Organizado pela ONG Abrace a Serra da Moeda há 18 anos, protesto teve como objetivo chamar mais um vez a atenção sobre a importância da defesa dos recursos hídricos e nascentes da região, constantemente ameaçados por grandes empresas e mineradoras. De acordo com os organizadores, mais de três mil pessoas participaram do ato realizado nesta segunda-feira, 21 de abril. Desde às 10h, moradores e ambientalistas se concentram no espaço da rampa de voo livre, no Topo do Mundo, em Brumadinho. O evento contou com a participação de grupos culturais. O cantor e compositor Rei Batuque, da comunidade quilombola de Marinhos também participou do ato, conectando a cultura com as causas ambientais.

Com o tema, “A água nos une, juntos pela vida”, o ato simbólico tem como objetivo chamar a atenção de autoridades e população sobre os impactos ambientais, sociais e hídricos causados por grandes empreendimentos na região. Assim como nas edições anteriores, pontualmente às 12h foi formado um grande cordão humano no ponto mais alto da serra, simbolizando um abraço.
A presidente da ONG Abrace a Serra da Moeda, entidade sem fins lucrativos que organiza o protesto desde 2008, a advogada ambientalista Beatriz Vignolo afirma que a atividade minerária continua sendo um dos maiores riscos para toda a biodiversidade da cadeia montanhosa que passa por vários municípios, entre eles Belo Vale, Brumadinho, Itabirito, Nova Lima e Rio Acima. “Duas minas, em especial, nos causam grande preocupação. A primeira delas é a Serrinha, que teve suas atividades de lavra suspensas há mais de 20 anos, porém, em 2019, a Vale adquiriu os direitos minerários do complexo. Seu projeto de reativação pode rebaixar o lençol freático da Mãe D’Água, principal nascente que abastece as comunidades da encosta da Serra, como Córrego Ferreira, Palhano, Recanto da Serra, Águas Claras, Jardins e Retiro do Chalé”, ressalta.
Já a Mina Pau Branco, da mineradora Vallourec, segundo Vignolo, teve sua produção quadruplicada, intensificando os impactos ambientais. “Hoje, a comunidade de Piedade do Paraopeba enfrenta riscos com a barragem Santa Bárbara, cuja área de inundação inclui escola infantil e locais de grande importância histórica”, explica.
Destaca-se que o IGAM contratou o Departamento de Geologia da UFMG para realizar um estudo hidrogeológico na Serra da Moeda. Dois desses estudos, apresentados em 2023, concluíram que, entre 1999 e 2019, houve um rebaixamento médio de 90 metros no aquífero Cauê. Estima-se que, até 2039, caso não sejam adotadas medidas pelos órgãos ambientais, o aquífero poderá sofrer um rebaixamento adicional de 10 metros. Os estudos também são categóricos ao afirmar que a retirada de água do aquífero supera significativamente sua recarga natural.
Cleverson Vidgal, diretor-secretário da Ong Abrace a Serra da Moeda também falou da importância do movimento. “Nossa luta se resume na luta de Davi e Golias. É um enfrentamento com grande empreendimentos. Interesses de um pequeno grupo. Temos alguns resultados importantes ao longo desses anos de luta, como por exemplo, a retirada pela ANM – Agência Nacional de Mineração – sobre os direitos minerários sobre o Monumento da Serra da Moeda”, frisou.





Boicote da prefeitura de Brumadinho
O prefeito de Brumadinho, Gabriel Parreiras, do PRB, não participou do evento e não enviou nenhum representante do município. Além disso, dois ônibus que foram disponibilizados pela prefeitura para o transporte de moradores da região foram cancelados em meio à viagem. Um ordem teria sido dada para que os veículos retornassem para a garagem. Os passageiros tiveram que ser realocados em outros ônibus disponibilizados por um empresário. O jornal Folha de Brumadinho procurou a prefeitura para explicar sobre o cancelamentos dos ônibus, mas ninguém se pronunciou.
TAC da Coca-Cola: uma solução ineficaz
A 18ª edição do Abrace a Serra da Moeda também busca continuar alertando sobre um impacto antigo na região, causado pela fábrica da Coca-Cola, há mais de uma década. Instalada em Itabirito, às margens da BR 040, a multinacional extrai, das nascentes, mais de 2 milhões m³/mês para suprir a demanda de seus poços. Com isso, comunidades como Suzana e Campinho, em Brumadinho, já enfrentam um cenário de escassez hídrica. Para minimizar os impactos, os moradores de Campinho recebem, desde 2015, cerca 40 mil litros diários de água, via caminhões-pipa da empresa, para abastecerem suas casas.
Um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) foi firmado há cerca de um ano entre o Ministério Público, o Serviço Autônomo de Água e Esgoto de Itabirito (SAAE), a Coca-Cola e a Prefeitura de Brumadinho, para minimizar os impactos da captação de água na Serra da Moeda. No entanto, o acordo, conforme revela a presidente da Abrace a Serra, apresenta falhas graves. “A compensação financeira pelo dano ambiental fixada pelo Ministério Público foi de R$ 800 mil. Só que o recurso pode ser captado por entidades de fora de Brumadinho, o que prejudica o protagonismo local. Além disso, o TAC não garante que a população afetada será ouvida no processo”, afirma. A ambientalista também denuncia que o prazo de um ano para que a Coca Cola apresente alternativas locacionais para a captação de água está vencendo, sem notícias do cumprimento dessas medidas.
CSul: um megaempreendimento que ameaça o aquífero
O protesto de 21 de abril, data de grande importância para os mineiros, dia da Inconfidência Mineira, traz para a discussão problemas iminentes que podem ser causados por um megaempreendimento imobiliário planejado para 200 mil pessoas, que pretende captar água do aquífero local, o CSul Lagoa dos Ingleses. “A licença ambiental deste complexo, cuja população será bem maior que muitas cidades mineiras, foi concedida sem qualquer estudo de impacto hídrico, e a sua legalidade está sendo questionada por nós e pelo Ministério Público. Atualmente, aguarda-se decisão judicial sobre a realização de perícia técnica”, destaca Beatriz acrescentando que enquanto os lucros dessas corporações são privatizados, os prejuízos, infelizmente recaem sobre a sociedade.
Fotos: Moisés Silva/Folha de Brumadinho