Pandemia provoca aumento no preço dos alimentos e insegurança alimentar, especialmente nos países de renda mais baixa
A pandemia da covid-19 fez a economia mundial cair 3,1% em 2020, marcando a maior recessão da produção internacional desde a Grande Depressão da década de 1930. Mas a perspectiva geral era de uma recuperação consistente em 2021 e 2022. Todavia, novas ondas pandêmicas contribuíram para a ruptura das cadeias produtivas globais, para a redução da oferta das diversas fontes de energia e para o aumento dos preços dos bens e serviços, inclusive o preço dos alimentos.
O Fundo Monetário Internacional (FMI) avalia que a inflação no mundo deve seguir em alta até o fim de 2021, mas pode arrefecer no ano que vem, retomando aos níveis pré-pandemia. Na atualização do relatório World Economic Outlook (WEO), divulgado dia 12 de outubro, o FMI considera que a inflação global pode piorar se surgirem novas variantes do coronavírus antes da vacinação avançar nas áreas mais pobres do planeta.
O FMI deixa claro que não é útil criar uma divisão artificial entre economia e pandemia, como se o crescimento econômico fosse prioritário em relação ao controle da covid-19. Na verdade, o desempenho econômico será tanto melhor quando menor for o impacto do coronavírus. Assim, o Fundo Monetário defende que a saída para a crise atual é controlar a pandemia e aumentar a vacinação.
O panorama nacional da covid-19
O Ministério da Saúde divulgou os dados nacionais da covid-19, registrando 21.638.726 pessoas infectadas e 603.152 vidas perdidas, no dia 16 de outubro de 2021. A média móvel de 7 dias caiu para 10,2 mil casos e a média de mortes ficou em 332 óbitos diários. O Brasil está em terceiro lugar no ranking global de casos acumulados atrás apenas dos EUA e da Índia. No número acumulado de mortes está em 2º lugar, atrás apenas dos EUA e ocupa o 7º lugar no coeficiente acumulado de mortalidade.
As curvas epidemiológicas de casos e de óbitos estão em queda, apresentando os menores valores desde maio de 2020. O gráfico abaixo mostra as médias móveis do número de casos e de óbitos no Brasil entre 21/03/2020 e 16/10/2021. Nota-se que o número de pessoas infectadas cresceu continuamente no Brasil até o primeiro pico da curva epidemiológica com média de 46,4 mil casos em 29 de julho de 2020. Em seguida, a média móvel iniciou uma trajetória de queda até início de novembro. Contudo, o número de casos voltou a subir e apresentou dois picos entre março e junho de 2021, com média móvel acima de 70 mil casos diários (os maiores valores da série). No dia 23 de junho a média móvel de infectados foi de 77,3 mil casos e desde então os números caíram consistentemente e já estão próximos de 10 mil casos (7 vezes menos do que o pico).
Na curva que mostra o número médio de vidas perdidas, o primeiro pico ocorreu entre maio e julho de 2020, quando ficou acima de 1 mil vítimas fatais diárias. Entre agosto e outubro a média caiu para um patamar abaixo de 400 óbitos diários, mas subiu no mês de novembro e chegou no pico de cerca de 3 mil mortes diárias em abril. A última vez que a média diária de mortes ficou acima de óbitos 2 mil óbitos foi no dia 22 de junho de 2021 e, desde então, os números de mortes da covid-19 caem consistentemente e chegaram a 332 óbitos no dia 16 de outubro a menor média em cerca de 1 ano e meio.
Portanto, parece que o pior já passou e existe uma tendência de queda dos números da pandemia em todo o território nacional. Oxalá esta realidade se mantenha. Segundo o Imperial College, a taxa de transmissão do coronavírus no Brasil ficou em 0,60, o menor valor desde início da medição. Mais da metade dos municípios brasileiros não registraram mortes no mês passado. Por conseguinte, o momento é favorável ao controle da doença, especialmente porque a imunização tem avançado e cerca de 50% da população brasileira já têm a vacinação completa. Todavia, todo cuidado é pouco, pois novas mutações do coronavírus estão sempre ameaçando espalhar a transmissão. A luta contra novos surtos precisa ser redobrada.
O panorama global da covid-19
Segundo o site Our World in Data, com dados da Universidade Johns Hopkins, o mundo chegou a 240,4 milhões de pessoas infectadas e somou 4,9 milhões de vidas perdidas para a covid-19, com uma taxa de letalidade de 2%. As médias móveis estão em 404 mil casos e 6,7 mil óbitos. Já são mais de 200 países e territórios com mais de 1 mil casos da covid-19 e 36 países com mais de 1 milhão de casos. Há 5 países com mais de 200 mil óbitos da pandemia.
O gráfico abaixo mostra as médias móveis do número de casos e de óbitos no mundo entre 01/04/2020 e 16/10/2021. O número internacional de infectados aumentou continuamente em 2020 e apresentou 3 picos em 2021 (janeiro, abril e agosto), sendo que o cume de toda a série ocorreu no final de abril com média acima de 800 mil casos diários. No dia 26/08 foram registrados 662 mil casos diários em média e, desde então, os números caíram para 404 mil casos no dia 16/10/2021. A primeira subida do número de mortes aconteceu em março de 2020 e o pico da média móvel ocorreu em meados de abril com cerca de 7 mil vidas perdidas por dia. Novo pico foi alcançado em janeiro de 2021 e a média móvel ultrapassou 14 mil mortes diárias. Os números caíram em fevereiro, mas voltaram a subir chegando a 13 mil mortes diárias no início de maio. No dia 26/08 foram registrados 10,2 mil óbitos em média e, desde então, os números caíram para 6,7 mil óbitos no dia 16/10/2021.
Os montantes globais da pandemia estão em queda e a perspectiva é que a morbimortalidade continue diminuindo na medida em que a cobertura vacinal avance. Mas o patamar de casos e óbitos ainda é alto e existe uma preocupante lacuna na cobertura mundial das vacinas.
A vacinação nacional e global
O mundo chegou a 3,75 bilhões de pessoas vacinadas, com pelo menos uma dose, no dia 15 de outubro, segundo o site Our World in Data. Num mundo tão heterogêneo, evidentemente o processo de vacinação não é equitativo. Mas de modo geral, a vacinação tende a avançar mais rápido naqueles países ou regiões com os maiores coeficientes de mortalidade.
Observa-se nos gráficos abaixo que o Brasil com um coeficiente de mortalidade de 2,8 mil óbitos por milhão de habitantes tem uma taxa de vacinação (com pelo menos uma dose) de 73%. A América Latina com coeficiente de 2,7 mil óbitos por milhão tem taxa de vacinação de 64% e a América do Norte tem coeficiente de 1,8 mil e taxa de 59%. A Europa tem coeficiente de 1,7 mil óbitos e taxa de 58%, enquanto o mundo tem coeficiente de mortalidade de 621 óbitos por milhão e taxa de vacinação de 47%.
Já a Ásia com coeficiente de mortalidade abaixo da média mundial (de 246 óbitos por milhão), possui taxa de vacinação bem superior ao padrão global (com 54% dos asiáticos com pelo menos uma dose). O destaque é a Oceania que possui o menor coeficiente de mortalidade (apenas 57 óbitos por milhão), mas já atingiu 53% da população do continente vacinada. O continente africano é o que possui a menor taxa de vacinação (somente 7,6% da população vacinada com pelo menos uma dose), mas também possui o segundo menor coeficiente de mortalidade (com 157 óbitos por milhão de habitantes).
Considerando apenas a vacinação completa entre os países, o gráfico abaixo mostra que há 86 países e territórios com taxa de vacinação completa acima da percentagem brasileira (48% dos brasileiros estão com a imunização completa). Por exemplo, a Nova Zelândia tem um coeficiente de mortalidade de apenas 6 óbitos por milhão de habitantes, mas já garantiu a vacinação para 54% dos neozelandezes.
De fato, a vacinação é fundamental para o controle da convid-19. Mas a imunização vacinal não é a única forma de minimizar os impactos do coronavírus. Os países e cidades que conseguiram fazer uma rígida barreira sanitária, rastrearam e monitoraram a propagação do vírus e adotaram medidas de prevenção e um bom acompanhamento médico, tiveram menor número de vidas perdidas.
Um estudo do Imperial College de Londres comparou o controle da Covid-19 em 14 capitais brasileiras e demonstrou que fatores como os investimentos nos recursos de saúde, otimização da atenção à saúde e a preparação adequada para o enfrentamento à pandemia foram essenciais para o melhor desempenho da capital mineira no enfrentamento à doença. O estudo indica que se todas as capitais avaliadas tivessem a mesma condução que Belo Horizonte adotou, cerca de 328 mil mortes teriam sido salvas no Brasil.
Pandemia, inflação e aumento do preço dos alimentos
Como vimos no início deste texto, o relatório WEO do FMI (de 12 de outubro) considera que o controle da pandemia é um pré-requisito para a retomada sustentada da economia e alerta que caso a Covid siga tendo impacto prolongado, o PIB global pode encolher em até US$ 5,3 trilhões nos próximos cinco anos. O cenário de crescimento econômico baixo e inflação alta gera o risco de estagflação global, situação em que preços sobem e os países não crescem, mesmo que os governos apliquem estímulos fiscais e monetários. Mas este quadro pode ser evitado com o avanço da vacinação e o fim da covid-19.
Há de existir alguém que lendo o que eu escrevo dirá: isto é mentira! Mas, as misérias são reais
A disrupção dos fluxos de valor em função da pandemia atinge diversos setores econômicos. O desligamento de fábricas de semicondutores durante o auge da emergência sanitária foi um dos fatores responsáveis pela escassez do componente, atingindo não somente a indústria automotiva, mas também a produção de bens eletrônicos e computadores. A crise energética tem múltiplas causalidades. No Brasil, o fator principal é a seca e o baixo nível dos reservatórios que está reduzindo a produção de eletricidade. Na Europa, a crise é devido à escassez de gás natural e na China é por falta de carvão mineral (o combustível mais poluidor).
Em geral, o aumento do preço da energia faz aumentar o preço dos alimentos. Em meio à pandemia este processo se agrava com a diminuição da oferta de fertilizantes e outros insumos. A pressão sobre o preço dos bens de subsistência veio de vários lados: do aumento geral dos custos de produção e transporte, da volatilidade dos preços, dos estoques baixos, da falta de containers que prejudicam o comércio internacional e dos efeitos das mudanças climáticas. Neste contexto, o FMI considera que a inflação deve seguir forte em alguns países emergentes por reflexo da alta do preço dos alimentos, do petróleo e da perda de valor das moedas locais frente ao dólar e ao euro, o que encarece as importações. O preço da comida tem subido em países de renda mais baixa, aumentando a fome e as dificuldades para os mais pobres.
Tudo isto se reflete no Índice de Preços dos Alimentos (FFPI) da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) que atingiu valor recorde (em termos reais) em setembro de 2021, marcando 130 pontos, o valor mais alto desde 1974. O FFPI, mesmo com algumas oscilações, diminuiu durante todo o século XX, a despeito da população ter crescido 4 vezes e o PIB mundial aumentado cerca de 18 vezes entre 1900 e 2000. Porém, a realidade do século XXI está se mostrando diferente.
O gráfico abaixo mostra que a média do preço dos alimentos da última década do século XX (1990-99) foi de 77,9 pontos, passando para 82,5 pontos na primeira década do século XXI (2000-09) e para 103,6 pontos na década de 2010-19. Na média de 2020 e 2021 o FFPI deu novo salto para 111 pontos. Portanto, a pandemia aumentou o preço dos alimentos e, consequentemente, a insegurança alimentar.
Se a inflação e o aumento do preço dos alimentos é um fenômeno global, a situação brasileira é ainda mais grave. Segundo o IBGE, a inflação oficial para o mês de setembro de 2021 foi de 1,16%, o maior avanço para o mês desde 1994. O IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo) acumula alta de 10,3% nos últimos 12 meses, o que representa o triplo da meta de inflação estabelecida pelo Banco Central, de 3,75% para este ano. Agravado pela desvalorização cambial, os itens que mais subiram foram exatamente os gêneros alimentícios, como arroz, feijão, batata, carne, leite e óleo de soja, que estão no cardápio básico da população.
Segundo a Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan) cerca de 20 milhões de brasileiros declaram passar 24 horas ou mais sem ter o que comer em alguns dias. Em torno de 24,5 milhões não têm certeza de como se alimentarão no dia a dia e já reduziram quantidade e qualidade do que comem. Outros 74 milhões vivem inseguros sobre se vão acabar passando por isso. No total, 55% dos brasileiros sofriam de algum tipo de insegurança alimentar (grave, moderada ou leve) em dezembro de 2020. A situação se agravou ainda mais em 2021.
Existem múltiplos desafios para o Brasil neste momento, pois, além de colocar um fim à pandemia, é preciso criar oportunidades de emprego e renda para os mais de 30 milhões de brasileiros que estão desempregados ou subutilizados, reduzir a inflação que já atingiu a casa de dois dígitos e controlar o preço dos alimentos. A fome já está se espalhando pelo mapa do país e o Brasil caminha para voltar ao mapa da fome.
FONTE PROJETO COLABORA