29 de março de 2024 10:37

Missa campal revive história da Santa Manoelina dos Coqueiros

O sobrinho Antônio Jorge (E) admira quadro com foto de Manoelina na mesa do altar.

Uma missa campal na Fazenda Retiro Velho , distante 12 km de Entre Rios de Minas, na casa onde nasceu Manoelina Maria de Jesus, a “Santa de Coqueiros”, celebrada pelo padre José Geraldo, da Paróquia do Pereirinhas , da cidade vizinha de Desterro de Entre Rios, marcou a inauguração da estátua em homenagem à taumaturga, na tarde de sábado, dia 16. A imagem de Manoelina foi esculpida em pedra-sabão pelo artesão David Fuzatto, de Cel. Xavier Chaves, inspirada no desenho do artista entrerriano Daditto.

A exemplo do que acontecia diariamente nos idos de 1930, uma multidão de fiéis (cerca de 350 pessoas), mais uma centena de veículos, se aglomeraram dentro da modesta casa e no seu entorno, para participar do evento que faz parte de um projeto, que, de acordo com  seu idealizador, o médico José Pedro Borges, objetiva resgatar a história da “Santa de Coqueiros” como patrimônio cultural de Entre Rios de Minas, além de legitimar seu valioso trabalho assistencial de cura. “É um resgate histórico e, ao mesmo tempo, uma reparação junto aos familiares”, ponderou Borges,acrescentando que, pela primeira vez, Manoelina Maria de Jesus, católica fervorosa, recebe missa em sua homenagem”.

A estátua de Manoelina ladeada pelo artista Dadilton (E), o proprietário Maurilio (E) e o idealizador do projeto de resgate, José Pedro, pegando água.

Ao pedir “uma salva de palmas pelas virtudes e santidade de Manoelina”, Pe. José Geraldo explicou “que nós, católicos, não estamos divinizando nem aclamando ninguém como deus ou deusa. Mas os santos são exemplos para nós de vida, de fraternidade, de santidade. Se eles puderam ser santos, nós também podemos. Então, é um incentivo para nossa santificação pessoal. Além disso, intercedem a Deus por nós, cuidam de nós através das orações. Por isso, é importante a invocação dos Santos e Santas”. Na mesa improvisada como altar, embaixo de uma goiabeira, entre flores, castiçais e crucifixo, o retrato de Manoelina. Mais ao lado, a estátua em sua homenagem enfeitada com flores deixadas há mais tempo pelos devotos e em perfeito estado.

A reabertura do local para visitação pública é desejo do proprietário Maurilio de Oliveira Resende, que pretende construir uma passagem tipo “vai e vem” para permitir o acesso das pessoas  “que queiram desfrutar da paz deste lugar, fazer suas orações e beber água pura da fonte”. O projeto de resgate histórico da “Santa de Coqueiros” foi elogiado pelo prefeito José Walter Resende Aguiar ao agradecer a participação de todos “neste momento de fé, bênção e intercessão”.

Manoelina é homenageada quase 60 anos depois de sua morte e devotos testemunham o milagre da vida

O afilhado Neli Maciel, de Cracilândia, durante testemunho, lembrou que brincava de carrinho aos pés da madrinha, que usava uma capa azul e benzia pedrinhas para fazer chá

Entre as centenas de visitantes provenientes de Entre Rios, Crucilândia, Piedade dos Gerais, Conselheiro Lafaiete, Desterro de Entre Rios, Belo Horizonte, Igarapé, que prestigiaram o evento, estavam parentes de Manoelina Maria de Jesus. O sobrinho, Antonio José Jorge, 61 anos, de Igarapé, afirmou que estava “emocionado de ver o trabalho, o empenho, o amor  que estão demonstrando pela minha tia”. Também Américo Garibaldi de Oliveira, 86 anos, de São Sebastião do Gil – Desterro, lembrou que nos idos de 1958, quando ia a cavalo buscar a irmã, passou em Crucilândia para pedir uma bênção à Manoelina.

-Senti muita humildade nela. Fico satisfeito de ver esta homenagem e o movimento de resgate histórico, porque ela saiu daqui de uma forma menos agradável, argumentou Oliveira. Para a sobrinha de 2º grau, Neusa Aparecida Campos, 47 anos, “é uma boa ideia resgatar a história dela, porque principalmente as crianças não a conhecem”.

A sorridente Estéfani, atropelada por uma moto aos 8 anos, sobreviveu pela intercessão de “Santa Manoelina”.

Já  os devotos, que alcançaram graças, não a esquecem. Darci Resende Maia, moradora no Colônia, zona rural de Entre Rios, relembra quando a filha  Estéfani Resende Maia, aos 8 anos, foi atropelada na estrada por uma moto e ficou ‘desenganada` no hospital em Belo Horizonte. “ Rezei para Santa Manoelina e pedi que ela intercedesse pela minha filha”. Estéfani, hoje com18 anos, estava na fila para assinar o caderno de presença ao evento e  também é devota de Manoelina.

Maria Gonçalves Ferreira, 86 anos, recebendo a comunhão, retribui bêmçãos alcançadas enfeitando túmulo de Manoelina ao Cemitério Paroquial de Cracilândia.

Sorrindo, mostrou a cicatriz que tem na perna – única lembrança do grave acidente que quase lhe tirou a vida.

Natural do Gil ,em Desterro, Elza de Assis Fonseca,72 anos, presente ao evento, afirmou que foi curada “por intercessão de Santa Manoelina”.  Em agosto do ano passado , apresentou um problema renal grave, urinava sangue e precisaria operar para retirar o rim. Conta que rezou e pediu que Manoelina intercedesse por ela.

Fiéis observam acervo histórico dentro da casa onde nasceu e viveu Manoelina, em Coqueiros.

“Fiz novos exames, antes da cirurgia, e o rim que estava detonado não apresentava mais o problema”. Já o entrerriano Vitor de  Oliveira Pena, 66 anos, contou que seu avô ajudava a retirar os carros que ficavam agarrados no barro da estrada, “usando uma cangada de bois” e que “ganhou dinheiro com os estrangeiros”.

Mãe batiza filha de “Manoelina” após milagre ao nascer

Inaugurada com a celebração eucarística, a estátua de Manoelina  jorra água pura na mão direita, da mesma fonte de onde, outrora, ela apanhava água e benzia milhares de romeiros que vinham de toda parte do país e até do exterior em busca de cura para males físicos e “da alma”. Muitos saíam curados do encontro com Manoelina, como Delmira Andrade Silva, conforme relatou sua filha Manoelina Silva.

Manoelina Silva, de 87 anos, de Campo Belo, considera-se um milagre da “Santa de Coqueiros”.

Era março de 1931, grávida de cinco meses, Delmira corria risco de morte se levasse adiante aquela quarta gestação, devido a um problema circulatório em uma das pernas,   que inclusive a impedia de caminhar sem ajuda . O marido, Otávio Silva, barbeiro na cidade de Campo Belo, leu sobre os milagres da “Santa de Coqueiros” em um jornal de um cliente. Levou o periódico para casa e mostrou para a esposa. Ela, que há havia sido avaliada por quatros médicos que recomendaram a interrupção da gravidez, disse que queria ir até Coqueiros. Mas não tinham dinheiro, uma vez que todas as economias tinham sido gastas nos tratamentos médicos. Então, Otavio buscou ajuda com a sogra. D.Júlia disse que pagava a viagem para a filha e sugeriu que o genro buscasse outras pessoas para dividir o transporte. Otávio rapidamente lotou um caminhão (tipo pau de arara) e vendeu a máquina de costura da mulher para custear a parte dele. Dias depois chegavam em Coqueiros.

Emocionada, Delmira chorava ao receber a bênção de Manoelina que repetia “Tenha fé em Deus” enquanto aspergia água benta. Otávio levou a esposa para sentar-se à sombra de uma árvore enquanto armava a barraca com os demais perto dali, Ao retornar, já não encontrou Delmira. Foi achá-la agachada, colhendo avenca, à beira do pequeno riacho que corria atrás da casa de Manoelina,. “Minha ‘véia’, como você veio parar aqui?”, perguntou-lhe , carinhosamente, Otávio. E, para surpresa de ambos, o problema na perna havia sumido! Assistiram outras duas bênçãos antes de retornarem no dia seguinte para Campo Belo. Na viagem de volta, o caminhão tombou em uma vala da estrada. Ninguém se machucou e Delmira, junto com outras mulheres,  andou cerca de 1km até poder voltar para o caminhão.

Cinco meses depois, nascia em 24 de julho de 1931, de parto normal, Manoelina – batizada assim em homenagem à “Santa ,  “a quem devo meu nascimento”, afirmou, emocionada, Manoelina Silva, hoje com 87 anos, residente em Belo Horizonte,  ao visitar o Retiro Velho, um dia antes da inauguração da estátua. Depois de narrar   sua história de vida ao proprietário Maurílio de Oliveira Resende, ela ficou alguns minutos sentada em silêncio dentro da modesta casa. Em suas orações, louvor e agradecimento.

Breve relato sobre a minha experiência ao esculpir a imagem da Santa Manoelina dos Coqueiros

José Pedro com o escultor Fuzatto, em Coronel Xavier Chaves, e a estátua em fase de acabamento.

Trabalhando nessa obra, depois de ter visto muitas vezes o filme  Santa Manoelina dos Coqueiros e tomar conhecimentos mais detalhados da história dela, pude sentir, em vários momentos, a presença dela.
Trabalhando normalmente, a mente se esvaziava de pensamentos e de repente, eu sentia uma energia diferente, uma presença.
Eu olhava para a escultura, me lembrava da história dessa santa e quanto mais  eu entrava em sintonia com ela, com a  realização da obra e sentia esses momentos onde essa energia se  fazia presente, mais eu tomava consciência de que aquela escultura  ganhava uma representatividade profunda, pois aquela imagem, retratava um corpo que aqui viveu, realizou um trabalho místico e, voltou para a terra, estando agora em um túmulo.
Essa consciência me fazia entrar mais e mais em sintonia com essa presença.
Quando terminei a  escultura, fiquei de frente a ela, segurei em sua mão e fiquei  impressionado com o que ocorreu.
Em meu  mais profundo íntimo, brotou uma sensação de conforto, de paz, de alegria, uma sensação de um reencontro agradável.

Escultura da Santa será inaugurada no dia 01 de Abril na praça Coronel Joaquim Resende; a data rememora um ano do projeto de resgate de Manoelina.

Penso que todos os que conhecerem a história dessa santa, ao segurarem a mão dela e observarem seus sentimentos, entrará em uma experiência mística igual à que experimentei ao fazer isso.
Espero que todos possam se colocar diante dela, segurar em sua mão e sentir essa presença.
Tenho certeza que ao sentirem essa experiência agradável que descrevo aqui, todos possam sentir a sensação de que venceram a barreira do tempo e se transportaram para a época em que ela vivia aqui na terra e  derramava essa energia curadora sobre os que a visitavam.
Sou imensamente grato em ter recebido a incumbência de materializar aqui essa escultura, esse símbolo, com toda essa representatividade da Santa Manoelina dos Coqueiros.

MANOELINA MARIA DE JESUS: Um pouco da sua história de vida

Manoelina, em foto de 1930 na janela de sua casa abençoando romeiros.

Nasceu em 1911 (data estimada porque não há a Certidão de Nascimento para comprovar), no sítio Retiro Velho, em Coqueiros, distante cerca de 12 km de Entre Rios de Minas, sentido Desterro de Entre Rios. Filha de Miguel José da Rocha e Rosária Maria da Conceição.

Cresceu entre 14 irmãos, porque quatro faleceram. Aos 19 anos, em outubro de 1930, desenganada pelos médicos, recuperou-se “ por milagre divino”  da  doença grave que lhe roubava a saúde e o ânimo  – tuberculose ( incurável à época ) e  começou a operar, também  sob inspiração divina (espiritual), curas diversas em sua modesta casa no Retiro Velho, atraindo milhares de pessoas de todo o Brasil e até do exterior, que vinham em busca de solução para males físicos e “da alma”.

Manoelina, moça simples, pobre, analfabeta, devota fervorosa, abençoava os fiéis   aspergindo “água benta” e fazendo orações. Alimentava-se pouco ou quase nada. Narra a tradição oral que sua água se transformava em vinho e que os romeiros chegavam às centenas e eram atendidos em bênçãos às 6, 12 e 18 horas.  Pelos correios chegavam sacos de correspondência pedindo a intercessão dela em problemas diversos. Muitas cartas continham também dinheiro e moedas, que acabavam numa fogueira junto com os escritos.

A rotina da vida familiar e da região sofreu grande impacto. De acordo com matérias publicadas em jornais da época, a exemplo do ESTADO DE MINAS, fazendeiros, incomodados com o grande fluxo de veículos que danificavam as estradas (já em condições precárias) e de pessoas doentes que acampavam na região, uniram-se às autoridades locais, inclusive membros da Igreja, conseguindo afastar Manoelina de sua terra natal.

Na madrugada de 12 de abril de 1931, mudou-se com toda a família para Dom Silvério, distrito de Bonfim (MG). Ainda lá foi “perseguida”. Por ordem do então Secretário do Interior de Minas Gerais, Gustavo Capanema, uma missão militar levou-a, em 12 de junho daquele ano, à   Belo Horizonte, para “ter um encontro com o Governo”. Na   verdade, acabou sendo internada no Instituto Raul Soares, onde fez greve de fome e se recusava a tomar medicamentos como protesto.

O internamento foi justificado pelo Governo do Estado  sob alegação de que “sua presença era prejudicial à região que ficou sendo foco de doenças e de ladrões e marginais que furtavam transeuntes incautos e romeiros simplórios”; que “sua ´santidade` era explorada por empresários”; que “a vigilância policial, que por muito tempo se está fazendo no local da romaria ,não  resolveu o caso” ; que “Manoelina está sendo, deste modo, permanente causa de desassossego público” (…)  e  que “ ao Governo só restou a providência ,aliás a mais prudente e caridosa, de afastar Manoelina de seu officio (grafia da época) para submetê-la a cuidadoso exame e necessário tratamento”. Estas declarações foram coletadas de reportagens veiculadas à época pelo   jornal ESTADO DE MINAS.

Ainda de acordo com o mesmo jornal, na tentativa de libertar Manoelina,  ”os advogados Osmam Loureiro e José Alves Nogueira entram na Justiça com um pedido de  habeas- corpus    (…) Entretanto, o pedido não seria aceito uma vez que só é utilizado em favor de réus ou acusados de crimes comuns. E não era o caso.  Por sua vez, dentro do mesmo ano -1931 – “o pai Miguel José da Rocha denuncia o que aconteceu com a filha no Juizado de Menores e, no dia 16 de junho, é divulgada a libertação de Manoelina, e ela faz questão de declarar que não é santa.(…) Um psiquiatra não identificado, ouvido no Raul Soares, concluiu que Manoelina é apenas uma débil mental, nada mais. Não é uma louca e,como tal, não deve ficar internada entre loucos. Já o Governo toma providências para impedir a movimentação de peregrinos e afastar o perigo de um novo Canudos”. (alusão ao nome que designa a “cidade santa” e o movimento messiânico fundado pelo líder místico Antônio Conselheiro no sertão da Bahia, no fim do século XIX).

Mais uma vez, ela e toda a família mudam de D.Silverio (Bonfim) e   buscam refúgio num local denominado Capão, em Crucilândia(MG), onde continuou recebendo a visita de inúmeros romeiros. Tendo esta lembrança guardada na memória, seu afilhado de batismo, Neli Maciel, residente em Crucilância e presente à missa em homenagem à Manoelina, no Retiro Velho, qualificou   a madrinha, que usava uma capa azul e benzia pedrinhas para fazer chá, “como uma pessoa que só me deu alegria. Sinto-me abençoado por ela o tempo todo e muitas coisas graves desviaram de mim pela sua proteção”.

Voltando à história de vida de Manoelina Maria de Jesus, ela faleceu de uma grave anemia, às 3 horas do dia 14 de março de 1960, aos 49 anos, em sua casa no Capão, sendo   sepultada no dia seguinte, às 10 horas, no Cemitério Paroquial. Até hoje, sua sepultura –  de nº 284 –  é muito visitada em Crucilândia, onde ficou conhecida por “Virgem Manoelina”, com vários relatos de graças alcançadas.

Jornal Estado de Minas na sua edição de cinquentenário lançou um caderno especial contendo página inteira só com reportagens sobre a “Santa de Coqueiros”.

Justamente por ter recebido muitas bênçãos, Maria Gonçalves Ferreira, uma senhora de 86 anos, natural da zona rural de Barro Preto e atualmente residindo em Belo Horizonte, contou que faz questão de, uma vez ao mês, ir à Crucilândia enfeitar o túmulo, cuja grade mandou colocar.  Ela também veio prestigiar o evento no Retiro Velho. Emocionada, relembrou a convivência com a “Virgem Manoelina” e o desejo de que a filha se chamasse   Manoelina ,   “mas meu marido escolheu Márcia”.

_ Manoelina curou a vista da minha irmã, Conceição Gonçalves Pinheiro e, até hoje ela enxerga melhor do que eu, lembrou D.Maria.   Sem ter vivido naquela época mas escutando os familiares comentarem, a jovem Graciana da Silva Xavier, 27 anos, residente em Piedade dos Gerais, se encantou com a história, “que inspira muita fé. Há algo de diferente em Manoelina. Deus deu a ela, uma pessoa de grande santidade, a oportunidade de fazer milagres”. Durante a celebração eucarística, Graciana, que é devota dela, pediu “para que interceda por todos nós“.

Texto e fotos: Jornalista Jurema Gervason

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