Estudo analisou níveis combinados de calor, umidade e esforço físico que o corpo humano pode tolerar baseado nas projeções de aquecimento do planeta
Há um limite de aquecimento e umidade que o corpo humano consegue suportar antes de apresentar problemas de saúde, como ataque cardíaco e insolação. Para entender em quais regiões do planeta o calor e a umidade poderiam exceder esses limites, pesquisadores simularam aumentos da temperatura global de 1,5ºC – meta assinada no Acordo de Paris em 2015 – a 4ºC, no pior cenário.
O estudo foi publicado nesta terça-feira (9) no periódico Proceedings of the National Academy of Sciences, e foi realizado em uma colaboração entre a Faculdade de Saúde e Desenvolvimento Humano da Universidade da Pensilvânia (Penn State), Universidade de Purdue e o Instituto para um Futuro Sustentável, da Purdue, nos Estados Unidos.
Temperaturas que excedem a tolerância humana já foram registradas de forma limitada e por poucas horas no Oriente Médio e no Sudeste Asiático. Esses são exemplos de regiões que poderão sofrer com ondas de calor com alta umidade – o que pode ser ainda mais perigoso.
Uma vez que o ar não absorve o excesso de umidade, a evaporação do suor do corpo humano e da umidade de infraestruturas, como climatizadores evaporativos, tem eficiência reduzida. Outros fatores ambientais, como velocidade do vento e radiação solar, também são importantes nessa questão, bem como o acesso a formas de atenuar os efeitos do calor em países de baixa renda.
Inclusive, apesar de nações menos ricas gerarem menos emissões de gases do efeito estufa do que locais mais favorecidos economicamente, o pior estresse térmico irá acontecer nelas. É isso o que aponta em comunicado Matthew Huber, professor de Ciências da Terra, atmosféricas e planetárias na Universidade de Purdue. “Como resultado, bilhões de pessoas pobres sofrerão e muitas poderão morrer. Mas as nações ricas também sofrerão com esse calor e, neste mundo interconectado, todos podem esperar ser afetados negativamente de alguma forma”, ele observa.
Aumentos consecutivos
Desde que o ser humano passou a queimar combustíveis fósseis em máquinas e fábricas durante a Revolução Industrial, as temperaturas globais aumentaram em cerca de 1ºC.
Os resultados da pesquisa mostram que um aumento de 2ºC nas temperaturas globais acima dos níveis pré-industriais poderá afetar anualmente os 2,2 bilhões de habitantes do Paquistão e do Vale do Rio Indo, na Índia, o bilhão de pessoas que vivem no leste da China e os 800 milhões de habitantes da África Subsaariana, ultrapassando a tolerância humana em termos de saúde.
Projetando um aumento de 3ºC, a costa leste e o centro dos Estados Unidos – da Flórida a Nova York e de Houston a Chicago – seriam afetados. Nesse cenário, o calor e a umidade a níveis que superam a tolerância humana também afetariam a América do Sul e a Austrália.
A 4°C de aumento, a cidade portuária de Al Hudaydah, no Iêmen, poderá passar por mais de 300 dias de temperaturas perigosas anualmente, por exemplo. Isso tornaria a cidade, com mais de 700 mil habitantes, quase inabitável.
“Modelos como [os da pesquisa] são bons para calcular tendências. Mas elas não preveem eventos específicos, como a onda de calor no Oregon em 2021, que matou mais de 700 pessoas, ou em Londres, que chegou a 40°C no verão passado”, comenta o bioclimatologista Daniel Vecellio, coautor do estudo. “E lembre-se: os níveis de calor [desse exemplo] estavam todos abaixo dos limites de tolerância humana que identificamos.”
Efeitos no corpo humano
Conforme o corpo aquece, há um aumento do suor e o sangue passa a ser bombeado para a pele. Com esse mecanismo, o organismo procura manter sua temperatura central perdendo calor para o ambiente, conforme explica na nota de imprensa W. Larry Kenney, professor de fisiologia e cinesiologia da Penn State.
Mas, em determinados níveis de calor e umidade, esse ajuste biológico perde a eficácia. “Se as pessoas não encontrarem uma maneira de se refrescar em poucas horas, isso pode levar à exaustão pelo calor, insolação e tensão no sistema cardiovascular, o que pode levar a ataques cardíacos em pessoas vulneráveis”, diz Kenney.
Segundo o pesquisador, a maioria das 739 pessoas que morreram em 1995 durante a onda de calor de Chicago, nos Estados Unidos, tinha mais de 65 anos e apresentava uma combinação de alta temperatura corporal e problemas cardiovasculares, levando a ataques cardíacos e outras causas de morte relacionadas ao sistema circulatório.
“O calor úmido será uma ameaça muito maior do que o calor seco”, reforça em comunicado Qinqin Kong, estudante de pós-graduação em Ciências da Terra, atmosféricas e planetárias na Universidade de Purdue e coautor do estudo. “Os governos e os formuladores de políticas precisam reavaliar a eficácia das estratégias de mitigação do calor para investir em programas que abordem os maiores perigos que as pessoas enfrentarão.”
FONTE REVISTA GALILEU