Após recurso da Federação dos Quilombolas de Minas, desembargador que autorizou desapropriação decidiu que caso deve ser repassado à Justiça Federal
Após autorizar a mineradora CSN a remover um casal de idosos da casa centenária para implantação de uma pilha de rejeitos na zona rural de Congonhas, na região Central, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) voltou atrás e suspendeu a liminar que repassava a posse da propriedade à empresa. A decisão monocrática, assinada pelo mesmo desembargador que autorizou a remoção, foi publicada na última segunda-feira (21/7).
O TEMPO teve acesso à decisão do desembargador Octávio de Almeida Neves, que analisou um recurso feito pela Federação das Comunidades Quilombolas do Estado de Minas Gerais (N’Golo). A entidade alegou que a desapropriação do terreno na comunidade quilombola de Santa Quitéria, autorizada pelo governador Romeu Zema (Novo) em julho de 2024, ignorou a Organização Internacional do Trabalho (OIT), que veda a remoção de povos tradicionais.
A federação também argumentou que a remoção das famílias acontece antes mesmo do início do processo de licenciamento ambiental do projeto de expansão da CSN. A filha de Seu João e Dona Geralda, Danila Fernanda de Paula, de 44 anos, celebrou a decisão favorável à sua família.
“A emoção de ver meu pai, meu irmão, dar notícia para eles… foi maravilhoso. Meu irmão já estava ficando sem voz, sem esperança, né? Agarrando com Deus, Nossa Senhora. Tá todo mundo muito satisfeito”, disse emocionada a filha do casal. “É uma sensação maravilhosa, uma sensação de paz, de sossego. Mas a luta ainda continua, né?”, completou.

Caso será repassado à Justiça Federal
Diante do reconhecimento do local como comunidade remanescente de quilombo pela Fundação Palmares, ocorrida a última sexta-feira (18/7), o magistrado citou que a legislação prevê que, neste casos, cabe ao Ministério do Desenvolvimento Agrário, por meio do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), a “competência para a identificação, o reconhecimento, a delimitação, a demarcação e a titulação das terras ocupadas por remanescentes das comunidades quilombolas”.
“Diante desses fatos, por prudência, entendo como necessário suspender a desapropriação forçada, mantendo-se o acordo declinado pelo Oficial de Justiça no mandado, até que seja aferida a existência, ou não, do interesse do INCRA e da União no presente feito”, completou o desembargador.
Por fim, Neves reconheceu a “incompetência absoluta da Justiça Estadual”, determinando o envio dos processos ao Tribunal Regional Federal da 6ª Região. Com isso, o processo será encaminhado à Justiça Federal, que deverá decidir se há interesse direto de órgãos federais na causa. Enquanto isso, os idosos permanecem em sua casa e não podem ser removidos.
A mineradora CSN foi procurada por O TEMPO para comentar a decisão da Justiça, mas, até a publicação, a empresa ainda não tinha se manifestado sobre a suspensão da imissão de posse e repasse dos processos para a Justiça Federal.
Relembre o caso
Como O TEMPO revelou no último dia 16, a CSN Mineração move ações judiciais contra diferentes famílias de Santa Quitéria, incluindo João Batista, 74, e Maria Geralda, 66, com o objetivo de obter a posse de imóveis rurais. A mineradora afirma que precisa da área para implantar a “Pilha de Rejeito Filtrado Sul Maranhão 1”, estrutura destinada ao depósito de rejeitos da mineração e que garantiria a continuidade da operação da empresa nos próximos anos.
A decisão anterior, que autorizava a remoção do casal, havia sido concedida de forma monocrática também pelo desembargador Octávio de Almeida Neves, do TJMG. “A desapropriação não afeta apenas os quilombolas João Batista de Paula e Maria Geralda de Paula, réus na ação originária, mas toda a comunidade quilombola de Santa Quitéria”, argumentou a Federação das Comunidades Quilombolas de Minas Gerais (N’Golo) no recurso que levou à nova decisão.
A organização denunciou também que a CSN estaria promovendo um “fatiamento judicial”, movendo ações separadas contra diferentes famílias. “Estamos diante de um conflito fundiário coletivo, e não um mero conflito individual como fraudulentamente pretende a mineradora fazer este juízo acreditar, por meio da estratégia jurídica de ajuizar diversas ações judiciais, cada uma contra uma família quilombola de Santa Quitéria”, completou a N’Golo no processo.
Além da família de João e Maria, pelo menos outras duas famílias de Santa Quitéria também são alvo de ações semelhantes. Em outra reportagem, O TEMPO revelou que o projeto da pilha de rejeitos também ameaça áreas ocupadas por outras famílias da comunidade, que está em processo de regularização fundiária e aguarda estudos do Incra para delimitação do território tradicional.
FONTE: O TEMPO