Que o mineiro tem fama de desconfiado, isso todo mundo sabe. Mas um povoado, com pouco menos de 60 casas e cerca de mil moradores, leva esse estigma ao extremo. Ah, o interior de Minas Gerais! Terra das montanhas verdejantes, do queijo e do pão de queijo douradinho e de um povo tão pé atrás que, ao avistar um forasteiro, fecha todas as portas e janelas e tranca o cachorro no quarto. E ficam aprisionados, dentro de casa, espiando pelas frestas quem vem de fora.
Estamos falando de São Gonçalo do Amarante, carinhosamente conhecido como Caburu, um charmoso distrito de São João del-Rei, no Campo das Vertentes, em Minas Gerais. Com uma atmosfera bucólica e um cenário repleto de belezas naturais, o vilarejo é um tesouro escondido na região, ideal para quem busca tranquilidade, história, crendices e contato com a natureza. Poucas informações existem sobre o início do povoamento da região que hoje forma o vilarejo, mas sabe-se que sua povoação surgiu entre 1710 e 1720.
E sobre essa questão do povo de Caburu ser desconfiado tem explicação. De acordo com Ulisses Passarelli, ex-funcionário da Secretaria de Cultura de São João del-Rei , ele forneceu as razões sobre o costume de se fechar as janelas e as portas das casas quando chega alguém de fora, quando vem algum forasteiro. “O mineiro tem o apelido de ser muito desconfiado. Isso veio do início da colonização aqui de Minas Gerais, quando a chegada dos tropeiros foi muito conflituosa. Nessa época, quando qualquer aparecia algum desconhecido, já se pensava que podia ser um ladrão de queijo. Então quem estava nessas vilas não confiava em quem chegava de fora, não confiava em indígenas, quem era paulista, não confiava em emboabas e vice-versa. Então é sim algo que acontece lá no Caburu, mas não é completamente único de lá, é em toda zona rural de Minas”, completa.

Bom coração
Mas não precisa ficar chateado. Por trás da desconfiança, vista por uns como falta de educação, há um povo de coração de ouro — ou pelo menos de doce de leite. Basta você ficar mais de 15 minutos sem cometer um crime (como elogiar o café de outro estado) que alguém vai surgir com um copo de café coado e um “vai me desculpar, mas você é fi (filho) de quem?”. Daí pra frente, é só questão de tempo até você cair nas graças e ser convidado para comer um queijinho, uma broa de fubá ou até, um franguinho com quiabo feito no fogão a lenha.
De acordo com o historiador João Pedro Resende, Caburu tem suas raízes profundamente ligadas ao Ciclo do Ouro no Brasil colonial. “O distrito surgiu no século 18, durante o auge da mineração, e ainda preserva traços desse período histórico. Uma das curiosidades mais interessantes é que o vilarejo foi um importante ponto de passagem para tropeiros que transportavam mercadorias e ouro entre as cidades mineiras. Essa vocação histórica pode ser percebida em suas ruas estreitas e nas antigas construções que resistem ao tempo”.
A região do povoado é formada por muitos montes e colinas, que dão uma visão de “mirante” tanto para o povoado como para as belezas naturais do local. Com isso, ao longo do tempo, a população passou a ir para estes locais, especialmente nos horários do nascer e do pôr-do-Sol, romantizando o ambiente, a beleza cênica, e a sua energia no imaginário popular. Sendo um local de caráter rural, muito do folclore e da imaginação de “crendices” e “causos” populares permanecem até os dias de hoje, desenvolvidos antes da chegada da luz elétrica na região.
De acordo com João Pedro, durante a noite, a única iluminação da rua e da praça era a fraca luz do luar, que não permitia a boa visão de elementos das vias, de vultos, de pessoas passando etc. “Assim desenvolveram-se diversas histórias, conectadas entre si, como a do homem de branco misterioso que passava pelas ruas iluminado pela luz do luar; ou a do cavalo de três patas, montado por um homem, muitas vezes reconhecido como sendo um frade, que, à noite, saía de uma parte da estrada que leva ao povoado, troteando ao longo das ruas, atravessando todo o povoado e finalmente desaparecendo próximo a um bambuzal nos limites do distrito. Outras lendas populares do folclore brasileiro, como a mula-sem-cabeça ou o Saci, também têm forte representação no povoado”, observa.
Cultura e tradições
A religiosidade é um aspecto marcante da vida em Caburu. A Igreja de São Gonçalo do Amarante, construída no século 18, é um dos principais pontos de interesse do vilarejo. Sua arquitetura simples, porém encantadora, reflete a devoção da comunidade local. A igreja foi ampliada ao longo do tempo, e a maior parte de sua decoração interna em estilo rococó, com três altares e várias imagens sacras de boa qualidade, destacando-se as imagens do padroeiro, de Nossa Senhora do Rosário, Nossa Senhora da Conceição e Nossa Senhora das Dores. Durante os encontros religiosos, como a Festa do Rosário, o distrito ganha vida com celebrações que incluem missas, procissões e manifestações culturais, como o congado, onde reis, rainhas, princesas e príncipes, celebram o louvor da tradição afro-brasileira, que faz parte do patrimônio cultural da região; confira as datas das festas:
17 a 20/4 – Semana Santa
Julho – Festa de São Gonçalo do Amarante, o padroeiro, que conta com as cerimônias religiosas de praxe, além de um movimentado leilão de gado.
Outubro (segundo domingo) – Festa de Nossa Senhora do Rosário, de grande popularidade no povoado. As cerimônias religiosas tradicionais unem-se às manifestações folclóricas expressas principalmente pelo vultoso Congado que ocorre na ocasião.



“Café com causos”
É no centro da Praça que moradores se reúnem para um grande evento do mês de maio. Cada um traz de casa as quitadas para celebrar o encontro. Na roda de conversas, regadas com café, doce de leite, broa de fubá e tantas gordurices mineiras, os moradores vão contando os ‘causos’ vividos. Como uma colcha de retalhos, lembranças são costuradas com doses de gargalhadas, ternura e afeto. É um momento deles de manter em família, que na sua maioria são parentes, a ancestralidade através do conhecimento oral. E desse emaranhado, vem à tona segredos bem guardados, lágrimas dos que foram e desejo que nada mude do jeito que lá se encontra.
Misticismo da Pedra Ramalhuda
No conjunto de pedras sobrepostas naturalmente de forma aleatória, com espaços irregulares entre elas, cresceu uma árvore de óleo vermelho, tipicamente de galhos frondosos, bem ramificada, daí o nome popular “ramalhuda”. Junto às pedras do conjunto, em 2006 foi erigido um cruzeiro típico, por moradores do distrito. A população local visita o local para contemplação da paisagem, descanso e orações. Ao longo da estrada entre a igreja da vila e o Cruzeiro da Pedra Ramalhuda existem diversas pequenas cruzes demarcando estações da via-sacra.

Como chegar
Caburu está localizado a aproximadamente 20 km do centro de São João del-Rei, uma das cidades históricas mais importantes de Minas Gerais. O acesso é feito por estradas sinuosas, que oferecem vistas panorâmicas deslumbrantes da serra e vales.
- Fotos: Paulo César Reis da Costa