19 de abril de 2024 17:49

Vozes femininas na poesia de Queluz

Conselheiro Lafaiete, antiga Queluz, tem uma larga tradição feminina nas artes, começando pela tradicional dama do teatro Placidina de Queiroz. Mas é com Avelina Noronha (1934-2021), que esta tradição começa a se solidificar. Avelina foi historiadora, genealogista e, principalmente, poeta. Várias contemporâneas suas, ou mesmo suas discípulas e seguidoras, como Martha Faria Fernandes, Marina Biagioni, professora Leda Augusta, Marcia Carreira, Lucy de Assis entre outras, contribuíram para este legado. Outra figura feminina de destaque nacional foi a escritora Luciene Samor, também falecida recentemente, que escrevia suas laudas criativas para publicações de todo o país.

Mas a partir da entrada, mais e mais, das vozes das mulheres em nossa literatura, a diversidade de temas e publicações alcançou índices muito satisfatórios em linhas gerais. A Lesma Editores, após sua criação em 2008,  ajudou a vir à tona várias publicações regionais de autoras inéditas como Patrícia Fonseca, Izabella Carriéri, Leila Meirelles, Doralice Coelho, Maria do Rosário Rivelli, Leci Romualdo, Maria da Paz Pinto, Maria Nepomuceno e a poeta juvenil Ana Helena Milagres, entre outras. O Consócio Mineiro de Comunicação – CMC, comandado por Cleonice Libânio, sempre tem em suas antologias um grande contingente de mulheres letradas. São muitas as nossas manifestações literárias femininas aqui e na região:  contistas, romancistas, biógrafas e a produção fértil de uma qualificada poesia.

A poeta Graça Lucioli, lançando seu livro Sonho tecido em em versos (Lesma Editores,2021)

É neste cenário de campo abundante que surgem três novas espécies de fazedoras literárias: as poetas Graça Lucioli, Jéssica Jardim e Keter Araújo estão no pedaço. Cada uma delas à sua maneira, com estilos próprios e cheias de planos. Graça, que já está na estrada há mais tempo, chega ao seu primeiro livro com muita bagagem. De uma família de artistas e educadores, as letras sempre foram sua companhia, nas leituras e nas primeiras criações. Suas frases/textos/versos, como é natural na poética feminina, vêm sempre plenas de sensibilidade, vivências e reflexão filosófica. Vejamos este trecho de autoria da lafaietense Graça Lucioli e que consta em seu primeiro livro, “Sonho tecido em versos” a ser lançado em breve pela Lesma Editores:

“A vida é um deserto, pleno de oásis: a cada instante um desejo, a cada passo uma ilusão. Quando nossos ideais se transformam em realidade costumamos ser felizes instantaneamente. Mas, quando se desfazem como miragens no deserto, tornamo-nos vazios e frustrados e vai- se a esperança de algo que parecia tão bom e não aconteceu.”

As imprecisões da vida também marcam a temática recorrente na obra de Keter Araújo. Natural de nossa querida cidade de Piranga, sua vivência no interior de Minas e, depois, sua passagem pela capital Belo Horizonte, trazem para a escrita de Keter elementos a princípio contraditórios, mas essencialmente complementares. A poesia se alimenta desta tensão morte/vida, sonho/realidade, começo/fim. As perguntas de procurar respostas, assim como as repostas não param de perguntar. Leiamos a toada da lira de Keter Araújo:

“E você segue pela vida nesse emaranhado de indecisões, sem saber o que vai ser amanhã. Mas sabemos também que ainda há aquela luz no fim do túnel. Precisamos ter muito cuidado com a existência e sempre vale a pena viver, cuidar, se preservar. O amanhã será resultante das escolhas precisas; para que em um mundo melhor possamos habitar.”                 

A poeta Jéssica Jardim

Já a também da lafaietense Jéssica Jardim dá sinais de maturidade em sua versificação juvenil. Os conceitos se confrontam e ao mesmo tempo se suavizam, como se fosse possível viver duas, três vidas numa só pessoa. Esta forma de construção é a tônica de sua poética. Observem estes versos do poema “Escrita”, da autoria de Jéssica:

“Eu me liberto do certo e errado

Do tempo, futuro ou passado

Eu estou em todo e qualquer espaço.

Eu faço, refaço, traço as palavras

Que me levam a outro cenário.

Não é querer fugir, é estar aqui

E, ao mesmo tempo, em todo lugar”

A poeta Keter Araújo

É incrível perceber nas construções femininas (e isso percebemos nas três poetas) a capacidade de abordar a experiência do cotidiano com uma espécie de “ilusão desiludida”. Dando as palavras um sentido profundo, além da pura significação textual. Um assunto de mulheres, com diria Claude Chabrol. Um universo particular, rico e controverso, como convém a boa poesia universal. Conselheiro Lafaiete e região se orgulham de suas sacramentadas escrituras.

Texto de Osmir Camilo Gomes

Poeta e Editor

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