imóveis – até mesmo contribuindo na elaboração de projetos, consultorias e outros reparos necessários.”
A responsabilidade de cuidar das igrejas está a cargo das arquidioceses e paróquias, que são as proprietárias, e isso ocorre de forma solidária com os órgãos de proteção (Iphan, Iepha, conselhos municipais de patrimônio e outros). “Ao MPMG, compete fiscalizar para que esses órgãos exerçam suas funções”, observa a arquiteta.
COMO CUIDAR DO PATRIMÔNIO
Veja algumas dicas para evitar um mal maior, como ocorreu em Salvador (BA):
O principal sinal de perigo são as trincas e fissuras, mas também podem ocorrer quedas ou abaulamento de revestimentos, dificuldade na abertura de esquadrias, estalos.
Diante desses sinais, os responsáveis podem entrar em contato diretamente com o Iepha, por meio de e-mail, ligações telefônicas, encaminhamento de ofício ou por meio do atendimento presencial na instituição. Nessas comunicações é fundamental o envio de imagens e vídeos dos indícios observados, bem como a descrição do que foi observado. Os contatos podem ser consultados no site do Iepha.
Importante fazer revisão da cobertura, principalmente antes e depois dos períodos chuvosos, e também das instalações elétricas e hidráulicas, esquadrias e de pequenos danos percebidos nos imóveis nas ações de conservação
Tais iniciativas devem ser realizadas pelos proprietários dos imóveis, os quais poderão contar também com o apoio de um órgão de proteção do patrimônio, seja ele municipal, estadual ou federal.
FONTE: IEPHA-MG E CPPC/MPMG