Da expansão com centenas de lojas e crédito próprio ao colapso em meio a inflação, importados, juros altos e má gestão, Mesbla, Arapuã e Mappin viraram retratos vivos do auge e da queda no varejo brasileiro
O país já viu redes que pareciam invencíveis dominar vitrines, carnês e corredores lotados, mas também viu essas mesmas marcas desaparecerem quase de repente. É essa trajetória, de potência a memória, que explica por que Mesbla, Arapuã e Mappin ainda ecoam no varejo brasileiro.
Ao olhar para o que essas empresas acertaram e onde elas quebraram, dá para entender como o varejo brasileiro mudou com a economia, com o crédito, com a concorrência e com o ritmo de decisão dentro das companhias.
Mesbla: de filial estrangeira a potência nacional do varejo brasileiro
A história começa em 1912, no Rio de Janeiro, quando uma empresa francesa abre uma filial para atuar com carros e peças.
A virada vem em 1924, quando a operação é reorganizada e passa a ganhar identidade própria. Em 1939, o nome é abreviado e nasce a Mesbla, estratégia que ajuda a consolidar uma marca “brasileira” em um período de tensões internacionais.
Com o tempo, a Mesbla muda o foco e se torna um ícone do varejo brasileiro ao apostar em lojas de departamento e variedade extrema.
Era o tipo de loja onde cabia praticamente tudo, de itens domésticos a automóveis, crescendo em capitais e interior com unidades gigantes e milhares de funcionários.
No auge, a Mesbla chegou a operar com 180 pontos de venda, quase 30 mil funcionários e cerca de 250 mil tipos de produtos. O gigantismo parecia sinal de força, mas também aumentava complexidade, custos e o risco de perder agilidade quando o mercado mudasse.
Quando a complexidade vira fraqueza: burocracia, erros e imagem em queda

A partir do fim dos anos 1970 e ao longo dos anos 1980, a empresa enfrenta concorrência mais moderna e passa a conviver com dificuldades financeiras.
Para tentar se manter relevante no varejo brasileiro, investe em reorganização interna, marketing, catálogos de compras e expansão para várias frentes, como serviços financeiros e outras subsidiárias.
Só que nem toda inovação funcionou. Uma tentativa de importar câmeras mais baratas, com qualidade inferior e problemas de assistência e reposição, prejudicou a imagem no setor de eletrônicos.
Em paralelo, a estrutura ficou pesada, com muitos diretores envolvidos nas decisões e lentidão para reagir ao que o consumidor queria.
Quando a economia aperta e a competição acelera, essa lentidão custa caro. No varejo brasileiro, tempo de resposta costuma ser tão decisivo quanto preço.
Inflação, Plano Collor, importados e juros: o cenário que esmagou as gigantes
A instabilidade econômica, com inflação alta, derruba poder de compra e dificulta operação. No início dos anos 1990, o Plano Collor congela recursos e o consumo desaba. A Mesbla, que acumulou estoques esperando demanda, fica com mercadoria encalhada e caixa pressionado.
Depois, com a abertura para importações e a chegada de redes internacionais, a disputa no varejo brasileiro sobe de nível. Produtos e marcas estrangeiras passam a dominar vitrines, e redes mais ágeis ganham espaço. O que era escala vira amarra, porque qualquer correção interna leva tempo demais.Play Video
Ricardo Mansur, a tentativa de fusão e o colapso final da Mesbla
Com dívidas elevadas, a Mesbla vende o controle para Ricardo Mansur, que também tinha o Mappin e queria integrar operações. No papel, a fusão prometia sinergia.
Na prática, a crise era profunda, fornecedores e aluguéis viram problema, e o grupo perde credibilidade.
A Mesbla entra em concordata em 1996 e passa a enfrentar logística desregulada, falta de produto em algumas lojas e excesso em outras. A tentativa de “resgate” não se sustenta.
Em 24 de agosto de 1999, a última unidade fecha as portas e a falência encerra quase um século de trajetória. O nome fica, sobretudo, na memória afetiva, com tentativas posteriores de retorno no digital.
Arapuã: a rainha do crediário e o auge popular do varejo brasileiro
Se a Mesbla simbolizava o grande departamento, a Arapuã virou sinônimo de eletrodoméstico popular. A história começa em 1957, em Lins, no interior paulista. O salto vem quando a empresa percebe o potencial de especialização e, sobretudo, de crédito ao consumidor.
Com a criação do crediário próprio, a Arapuã financia o acesso a geladeira, televisão e fogão para milhares de famílias. Foi uma revolução silenciosa no consumo, que ajudou a empresa a crescer com força no varejo brasileiro, especialmente fora das capitais, onde a concorrência era menor.
Nos anos 1990, após reestruturação e decisões estratégicas, a Arapuã chega ao auge. Em 1996, atinge faturamento bilionário, opera com mais de 500 lojas e vira presença inevitável em centros urbanos, com publicidade marcante e forte apelo popular.
O tombo da Arapuã: inadimplência, juros altos e concorrência por todos os lados
O que sustentou a Arapuã também virou seu ponto fraco. Com crise e aumento de inadimplência, o crédito que impulsionava vendas passa a corroer o caixa.
A partir da segunda metade dos anos 1990, o cenário piora: competição de redes maiores, avanço de hipermercados vendendo eletrodomésticos e encarecimento do crédito com juros mais altos.
A empresa entra em concordata em 1998, tenta sobreviver com restrição de crédito e ajustes, mas a crise se aprofunda. Fornecedores, funcionários e consumidores sofrem com a instabilidade.
A falência é decretada em 2002 e o encerramento das operações ocorre em 2003. No varejo brasileiro, a confiança some rápido quando o crediário falha.
Mappin: experiência, prestígio e a construção do varejo brasileiro moderno
A trajetória do Mappin começa muito antes, em 1775, na Inglaterra, com uma oficina de pratarias que vira marca de prestígio.
No Brasil, a presença se fortalece a partir de 1912, e em 1913 nasce a loja de departamento em São Paulo, com vitrines e um formato de compra que muda hábitos.
A mudança para um prédio maior em 1919, com dezenas de departamentos, consolida a ambição. Um incêndio em 1922 quase encerra a história, mas a empresa reage com liquidação e amplia público.
Em 1939, a inauguração de um edifício imponente ao lado do Theatro Municipal, com vários andares e dezenas de departamentos, transforma o Mappin em marco de modernidade.
A partir de 1964, com a criação de financiadora própria e carnê de crédito, o Mappin acelera vendas e amplia alcance.
Ele não vendia só produto, vendia ritual de consumo, com vitrine, circulação livre, serviço e status, um modelo que influenciou o varejo brasileiro.
O fim do Mappin: custos altos, mudança de hábito e a tempestade perfeita
Com o tempo, a estrutura grandiosa vira um desafio. Custos operacionais elevados, concorrência mais ágil e mudança no comportamento do consumidor pressionam margens. Mesmo com faturamento alto em meados dos anos 1990, as finanças entram em colapso.
Em 1996, Ricardo Mansur compra o Mappin por R$ 25 milhões e tenta reposicionar a marca, ao mesmo tempo em que adquire a Mesbla. A integração não funciona, surgem conflitos operacionais e o grupo sofre com problemas financeiros e credibilidade.
Em 1999, após a crise ligada ao banco do empresário e a falta de sustentação do grupo, o Mappin fecha as portas. Mais tarde, o nome é comprado e relançado no digital, mas a loja física vira símbolo do que o varejo brasileiro já foi.
O que Mesbla, Arapuã e Mappin ensinam sobre ascensão e colapso
As três histórias têm um padrão: crescimento com escala e crédito, seguido por dificuldade de adaptação quando o ambiente muda.
Inflação, importados, juros altos, inadimplência e concorrência pressionam, mas o fator interno pesa tanto quanto o externo: burocracia, expansão desordenada, custos altos e decisões lentas.
No varejo brasileiro, ganhar o consumidor é um trabalho diário, e perder pode ser rápido quando o caixa aperta e a confiança se quebra. Por isso essas marcas viraram memória nacional, não só por nostalgia, mas porque elas contam como o Brasil consumiu, financiou e sonhou.




