Produtores, especialistas e lideranças debateram, em audiência na ALMG, estratégias urgentes para coibir a clandestinidade e alavancar o setor, de olho nas exportações.
“Vai uma cachacinha aí?”. A frase, mais do que uma oferta ou convite, quase uma saudação de boas-vindas, é repetida democraticamente por toda Minas Gerais e faz parte da identidade dos mineiros. E falar do produto por aqui é falar também de turismo e gastronomia, vetores de desenvolvimento econômico intimamente ligados no Estado.
Nessa linha, o combate a clandestinidade, o reforço da fiscalização nos pontos de venda, menos tributação e burocracia para regularização dos produtores, estímulos à exportação com mais valor agregado e a promoção da chamada “cachaça de alambique” fora do Estado e inclusive no exterior foram algumas das estratégias urgentes para o setor citadas na audiência pública realizada na tarde desta quinta-feira (13/4/23) pela Comissão Extraordinária de Turismo e Gastronomia da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG).
Em breve, no dia 21 de maio, será celebrado mais um Dia Estadual da Cachaça Mineira, o que foi lembrado na reunião, que atendeu a requerimento do presidente da comissão, deputado Mauro Tramonte (Republicanos).
O parlamentar, que é colecionador do produto, lembrou a importância da cachaça mineira na cadeia de atrativos gastronômicos mineiros, como o café e o queijo. Segundo ele, é a segunda bebida alcoólica mais consumida no Brasil, com 1,4 bilhão de litros por ano, 60% deles produzidos em Minas Gerais, que detém 9 mil dos 25 mil alambiques do Brasil.
Bosco (Cidadania), que é vice-presidente da Comissão, destacou que Minas Gerais vive um dos melhores momentos da sua história com relação ao turismo. “E não tem como falar em turismo sem falar nossa gastronomia e inserir nisso o valor da nossa cachaça mineira”, pontuou.
“Quando a gente fala de cachaça estamos falando de mineiridade, de empreendedorismo, de geração de emprego e renda em todas as regiões de Minas Gerais”, afirmou Coronel Henrique (PL), que lembrou que é presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária Mineira.
Em vez de pinga genérica, cachaça de alambique
A promoção da cachaça de alambique, segundo gestores presentes na reunião, ocupa posição de destaque na agenda de prioridades do Executivo. A secretária-adjunta de Estado de Cultura e Turismo (Secult), Milena Andrade Pedrosa, lembrou que estão em estágio final os preparativos para transformar a cozinha mineira em patrimônio imaterial e a cachaça mineira estará contemplada.
“Nosso turismo é praticamente cultural. Temos feito diversas ações de promoção da cachaça mineira, mas precisamos avançar mais, sobretudo com relação a mais estímulos à exportação com valor agregado, sem perder qualidade, não somente em quantidade”
Milena Pedrosa
Secretária-adjunta da Secult
Nesse esforço de promoção do produto, a secretária-adjunta contou ainda que em recente evento internacional conseguiu até mesmo entregar uma garrafa da cachaça de alambique diretamente nas mãos do presidente de Portugal, Marcelo Rebelo de Souza.
O próprio termo, cachaça de alambique, em contraposição ao produto clandestino ou fabricado de forma industrial, somente foi garantido em legislação federal após mobilização dos produtores. O próximo passo, segundo informações dos representantes do Executivo, é adaptar a legislação mineira com o mesmo objetivo.
Para o subsecretário de Estado de Turismo, Sérgio de Paula e Silva Júnior, a cachaça mineira, a exemplo do vinho da Serra Gaúcha, pode se transformar num importante instrumento de diversificação do turismo no Estado. “No caso do vinho, o marketing trouxe mais turistas e retorno para os produtores. Em muitos casos, a venda direta para o turista é até mais lucrativa”, destaca.
“O mineiro é diferente e o turista vem aqui atrás disso. Mesmo correndo, o mineiro sempre encontra tempo de sentar e apreciar a comida. O mesmo acontece com a cachaça mineira. Nessas horas lembro do meu avô, que dizia que com cachaça boa você não faz cara feia”
Sérgio Júnior
Subsecretário de Turismo
Segundo o superintendente de Abastecimento e Cooperativismo da Secretaria de Estado de Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Seapa), Gilson de Assis Sales, o reforço na fiscalização têm produzido efeitos na regularização de cada vez mais produtores, o que também permitirá o estímulo ao consumo consciente.
“Se formos pensar em números, um em cada três produtores brasileiros é mineiro. São 353 produtores registrados no Ministério da Agricultura, mais do que dobro de São Paulo, e a grande maioria deles de cachaça de alambique”, apontou Gilson Sales.
Vinho da Serra Gaúcha e tequila mexicana são exemplos
Além do vinho da Serra Gaúcha, a tequila mexicana foi citada pelo presidente do Centro Brasileiro de Referência da Cachaça e da Expocachaça e Brasilbier, José Lúcio Mendes Ferreira, como exemplo a ser seguido internacionalmente. Segundo ele, o aumento recente de 42% nas exportações da cachaça nacional representam um faturamento total de apenas US$ 20 milhões anuais, contra US$ 4 bilhões da tequila.
O problema aí é o baixo valor agregado, que se reflete no valor médio do litro exportado, de US$ 2 da cachaça contra até US$ 16 da tequila. Segundo o especialista, parte da cachaça mineira é exportado até sem garrafa para ser envasado no país de destino e revendido. O resultado disso é que há mais de 20 anos o produto nacional está estagnado entre 0,5% e 1% das exportações do setor.
“No México, a iniciativa privada trabalhou junto com governo para conseguir mudar o cenário num mercado em que o custo de produção é elevado e a competição muito forte. Em Minas, por exemplo, já tivemos 25 cooperativas de produtores que hoje não existem mais. Mas há esperança porque nosso produto é altamente aceito pelo mercado”
José Ferreira
Presidente do Centro Brasileiro de Referência da Cachaça
Na mesma linha, o presidente da Associação Nacional dos Produtores de Cachaça de Alambique (Anpaq), Roger Sejas Gusman Júnior, defendeu o cerco aos produtores clandestino e o estímulo à regularização como caminho a ser seguido para fortalecimento imediato do setor.
De acordo com ele, os 353 produtores mineiros registrados no Ministério da Agricultura, 37% do total nacional, já representam aproximadamente 2.800 marcas, já que um fabricante pode deter várias delas ou mesmo fabricar cachaças “ciganas” (sem infraestrutura fixa de produção).
“Nada contra o pequeno produtor, mas promover a cachaça mineira envolve levar a bandeira do nosso estado. A artesanalidade precisa levar em conta a qualidade e um único evento adverso pode por tudo a perder para todo o setor”, alertou, em referência a episódio recente como uma fábrica de cerveja artesanal no Estado.
Álcool em caminhão-pipa e pet vendido a R$ 6
Há até um aplicativo para celulares, o “Cachaça Ilegal”, em que o consumidor pode denunciar diretamente para o Instituto Mineira de Agropecuária a venda clandestina do produto. Proprietário da Distribuidora Savana, uma das maiores na comercialização de cachaça do país, Oswaldo Bernardino Júnior denuncia remessas ilegais de álcool para o interior mineiro.
“Estão usando até caminhão-pipa para trazer o produto refugo de São Paulo para Minas Gerais. Levam para cidades com tradição como Salinas (Noroeste), misturam, engarrafam e vendem como cachaça de lá. Isso tem que acabar”, contou. Segundo ele, na outra ponta, contribui para isso a venda indiscriminada do produto clandestino por todo tipo de estabelecimento, de biroscas até estabelecimentos de renome.
“A clandestinidade é o verdadeiro gargalo do comércio da cachaça. E isso não é privilégio de boteco copo sujo, tem até ótimos estabelecimentos e às vezes a bebida leva até o nome da casa. Muitos compram o produto numa embalagem pet por R$ 6 enquanto quem é legalizado é penalizado com uma alta carga tributária. Por menos de R$ 20 o litro, dificilmente é produto legal”, avalia o empresário.
FONTE ALMG