Programa estadual que integra o Paraná Amigo da Pessoa Idosa oferece meio salário mínimo a cuidadores familiares, começa em fase piloto em 20 cidades e reacende o debate sobre envelhecimento, redes de apoio e profissionalização do cuidado domiciliar no Brasil.
O Governo do Paraná começou, em dezembro de 2025, a pagar a Bolsa Cuidador Familiar a famílias que cuidam de idosos em situação de dependência dentro de casa. O benefício mensal de R$ 759, equivalente a meio salário mínimo nacional em 2025, é voltado a cuidadores que já realizam esse trabalho há anos, muitas vezes de forma invisível.
O programa integra o Paraná Amigo da Pessoa Idosa, política estadual criada pela Lei 22.189/2024 e regulamentada pelo Decreto 11.588/2025, que organiza uma rede de atenção específica para a população idosa.
A iniciativa foi oficialmente estruturada ao longo de 2025 e inclui, além da bolsa financeira, instrumentos para apoiar municípios, qualificar serviços e monitorar resultados.
Na prática, a proposta reconhece que o cuidado domiciliar de idosos deixou de ser apenas uma questão privada da família. O envelhecimento rápido da população, o aumento de doenças crônicas e a dependência funcional tornaram as rotinas de cuidado mais complexas e arriscadas quando não há orientação técnica.
Ao mesmo tempo, o novo benefício também expõe dilemas conhecidos dos especialistas. De um lado, representa alívio financeiro e reconhecimento simbólico de um trabalho intenso e pouco valorizado. De outro, levanta dúvidas sobre o valor pago, a cobertura limitada e o risco de deslocar para as famílias responsabilidades que deveriam ser compartilhadas com o Estado e com serviços estruturados de saúde e assistência social.
Bolsa Cuidador no Paraná: valor, critérios e fase piloto
A Bolsa Cuidador Familiar nasce ancorada em um marco legal próprio. A lei estadual que instituiu o programa Paraná Amigo da Pessoa Idosa definiu linhas gerais de apoio à população idosa, e o decreto de outubro de 2025 regulamentou a bolsa como um dos principais instrumentos para fortalecer o cuidado em casa. Segundo o governo, o benefício tem caráter continuado, mas dependerá de avaliação periódica e disponibilidade orçamentária.
O valor é de meio salário mínimo nacional, hoje R$ 759, pago mensalmente a familiares que cuidam de pessoas idosas com fragilidade clínico funcional e em situação de dependência. Para ter direito, o cuidador precisa ter pelo menos 18 anos, morar com o idoso, estar inscrito no CadÚnico e ter renda familiar per capita de até um salário mínimo, entre outros critérios definidos nas normas estaduais.
A implementação começou em fase piloto, com 300 benefícios distribuídos em 20 municípios paranaenses, como Londrina, Cascavel, Guarapuava e Ponta Grossa, em média 15 bolsas por cidade.
O governo afirma que a expansão para outras localidades será gradual, à medida que os municípios aderirem ao programa e estruturarem comitês e cadastros locais. Especialistas, porém, chamam atenção para o fato de que o número de vagas ainda é pequeno diante da quantidade de idosos dependentes em todo o estado.
Envelhecimento acelerado pressiona famílias e políticas públicas
Os dados demográficos ajudam a explicar a urgência da medida. Projeções do IBGE mostram que a proporção de pessoas com 60 anos ou mais quase dobrou entre 2000 e 2023, passando de 8,7 por cento para 15,6 por cento da população brasileira. Em 2070, cerca de 37,8 por cento dos habitantes do país serão idosos, o que corresponde a mais de 75 milhões de pessoas.
Essa mudança tem impacto direto dentro das casas. Estudos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) indicam que cresce ano após ano o número de idosos que precisam de ajuda para atividades básicas como higiene, alimentação e mobilidade, o que caracteriza uma situação de dependência funcional.
A pesquisa mostra que milhões de brasileiros idosos já declaram precisar dessa ajuda diariamente, o que pressiona famílias e sistemas de proteção social por soluções mais duradouras e organizadas.
Cuidar de idoso em casa exige técnica, organização e segurança
O cuidado com idosos dependentes envolve muito mais do que companhia afetiva. A gerontóloga Ana Paula Simões, pesquisadora ligada à UFPR, lembra que administrar medicamentos nos horários corretos, organizar a higiene, prevenir quedas e observar mudanças de comportamento são tarefas que pedem conhecimento específico. Pequenos erros nessas rotinas podem desencadear descompensações clínicas, quedas graves ou internações evitáveis.
A Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG) reforça, em seus materiais técnicos, que o aumento de doenças crônicas, síndromes de fragilidade e quadros de demência deixa o cuidado cada vez mais complexo. Para a entidade, garantir qualidade de vida passa por preservar a funcionalidade do idoso, o que inclui rotinas bem planejadas, ambientes adaptados e cuidadores capacitados, formais ou familiares.
Publicações do Ministério da Saúde sobre segurança do paciente no domicílio apontam riscos recorrentes em casas de idosos. Entre eles estão erros na dose ou no horário dos remédios, pouca oferta de água, ausência de supervisão em momentos críticos e falta de adaptação de ambientes, como banheiros sem barras de apoio e escadas sem corrimão. Essas falhas, vistas como detalhes por muitas famílias, aparecem entre os fatores que mais levam a internações que poderiam ser evitadas.
Por isso, especialistas defendem que programas de transferência de renda, como a Bolsa Cuidador, precisam vir acompanhados de orientação estruturada, capacitações simples e acompanhamento periódico por equipes de saúde e assistência social. Visitas domiciliares, materiais educativos e canais de apoio remoto podem ajudar o cuidador familiar a tomar decisões mais seguras no dia a dia, reduzindo a sensação de isolamento que muitas vezes acompanha essa função.
No caso do Paraná, o desenho da política prevê a utilização de um Cadastro Estadual de Cuidadores, além de avaliações presenciais em parceria com as redes municipais de saúde e assistência social. A intenção declarada pelo governo é fortalecer redes de apoio comunitário, garantindo que o idoso permaneça em casa com dignidade, mas dentro de um sistema que monitora critérios, resultados e possíveis situações de risco.
Profissionalização do cuidado e crescimento de serviços especializados
A criação da Bolsa Cuidador também dialoga com um movimento mais amplo de profissionalização do cuidado de idosos. Reportagens recentes mostram que empresas especializadas em cuidadores, como a paranaense Geração de Saúde, têm registrado aumento na procura por orientação técnica, supervisão de enfermagem e rotinas estruturadas para famílias que já cuidam de seus parentes em casa.
Nessa lógica, o apoio financeiro estatal tende a conviver com a busca por serviços privados ou comunitários que complementem o cuidado familiar. Em vez de substituir a presença de filhos e netos, equipes profissionais podem organizar escalas, padronizar procedimentos e oferecer suporte em situações de maior gravidade. A combinação entre cuidado familiar e apoio especializado é vista por muitos geriatras como uma das saídas mais realistas para lidar com o envelhecimento em massa da população brasileira.
Estudos do Ipea sobre trabalho de cuidado lembram, porém, que essa é uma atividade majoritariamente feminina e ainda pouco reconhecida como ocupação formal, o que pode gerar precarização se a expansão não vier acompanhada de direitos trabalhistas e regulação adequada.
Nesse cenário, programas como a Bolsa Cuidador podem ser uma porta de entrada importante para dar visibilidade ao tema, mas também desafiam gestores e sociedade a pensar como distribuir de forma mais justa os custos e responsabilidades do cuidado de longa duração.




