Vida nova para a estação ferroviária de Chiador, na Zona da Mata, pioneira de Minas Gerais e com história iniciada pelas mãos do imperador dom Pedro II (1825–1891), que a inaugurou em 1869. Após décadas de expectativa – e de temor, por parte da população, pois esteve perto da completa ruína –, o imóvel em estilo neoclássico se encontra totalmente restaurado a partir de recursos de R$ 9,5 milhões da Eletrobras.
A data de inauguração ainda não foi marcada, mas poderá ocorrer ainda neste semestre. De acordo com a coordenadora de Cultura de Chiador, Nara Mariosa, estão na fase final os trâmites entre a prefeitura local e o Departamento Nacional de Infraestrutura e Transportes (Dnit) para cessão do bem antes pertencente à extinta Rede Ferroviária Federal (RFFSA) e agora de propriedade da União. “Já enviamos toda a documentação solicitada, faltando apenas o sinal verde do Dnit. A estação terá finalidade cultural”, afirmou a coordenadora.
O projeto dotou a estação de espaço para café, sala multiuso, palco para eventos na área externa e parque infantil. Moradores e visitantes terão à disposição equipamentos de acessibilidade, como plataforma elevatória para acesso ao segundo andar do prédio, banheiros amplos e moderno sistema de iluminação com postes importados da Bélgica.
Em nota, o vice-presidente de Engenharia de Expansão da companhia, Robson Campos, disse que o restauro “representa um desejo acalentado há anos pelos moradores de Chiador e região e reconecta a comunidade com sua história, renovando o orgulho por seu passado”. A edificação foi tombada como patrimônio cultural de Chiador em 2003, mas “não houve ações de conservação após o tombamento, o que tornou a restauração um desafio”.
INTERVENÇÕES
A obra reconstituiu minuciosamente os detalhes arquitetônicos da construção original. As paredes em alvenaria de pedra foram recuperadas, ficando expostas no interior do armazém, enquanto, na parte externa, todas as janelas, portas e molduras, bem como as rosáceas da fachada, também mereceram tratamento a cargo de especialistas. Para registrar as muitas transformações do edifício ao longo do tempo, a equipe responsável pelo restauro manteve um pedaço de reboco antigo e alvenaria de pedra numa pequena parte da fachada.
O prédio também ganhou nova cobertura, com as intervenções seguindo as diretrizes estabelecidas pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e pela Prefeitura de Chiador, que será responsável por dar destinação ao espaço localizado no entorno do Complexo Hidrelétrico de Simplício.
O restaurador Miguel Assad Neto, da Minas Construções e Restaurações Ltda. (contratada pela Eletrobras) trabalhou no local durante 13 meses e destaca o projeto que respeitou o sistema construtivo original, embora com necessárias adequações. “Estou há muitos anos nessa área e vejo a estação como um dos mais importantes bens no qual atuei. Na verdade, considero um divisor de águas. Estava em ruínas e, hoje, a cidade dispõe de um belo prédio histórico, que ganhou um sistema de iluminação para valorizar sua arquitetura.”

LONGA ESPERA
Se a conclusão da obra deixa felizes os moradores, redobra também a preocupação. “A estação fica a seis quilômetros do Centro do município, então é preciso muita vigilância para manter sua integridade, enquanto não está aberta ao público”, diz o jornalista Ailton Magioli, nascido em Chiador e voz que sempre se levanta em defesa do imóvel histórico. “Que ela recupere os laços perdidos nos seis quilômetros que a separam da cidade.”
Magioli lembra que a estação ferroviária foi tão importante para o município, que, no Ciclo do Café, batizou um distrito com o nome de Chiador Estação. “Outras pequenas estações da mesma época, a exemplo dos distritos de Penha Longa e Santa Fé, também fizeram história.”
A chegada da estrada de ferro a Chiador propiciou o intercâmbio com outras localidades, inclusive o litoral, e promoveu o surgimento das indústrias de laticínio e cerâmica. O intenso comércio com o Rio de Janeiro garantiu o crescimento do povoado, que, em 1880, se tornou distrito de Mar de Espanha.
O Estado de Minas vem acompanhando a situação ao longo dos anos. Numa entrevista em 2020, Magioli demonstrou preocupação com a deterioração do patrimônio e seu destino: “Há décadas, lutamos pela recuperação desse valioso bem de Chiador e de Minas. Queremos que a finalidade seja cultural e haja manutenção para não deteriorar novamente.”
Até chegar à decisão de restaurar a estação de Chiador, foi necessário recorrer à Justiça. Conforme o EM publicou em 26 de outubro de 2012, o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) ajuizou ação em Mar de Espanha, na mesma região, contra a estatal Furnas Centrais Elétricas S.A., para que a empresa restaurasse o bem cultural e não apenas o seu entorno, como compensação por construção de hidrelétrica.
Na época, o então promotor de Justiça da comarca, Daniel Ângelo de Oliveira Rangel, explicou que a estatal fora obrigada, como condicionante do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) para implantação do Aproveitamento Hidrelétrico de Simplício (AHE), a fazer o tratamento paisagístico. Rangel foi autor da ação com o então coordenador das Promotorias de Justiça de Defesa do Patrimônio Cultural e Turístico de Minas Gerais (CPPC), promotor de Justiça Marcos Paulo de Souza Miranda.
SOM DAS CORREDEIRAS
A estação foi inaugurada no antigo povoado de Santo Antônio dos Crioulos, atual município de Chiador. Segundo os especialistas, o nome é atribuído ao ‘chiado’ que as corredeiras faziam no rio Paraíba e era ouvido por ali – o rio ficava a cerca de 500 metros da estação, no ramal de Porto Novo da Estrada de Ferro Dom Pedro II. A estação constitui um exemplar arquitetônico do século 19 e um espaço considerado “lugar de memória”, de significativo valor cultural para a comunidade local e para a sociedade mineira.
- EM