A Justiça Federal do Ceará decidiu que a concessionária que vai administrar o Parque Nacional de Jericoacoara não pode cobrar ingresso para quem vai visitar apenas a Vila de Jeri, que fica dentro da unidade de conservação. A medida foi questionada pela prefeitura e moradores, que entenderam se tratar de um pedágio.
A decisão liminar foi dada hoje pelo juiz Sérgio de Norões Milfont Júnior, da 18ª Vara Federal de Sobral, que atendeu o pedido feito em ação civil pública movida pelo município de Jijoca de Jericoacoara contra União, ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade) e a Urbia Cataratas Jericoacoara S.A., que é a empresa vencedora do leilão. “Não se pode também desvirtuar a concessão de Parque Nacional para a instituição de mero pedágio”, disse na decisão.
A cobrança de ingresso para o acesso a uma vila turística preexistente fere, ainda, os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, previstos de forma implícita no art. 37 da Constituição Federal, e reconhecidos pela jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Federal como limites à atuação da Administração Pública.
Sérgio de Norões Milfont Júnior
Entenda a polêmica

Imagem: Vila Gallina/Divulgação/Facebook
O centro da disputa é porque a vila é uma propriedade municipal e não integra o Parque Nacional de Jericoacoara, mas é circundada por ele, de forma que todos os caminhos terrestres de acesso ao local são necessariamente realizados através do parque – uma propriedade federal gerida pelo ICMBio.
Em 2024, o ICMBio realizou uma licitação que resultou na concessão dos serviços de apoio à visitação, revitalização, modernização, operação e manutenção turística no parque, que foi vencida pela Urbia.
O contrato de concessão tem duração de 30 anos e prevê que a concessionária poderá cobrar ingresso para acesso ao parque nos valores máximos estipulados de R$ 50 (no primeiro ano) a R$ 120 (a partir do quarto ano da concessão). Essa taxa incluiria aqueles turistas que iriam apenas passar para ter acesso à vila, o que foi questionado.
O contrato também previu a isenção da cobrança para moradores, familiares, frequentadores e trabalhadores da vila, bem como para moradores dos municípios vizinhos, desde que devidamente cadastrados e identificados. No entanto, como o local recebe pessoas de todo o mundo, a medida foi considerada ineficaz em garantir o livre acesso a quem quer ir apenas à vila.
São quatro acessos para chegar por terra à vila, todas passando por dentro do parque. São eles:
- via praia do Preá
- Lagoa Grande
- Mangue Seco
- Guriú

Imagem: Portal Jericoacoara
Segundo alegou a Prefeitura de Jijoca de Jericoacoara, a cobrança de ingresso para turistas causará “grave prejuízo social e econômico à comunidade local”, cujo sustento depende do turismo.
Além disso, citou-se que, durante as audiências públicas, ficou entendido que não haveria cobrança para quem fosse apenas a vila —argumento aceito pelo juiz.
A boa-fé objetiva impõe a todas as partes, especialmente à Administração, o dever de agir com lealdade, transparência e respeito mútuo, mesmo antes da formalização de um contrato. Assim, os atos e declarações realizados durante as audiências públicas geram efeitos jurídicos que limitam a liberdade de atuação posterior, vinculando as partes aos compromissos e expectativas razoavelmente criados. Ignorar essa vinculação seria admitir uma atuação arbitrária e desconectada dos princípios constitucionais que regem a atuação administrativa.
Sérgio de Norões Milfont Júnior
Além disso, o município alega que a cobrança interfere indevidamente na gestão do território e na livre circulação de pessoas, violando assim o direito de ir e vir.
Acionadas, ICMBio e Urbia defenderam a legalidade da cobrança no contrato de concessão e disse que ofertou direito a pessoas que moram, trabalham e vivem próximas à vila. No entanto, o juiz entendeu que a empresa pode apenas cobrar para entrada em passeios no parque, como na duna do pôr do sol, a pedra furada, a árvore da preguiça e as diversas lagoas.
O que não é razoável é que a concessão se baseie na cobrança de ingresso de quem pretende apenas chegar à Vila, sem qualquer interesse nos atrativos que se localizam dentro do parque.
Sérgio de Norões Milfont Júnior.

Imagem: Conselho Comunitário de Jeri
A decisão foi comemorada por prefeito e moradores.
É uma decisão que vem consolidar o direito do que foi prometido aqui para o município. Sabemos também que temos uma longa batalha ainda nesse processo, mas a gente está lutando e fazendo para que seja justo para todos. A gente não pode ter uma barreira no meio desse caminho desse paraíso. Essa vitória hoje é fruto da luta e do desejo da população de sempre visitar Jericoacoara da melhor forma, com sua liberdade, com seu meio ambiente preservado.
Leandro Cezar (PP), prefeito de Jijoca de Jericoacoara
Todos nós estamos vibrando de tanta felicidade pela conquista. Não vamos permitir que as verdades ditas nas audiências sejam esmagadas, Lutaremos sempre que for preciso pelos nossos direitos e de todos aqueles que vierem à nossa casa. A vila de Jeri é de todos, não é pacote da Urbia ou produto do ICMBio.
Lucimar Marques, presidente do Conselho Comunitário de Jericoacoara
O ICMBio afirmou que irá “buscar os meios legais para o cumprimento do contrato de forma a garantir a ordenação da visitação e proteção do espaço natural”.
A coluna também procurou Urbia, que informou que, até esta terça-feira (6) não havia sido intimada. “A empresa reitera o compromisso com a legalidade, a transparência e a promoção do uso público sustentável do Parque Nacional de Jericoacoara, sempre em diálogo com os órgãos competentes e com a sociedade”, diz, em nota.
FONTE: UOL