Anuário Brasileiro de Segurança Pública atualiza dados sobre a violência em todos os estados do país
O Brasil registrou 44.127 mortes violentas intencionais em 2024, seguindo uma tendência de queda nos assassinatos que teve início em 2018, mostram dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública divulgados nesta quinta-feira (24/7) — ou seja, esse movimento começou no fim do governo de Michel Temer (MDB) e continuou nas gestões de Jair Bolsonaro (PL) e Lula (PT).
O resultado do ano passado é o menor da série histórica, que começou em 2011, e representou uma queda de 5% em relação a 2023 (o primeiro do petista) e de 8% em relação a 2022 (o último do capitão reformado).
O índice de mortes violentas intencionais é uma soma das estatísticas de homicídios dolosos, latrocínios, lesões corporais seguidas de morte e letalidade policial. A metodologia foi desenvolvida pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, que produz o estudo.
Por outro lado, crimes como estupro e estupro de vulnerável (quando a vítima tem menos de 14 anos ou não está em condição de consentir) tiveram novo recorde de registros, com 87.545 ocorrências em 2024, sendo a maior parcela (76,8%) contra vulneráveis. Isso quer dizer que houve, em média, um caso registrado a cada seis minutos. Dado que o crime tem alto grau de subnotificação, o aumento pode ser entendido como uma maior disposição das vítimas ou de seus responsáveis para denunciar os casos.
Mortes por intervenção policial
As mortes decorrentes de intervenção policial foram 6.243 em 2024. Houve queda de 2,7% na comparação com 2023 (6.413 mortos), em ritmo menor do que a redução geral de assassinatos. Isso fez com que, no universo das mortes violentas intencionais do país, aumentasse a proporção da letalidade policial. Entre as 27 unidades da federação, 12 tiveram aumento nas mortes causadas por policiais, o que freia uma queda ainda maior da violência.
Esse cenário já vem se repetindo nos últimos anos. Enquanto o total de mortes violentas em todo o país teve uma redução de 31% na comparação de 2024 com 2017 (o último ano antes do início da queda), o número de pessoas mortas por policiais teve um aumento de 21% nesse mesmo período – foi de 5,179 casos para 6.243.
Mesmo com a queda contínua nas estatísticas de homicídios desde 2018, com exceção de um aumento em 2020, a preocupação com a segurança aumentou no país. Em abril deste ano, pesquisa Datafolha mostrou que mais da metade dos brasileiros (58%) percebia aumento da criminalidade.
O tema também aparece entre as três maiores preocupações dos brasileiros no último levantamento do instituto. O governo Lula tenta aumentar o protagonismo federal no tema com a PEC da Segurança, que atualmente tramita no Congresso.
Amapá é estado mais violento, e mortalidade aumenta em Minas
Entre as unidades da federação, o Amapá continua a figurar como a mais violenta, com 45,1 mortes a cada 100 mil habitantes, embora o estado tenha registrado diminuição na comparação com 2023. Na outra ponta da lista está São Paulo, com 8,2 mortos por 100 mil habitantes, apesar de ser um dos quatro estados com aumento na mortalidade em 2024, contrariando a tendência nacional.
Junto a SP, que registrou 7,5% de aumento, estão Maranhão (12,1%), Ceará (10,9%) e Minas Gerais (5%). Santa Catarina manteve-se estável, e outras 22 unidades da federação tiveram quedas na taxa de mortes violentas.
Localizada na região metropolitana de Fortaleza, Maranguape (CE) foi a cidade mais violenta do Brasil entre aquelas com 100 mil habitantes ou mais, 79,9 mortes violentas intencionais por 100 mil hab. — ou 87 vítimas em números absolutos. O município reflete problemas de outros locais no Brasil, principalmente no Nordeste, que têm nas disputas entre facções criminosas um dos principais fatores de violência, diz o Anuário. No caso de Maranguape, os embates ocorrem entre o Comando Vermelho (que tem origem no Rio) e os Guardiões do Estado (um grupo local).
Os quatro estados onde a violência cresceu também lideram o aumento da letalidade policial. Entre eles, São Paulo teve o aumento mais expressivo: o número de mortos por policiais foi de 504 para 813, alta de 61%. Houve queda nos homicídios, mas piora nos latrocínios e lesões corporais seguidas de morte, que ajudam a explicar o aumento da violência em solo paulista, junto das mortes causadas pelas forças de segurança.
Um dos casos que marcou o ano passado foi o do estudante de medicina Marco Aurélio Cárdenas Acosta, morto aos 22 anos com um tiro na barriga disparado por um PM dentro de um hotel na Vila Mariana durante uma abordagem feita por dois agentes.
Para o pai do jovem, o professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) Júlio César Acosta Navarro, a justiça ideal seria ter o filho de volta. “Mas sei que isso é uma coisa divina e que somos seres humanos. Então o que persigo é a justiça dos homens, que esses assassinos sejam sentenciados às penas máximas. Já se passaram oito meses”.
O médico critica o desenrolar e o prazo do processo. “E isso através de mecanismos como a delegada que não mandou prender, a juíza que não mandou prender, o desembargador que não mandou prender, [os policiais] andam soltos por falhas e crimes de outras autoridades. A cada manhã que me levanto eu penso de que maneira vou lutar”.
Violência contra a mulher
Os dados indicam que, em 2024, quatro de cada dez homicídios de mulheres tiveram motivação ligada a gênero, sendo caracterizados como feminicídio, que chegou ao número mais alto de casos desde a aprovação da lei sobre o crime em 2015. Foram 1.492 vítimas — 63,6% delas negras — em um total de 3.700 mulheres mortas. Enquanto o número total de assassinatos registrou queda ante as 3.937 mortes de 2023, o indicador do feminicídio patinou para cima (1,2%) na comparação com os 1.475 óbitos do ano retrasado.
Dados do 190 mostram que, a cada minuto, ao menos duas pessoas acionaram a Polícia Militar para notificar um caso de violência doméstica em 2024.
Apesar da queda geral de mortes violentas intencionais no país, o número de vítimas cresceu entre adolescentes de 12 a 17 anos. Foram registradas 2.103 vítimas nessa faixa etária, 67 a mais do que no ano anterior.
Esse aumento de mortes também foi impulsionado pela violência policial. Em 2024, praticamente uma a cada cinco mortes violentas de crianças e adolescentes ocorreu pelas mãos da polícia, segundo os dados do Anuário. Houve um crescimento de 15,7% na participação da polícia nessa estatística.
Os dados também mostram mudanças no perfil de crimes patrimoniais, com quedas em roubos e furtos de celular. Mas os crimes relacionados aos aparelhos fazem parte de uma nova governança do crime, segundo o Anuário, que busca bens e recursos das vítimas por meio de golpes e fraudes.
Com isso, o registro de estelionato tipo de crime bateu 2,16 milhões de casos, maior quantidade da série histórica publicada pelo Fórum, iniciada em 2018. O desafio, segundo a organização, é enfrentar um crime que não tem fronteiras geográficas e que supera limites políticos e administrativos, exigindo mais investimentos para investigação e perícia.
Uma pesquisa Datafolha para avaliar o impacto dos crimes na internet e contra o patrimônio no país estimou que os prejuízos para brasileiros podem ter chegado a R$ 186 bilhões em 2023 e 2024. O valor considera tanto o lucro dos criminosos quanto os gastos para as vítimas, como substituir um celular roubado.
Parte da queda de roubos de celulares também estaria ligada, segundo o Anuário, à classificação dos crimes com os celulares como alvo, que estariam sendo registrados pelas polícias majoritariamente como furtos quando há o uso de bicicletas ou motocicletas para a subtração de celulares.
LGBTfobia e racismo
A qualidade dos registros é um problema, segundo a pesquisa, para a análise dos crimes de racismo e daqueles praticados contra a população LGBTQIAPN+. Um exemplo é o fato de nem todos os estados classificarem crimes de injúria racial dentro da categoria de racismo, e falta uniformidade para classificar homicídios relacionados a gênero ou orientação sexual.
Os registros de injúria tiveram aumento de 42% na comparação de 2024 (18.200 denúncias) com 2023 (12.813). Já os casos de racismo foram 18.923 no ano passado, ante 14.919 denúncias em 2023, com alta de 26,3%.
Os dados do Anuário mostram, ainda, que a população carcerária cresceu 6, 3% e chegou ao total de 906 mil pessoas privadas de liberdade. O número considera aqueles que estavam em regime fechado, semiaberto, aberto, prisão domiciliar e cumprindo alguma medida de segurança.
Mato Grosso do Sul e Rio de Janeiro impulsionaram esse crescimento, com altas de 33,5% e 33% no número de presos em suas unidades. Ao mesmo tempo, o número de adolescentes cumprindo medidas socioeducativas em regime fechado cresceu de 2023 para 2024, após um período de queda nos seis anos anteriores.
Havia 12 mil adolescentes privados de liberdade ao final do ano passado, cerca de 300 a mais do que em 2023. Em comparação com 2018, são cerca de 12,5 mil adolescentes a menos nas unidades que internam aqueles que cumprem medidas socioeducativas.
FONTE: O TEMPO