Discussão ligada ao Projeto de Lei nº 4/2025 reacende o debate sobre quem deve ter proteção obrigatória na sucessão e como ficam famílias recompostas.
A comissão responsável pelo anteprojeto do novo Código Civil levou ao centro do debate uma mudança sensível no direito sucessório, a retirada do cônjuge da lista de herdeiros necessários.
A proposta mexe com a lógica de proteção mínima na herança e pode influenciar a forma como casais e famílias planejam patrimônio, especialmente quando existem filhos de relações anteriores.
O tema ganha peso porque o Código Civil de 2002 colocou o cônjuge ao lado de descendentes e ascendentes, garantindo participação obrigatória na herança em diversas situações.
O que aconteceu e por que isso chamou atenção
O Código Civil de 2002 mudou regras importantes do direito sucessório em relação ao modelo de 1916. Uma das mudanças mais marcantes foi incluir o cônjuge no rol de herdeiros necessários.
Na prática, isso aproximou o cônjuge de filhos e pais do falecido na proteção patrimonial mínima, com impacto direto na divisão da herança.
A justificativa histórica passou por um cenário em que muitas vezes havia dependência econômica e menor autonomia patrimonial dentro do casamento, o que reforçava a ideia de proteção.
Por que o cônjuge pode deixar de ser herdeiro necessário
Com o passar dos anos, as famílias passaram a assumir novas configurações, com mais frequência de divórcio, separação e recomposição familiar. Esse movimento aumentou situações em que há cônjuge atual e descendentes de vínculos anteriores.
Ao mesmo tempo, cresceram as leituras que destacam maior independência financeira e individualidade patrimonial entre os cônjuges, reduzindo o papel do cônjuge como parte vulnerável em muitos casos.
Esse contexto abriu espaço para repensar a posição do cônjuge no direito sucessório, com foco em como equilibrar autonomia privada e proteção familiar.
O que muda na prática com o Projeto de Lei nº 4/2025
O Projeto de Lei nº 4/2025 prevê que o cônjuge volte ao status do século passado, deixando de ser herdeiro necessário previsto no artigo 1.845.
Com isso, o cônjuge passaria a ser apenas herdeiro legítimo, chamado a herdar na terceira classe de sucessores e sem concorrência com filhos e pais do falecido.
A mudança reforça a primazia do vínculo consanguíneo em relação ao vínculo matrimonial, com a ideia de que filhos e pais ocupam posição de maior relevância no núcleo sucessório.
Meação continua, mas herança pode encolher em vários cenários
A proposta não altera a regra da meação. O cônjuge sobrevivente continua com a parte que decorre do vínculo conjugal, mantendo a proteção sobre bens adquiridos durante o casamento.
O impacto tende a ser menor para casais sob separação convencional de bens, já que o patrimônio é tratado de forma independente durante a união e isso se reflete no falecimento.
Em regimes de comunhão de bens, a alteração pode reduzir a redistribuição patrimonial quando existirem bens particulares fora da meação. Nesses casos, o cônjuge pode ficar com uma parcela inferior, já que perde a concorrência com ascendentes ou descendentes.
Relação entre cônjuge atual e filhos de casamentos anteriores
A mudança pode afetar diretamente famílias recompostas. O falecido que contrai novo matrimônio e deixa descendentes de outra relação passaria a não exigir que esses filhos dividam a herança com o cônjuge sobrevivente, na parte sucessória.
Isso tende a reorganizar expectativas dentro de famílias com múltiplas relações pessoais e patrimoniais, alterando a forma como o patrimônio final é partilhado.
O debate também envolve a intenção de muitos casais ao definir, ainda em vida, o regime de bens e os limites entre patrimônio individual e patrimônio comum.
Pontos de atenção e dúvidas comuns
A discussão levanta dúvidas sobre a adequação do direito sucessório à modernização das famílias brasileiras e sobre qual deve ser a proteção mínima conferida ao casamento após 23 anos de vigência do modelo atual.
Também chama atenção o intervalo histórico das reformas: a passagem de aproximadas oito para duas décadas entre alterações do Código Civil, já que o texto anterior ao vigente remonta a 1916.
No centro da análise está o equilíbrio entre liberdade de escolha sucessória, segurança familiar e o peso dado aos laços consanguíneos em comparação com os vínculos conjugais.
A proposta de retirar o cônjuge do rol de herdeiros necessários coloca em evidência uma mudança estrutural no direito sucessório e seus efeitos sobre a divisão da herança.
Se aprovada, a medida mantém a meação, mas pode reduzir a participação do cônjuge na parte hereditária, sobretudo quando houver descendentes ou ascendentes, exigindo atenção redobrada ao planejamento patrimonial dentro das famílias.





