População de Casa Branca, distrito de Brumadinho, teme impactos na natureza; obra faz parte de termo firmado em 2023 para desmanche de barragens
O impacto da passagem diária de quase 2 mil caminhões, com 32 toneladas de rejeitos de minério cada, por uma estrada que cortará o Parque Estadual da Serra do Rola Moça é alvo da mobilização dos moradores de Casa Branca, distrito de Brumadinho, na região metropolitana de Belo Horizonte. A construção da via para escoamento do material faz parte de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) firmado entre a Mineração Geral do Brasil (MGB), a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad), o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) e o Ministério Público Federal (MPF) para o desmanche de duas barragens existentes no empreendimento da empresa.
O documento foi assinado pela empresa e pelos órgãos de Justiça ainda em 2023. Porém, segundo moradores ouvidos pela reportagem, eles só souberam do “acordo” agora, quando foi agendada a reunião do Conselho Consultivo do Parque para tratar sobre a situação, marcada para ocorrer às 14h desta segunda-feira (7 de abril). O encontro oficial acabou cancelado por “falta de quórum”.
“Esse TAC desconsidera a lei federal que impede qualquer atividade econômica, mineração e, muito menos, desmatamento de áreas dentro de unidade de conservação, que é o caso do parque. Entendemos que a empresa tem que desmanchar as barragens, mas tem que levar esse material por outro caminho que não passe no parque”, pontua o advogado Guilherme Carvalho, morador do distrito mineiro.
Segundo ele, o projeto da mineradora prevê que um trecho de 1,8 km dessa estrada passe dentro do Parque Estadual. “E isso para um tráfego diário de 1.715 caminhões de 32 toneladas cada, isso durante pelo menos 5 anos. Estamos falando de 60 mil toneladas de material trafegando dentro de uma unidade de conservação. Isso sem falar da construção da estrada em si. Por isso, ajuizamos uma ação popular na Justiça para tentar barrar esse TAC”, explicou.
Na manhã desta segunda-feira, a pedido do gabinete da deputada federal Duda Salabert (PDT), representantes dos moradores se reuniram com o MPMG. Uma das participantes da reunião, Vera Baumfeld, do Movimento das Águas e Serras de Casa Branca, diz que o principal temor dos moradores é com relação aos impactos nas águas e na qualidade do ar.
“Sem falar, é claro, na segurança nas estradas da região, que fica completamente comprometida. Nós fomos pegos de surpresa com esse TAC quando vimos na pauta do conselho. Nós, como moradores, não fomos convidados para a assinatura desse acordo, por isso estamos completamente inseguros”, pontua.
O TEMPO tentou contato com a mineradora MGB, porém, ninguém foi encontrado para comentar a denúncia dos moradores. O MPMG e o MPF também foram questionados, mas não se posicionaram. A Semad também foi procurada esta tarde, mas ainda não se manifestou. Os posicionamentos serão incluídos assim que forem recebidos pela reportagem.
Entidade questiona dados de descomissionamento
Também presente na reunião com o MPMG na manhã desta segunda, o vice-presidente do Fórum Permanente São Francisco e ex-superintendente do Ibama, Júlio Grilo, disse acreditar que as barragens B1 e B2 alvo da ação de descomissionamento não representariam um risco grande o suficiente para justificar as medidas adotadas.
“Acredito que merecia uma auditoria externa, sem qualquer vinculação com as mineradoras, para falar o estado real dessas barragens. De qualquer forma, eles não poderiam minerar e, pelo que me parece, o volume que a empresa está apontando para fazer a retirada é de 3,6 milhões de toneladas. Este é um volume muito superior ao que está dentro dessas barragens. Por isso, precisamos que estes números sejam fiscalizados”, diz Grilo.
Em consulta no sistema da Agência Nacional de Mineração (ANM), de fato as duas estruturas não estão em estado de emergência e possuem categoria de risco e danos potenciais associados no nível “baixo”. Além disso, as duas estruturas de contenção totalizam, juntas, um volume de 836 mil metros cúbicos de rejeitos de minério de ferro.
Ainda segundo o ambientalista, ele teme que a MGB faça no local o mesmo que era feito pela Empabra na serra do Curral, em Belo Horizonte. A empresa foi alvo de uma operação da PF que apontou para um esquema quase bilionário que envolvia servidores da ANM para a extração clandestina de minério dissimulada como recuperação ambiental da área.
“Nós temos que começar a analisar isso. Essa pretensa recuperação da área tinha estar completamente desvinculada da mineração. Não podemos ter essas duas coisas interligadas. Por isso, acho que, novamente, vamos precisar de uma investigação a respeito do que está acontecendo no Parque Estadual do Rola Moça”, finalizou.
O que diz a Feam?
Em nota, a Fundação Estadual do Meio Ambiente (Feam) esclareceu que o Termo em questão tem como objetivo a descaracterização das Barragens B1 e B2 da Mineração Geral do Brasil (MGB), que foram alteadas pelo método à montante e estão localizadas no interior do Parque Estadual do Rola Moça. A entidade destacou que a obrigação de descaracterizar essas barragens está prevista pela Lei 23.291/2019, e que o acordo mencionado decorre de uma ação judicial movida pelo Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) e o Estado contra a empresa.
“Em relação ao escoamento dos rejeitos armazenados, que é uma etapa fundamental para viabilizar a descaracterização das barragens, esclarecemos que, conforme estabelecido no Termo, a melhor rota para o escoamento do material será definida com base em estudos técnicos que estão sendo discutidos junto ao Instituto Estadual de Florestas (IEF) e ao Conselho do Parque”, completou a Feam.
FONTE: O TEMPO