30 de abril de 2024 21:19

SAT – Sociedade Amigos de Tiradentes – uma história de amor à cidade de Tiradentes

 Cidade pequenina,

       Cheia de encantos,

Onde a criança brinca nos Quatro Cantos.

Ruas de pedras largas,

Morros que levam à Matriz,

Turistas de quaisquer lugares

Visitam o chafariz.

Serra de São José,

Um monumento natural,

Rica em minérios,

Calçada no matagal.

Cidade pequenina,

Mas grande no meu coração,

Aqui estou desde menina

E não te esqueço – não!

                     Agda Barbosa, Minha Cidade.

Na década de 1970, teve o início do turismo em Tiradentes, impulsionado pelo artesanato em prata, produzido em diversas oficinas. Tudo era incipiente e sazonal em consequência do calendário, com maior fluxo de turistas no Carnaval, Semana Santa e férias de julho. Ao prever o crescimento turístico na cidade, o casal John Parsons e Anna Maria Parsons articularam a criação de uma instituição para desenvolver projetos socioculturais; para tal, foram mobilizados diversos amigos. Coube ao advogado Paulo André Rohmann a elaboração dos “Estatutos” e então se fundou a SAT – Sociedade Amigos de Tiradentes, em 19 de janeiro de 1980.

A SAT teve colaboradores locais, de várias cidades brasileiras e inclusive do exterior. Um dos primeiros projetos realizados pela ONG foi o Projeto de Obras Emergenciais, que executou intervenções em diversas edificações do núcleo antigo de Tiradentes. O projeto visava evitar a ruína completa dos imóveis e a melhoria da qualidade de vida dos moradores. Para cada casa, ocorria avalição, podia ser o caso de se consertar o telhado, o assoalho, reparar o beiral, construir banheiro ou outras pequenas obras. Não era gratuitamente, a SAT comprava os materiais, executava as obras e cada proprietário recebia um carnê e pagava prestações sem ajuste. Vale ressaltar que naquele tempo a inflação era galopante e tudo se desvalorizava rapidamente.

Carnê de pagamento da obra realizada no imóvel da Rua Direita, onde atualmente funciona o Museu Martir, Tiradentes, 1987. Acervo: Ladislau e Tânia.
Imóvel da Rua Direita, que recebeu obra do Projeto de Obras Emergenciais, executado  pela SAT, em 1987, atualmente abriga o Museu Martir. Fotografia: Luiz Cruz.

 Um dos apoiadores do Projeto de Obras Emergenciais foi a Fundação Roberto Marinho, na ocasião o superintendente era José Carlos Barbosa de Oliveira. Além da SAT realizar obras em imóveis particulares, socorreu ainda a Casa da Madeira (ou Casa das Almas) da Matriz de Santo Antônio, os Passos da Paixão e a sede do Aimorés Futebol Clube, que se encontravam em péssimas condições de conservação. O Pocinho da Matriz foi reconstituído através de seus recursos e sua coordenação. O Sobrado Ramalho, que pertencia ao Espólio Joaquim Ramalho, também recebeu intervenção com recursos obtidos pela SAT.

Desde seus primeiros passos, a instituição apoiou as Folias de Reis e São Sebastião, com a aquisição de roupas; incentivou e financiou o resgate das Pastorinhas, inicialmente com Maria Madalena Lopes Silva (Tia Lena), posteriormente coordenada por Alice Lima Barbosa. Mais tarde a SAT apoiou e financiou outro grupo de Pastorinhas, no bairro Várzea de Baixo, sob a coordenação de Ana de Menezes. Em diversos momentos a SAT colaborou com a Sociedade Orquestra e Banda Ramalho, na reestruturação, no fornecimento do primeiro uniforme para os músicos, aquisição de novos instrumentos e contratação de professores para a formação de novos musicistas. 

Pastorinhas da Várzea de Baixo, sob a coordenação de Ana de Menezes.  Década de 1990. Ação apoiada pela SAT.  Fotografia: Luiz Cruz.

Sob a organização da SAT, ocorreu um evento simbólico para o processo de redemocratização do Brasil; no período de ditadura militar, Tiradentes teve seus prefeitos nomeados. Para a realização da eleição do novo prefeito, após o tempo de obscuridade, a SAT promoveu no Antigo Fórum o encontro O que o Povo Quer, o debate sobre as propostas dos candidatos: João Madalena, Luiz José da Fonseca, Mauro Barbosa e Nivaldo Andrade; os moderadores foram o advogado Paulo André Rohmann e o padre José Nacif.

Apoiou os eventos religiosos, em especial a Semana Santa e o Natal dos Pobres.

Numa grande mobilização dos membros da SAT, com o apoio de Yves Alves, José Luiz Alqueres e Mário Bering, conseguiu a aprovação junto à CEMIG do Projeto de Iluminação Subterrânea de Tiradentes, quando os postes e a fiação aérea foram retirados e instalados os lampiões. Nessa ocasião, foi produzido um álbum de litografias, na Casa de Gravura Largo do Ó, intitulado Tiradentes sem Postes, assinado pelo artista Marcos José. Ainda, para se celebrar o 50º Aniversário do IPHAN, a SAT participou das celebrações, conveniada com o Ministério da Cultura e a Casa de Gravura Largo do Ó, editou um álbum com litografias de Carlos Scliar, Carlos Bracher e José Nemer.

A SAT foi a proponente do projeto que resultou na criação e execução das obras do Centro Cultural Yves Alves. A Prefeitura de Tiradentes tentou por diversas vezes a aprovação e a obtenção de recursos para sua construção; porém, somente após a intervenção de Yves Alves se conseguiu verba para tal, junto à Fundação Roberto Marinho. Dessa forma, executou-se o projeto arquitetônico idealizado por Glauco Campello e se equipou o Centro Cultural. Nesse período, a SAT recebeu intenso apoio de Joaquim Falcão, José Luiz Alqueres, Silvia Finguerut, Lúcia Bastos e Nilzio Barbosa. Toda coordenação local ficou a cargo de Luiz Cruz.

Guarita, construída no Terreno Maria Joana, propriedade de SAT.  Fotografia: Luiz Cruz.

Uma das principais preocupações da SAT foi a sustentabilidade do turismo em Tiradentes. Com as constantes ameaças das mineradoras em explorar a Serra de São José, graças ao Yves Alves, que localizou o mapa de registros minerais junto ao DNPM – Departamento Nacional de Produção Mineral, teve início a campanha de proteção ambiental. Aqui, torna-se necessário enfatizar a ação do presidente do IHGT – Instituto Histórico e Geográfico de Tiradentes, Eros Conceição, que logo encaminhou ao IPHAN a solicitação de tombamento federal da Serra de São José, em 1979 – processo em andamento até o presente. A partir de 1980, a SAT e o IHGT se uniram na campanha em defesa ambiental local.

Missa da Procissão Ecológica à Serra de São José, 8 de fevereiro de 1987, celebrante padre Luiz Sver. Fotografia: Eros Conceição, acervo: Luiz Cruz.
Missa da Procissão Ecológica à Serra de São José, 8 de fevereiro de 1987, celebrante padre Luiz Sver. Fotografia: Eros Conceição, acervo: Luiz Cruz.

Em 1987, em consequência das severas ameaças das mineradoras à Serra de São José, foi promovida a Procissão Ecológica à Serra de São José. Naquele momento, a compreensão da necessidade de se preservar um monumento natural era reduzida, tanto que para realizar a procissão, tornou-se necessário contar com escolta militar, devido às ameaças que os organizadores sofreram. No alto da serra, o padre Luiz Sver celebrou a Missa Ecológica, ocorrida a 8 de fevereiro desse ano. Segundo Sver, foi a mais emocionante que havia presidido em sua vida. Depois, outras missas ecológicas foram celebradas no Terreno Maria Joana, ou Terreno do Mangue, pelo padre José Nacif, que, como pároco e sócio da SAT, participou de diversas manifestações em defesa da serra. A Procissão Ecológica à Serra de São José se conformou no marco histórico da proteção desse bem natural.

Missa da Procissão Ecológica à Serra de São José, 8 de fevereiro de 1987, celebrante padre Luiz Sver. Fotografias: Eros Conceição, acervo: Luiz Cruz.

Caminhada Ecológica à Serra de São José, para a celebração de Missa Ecológica, presidida pelo padre José Nacif, no Terreno do Mangue. Fotografia: Eros Conceição, acervo Luiz Cruz.
Missa da Ecológica no Terreno Maria Joana, Serra de São José, propridade da SAT, década de 1980, celebrante padre José Nacif. Fotografia: Eros Conceição, acervo: Luiz Cruz.
Celebração da Palavra, coordenação do padre José Nacif, Trilha do Carteiro, com o apoio do Corpo de Bombeiros Voluntários de Tiradentes, SAT e IHGT, década de 1990.  Fotografia: Luiz Cruz. 

Ainda na década de 1980, a SAT apoiou muitos eventos culturais como concertos, exposições, cortejos. Foi nessa década e na seguinte que Tiradentes vivenciou momentos culturais intensos e com a ampla participação dos moradores. Dentre os eventos, devemos destacar a Semana do Meio Ambiente, o Verão Cultural e o Inverno Cultural. Tudo isso com o amplo apoio do IHGT, da Casa de Gravura Largo do Ó, Escola Estadual Basílio da Gama, Instituto Cultural Biblioteca do Ó, CAT – Corporação dos Artesãos de Tiradentes, do IPHAN, FEAM / IEF e da Prefeitura.

O presidente da SAT, John Parsons, na E.E. Basílio da Gama, abertura da 1ª Semana do Meio Ambiente de Tiradentes, 1987. Fotografia: Eros Conceição, acervo: Luiz Cruz.

Em diversos momentos, a SAT contou com o apoio técnico da ESAL, atual UFLA – Universidade Federal de Lavras, da FUNREI, atual UFSJ e da UFMG. Especialmente para se compreender o potencial conformado pela Serra de São José e tantos impactos que usos inadequados na área acarretavam sobre seus biomas: Mata Atlântica e Cerrado, como os incêndios florestais, a presença de cavalos, a retirada de plantas nativas, a caça, os desmatamentos, os parcelamentos de solo, a prática de esportes radicais – em especial a ação de motoqueiros que provocaram ravinamentos que progrediram para acentuados processos de erosão do solo do chapadão. 

Acelerado processo de ravinamento do terreno do Chapadão, Serra de São José, em consequência do uso das trilhas por motoqueiros. A SAT contou com o apoio da FEAM para o estudo deste impacto, década de 1990. Fotografia: Luiz Cruz.

Aconteceu, no Antigo Fórum, no dia 16 de julho de 1988, o primeiro Recital de Textos sobre o Meio Ambientes, sob a coordenação de Luiz Cruz, organização textual Sibila Müllet, cenário, iluminação e som de Eros Conceição. Outros recitais ocorreram, mas este marcou para sempre a produção de poesia e de crônicas sobre o tema o Meio Ambiente e a cidade de Tiradentes.

Entre 1989 e 1990 – a SAT apoiou o Projeto Levantamento Arbóreo da Serra de São José, numa iniciativa dos profissionais da atual Flona-Ritápolis, José Nivaldo de Menezes e Moacir Barbosa. Através desse projeto tivemos conhecimento da variedade de espécies dos biomas e dos diversos ambientes, com compõem a Serra de São José.

Em 1992, quando se criou a Brigada Voluntária de Combate a Incêndio de Tiradentes, a SAT equipou os primeiros 20 brigadistas, com uniformes e equipamentos para a prevenção e o combate aos incêndios florestais na Serra de São José. A Brigada foi transformada em Corpo de Bombeiros Voluntários de Tiradentes e desenvolveu amplo trabalho no entorno da Serra de São José, reconhecido nacionalmente ao receber por suas vezes o Prêmio Rodrigo Mello Franco de Andrade, concedido pelo Ministério da Cultura, através do IPHAN.

Em 1994, após roubo de parte do acervo da Capela de São João Evangelista, a SAT promoveu campanha para a instalação de alarmes nas igrejas de Tiradentes.

Finalmente, trataremos do Terreno Maria Joana, ou Terreno do Mangue. No final da década de 1980, alguns dos imóveis do Espólio de Joaquim Ramalho foram a leilão judicial, dentre eles o Sobrado Ramalho e o referido terreno. A SAT promoveu campanha para arrecadar a importância para arrematar o Terreno Maria Joana, que tem expressiva importância por seus aspectos diversos, por abrigar rica biodiversidade, concentrar as principais cachoeiras da serra e os vestígios arqueológicos da área, como tanques de lavagem de ouro, arrimos, calçadas, muros de pedra seca, monturos etc.

O Terreno Maria Joana e as Cachoeiras do Mangue sempre foram utilizados para o lazer e o entretenimento. Cena com o padre José Bernardino (1892-1976), nossas tias Lena e Dodô, com meninas de Tiradentes, no Mangue. Década de 1950.Acervo: Gilson Resende, cópia arquivo Luiz Cruz.

O Terreno Maria Joana é área usada tradicionalmente pela comunidade do entorno da serra, para o lazer e o entretenimento, por isso faz parte da memória afetiva dos inúmeros usuários, com os seus momentos familiares, seus piqueniques e seus costumes antigos. Como a SAT não conseguiu o total dos recursos para participar do leilão, contou com a parceria do IEF – Instituto Estadual de Florestas/MG para a complementação e a efetivação do arremate. Então, para que não haja dúvida, torna-se necessário enfatizar que tal terreno foi arrematado em hasta pública, com recursos levantados pela campanha promovida por John Parsons e a complementação financeira do IEF/MG, de acordo com:

Termos de Arrematação de 22.04.1987, extraída dos Autos do Alvará para venda, requerida por Joaquim Ramalho Filho e outros, processo nº 8236, extraída pelo Cartório do 2º Ofício desta Comarca, devidamente assinada pelo MM. Juiz de Direito da 1ª Vara Cível, Dr. Aloisio Silva, coube ao arrematante Sociedade de Amigos de Tiradentes CGC 19.547.637/0001-20, o imóvel constante da presente matrícula pelo maior lance oferecido que foi de Cz$291.000,00. O referido é verdade, dou fé. São João del-Rei, 05.09.1991, o Oficial Substituto: (assinado Marcelo de Carvalho).

Após o arremate do Terreno Maria Joana, de significativa extensão, com limites indo da porteira da divisa com Carlos Kuernes até a “estrada que vai para São João del-Rei”, a SAT procedeu a demarcação do terreno e promoveu diversos encontros para tratar da destinação e apropriação da área. Esse terreno pertencia à Prefeitura de Tiradentes, que o vendeu, conforme as assinaturas, do vendedor – o prefeito José de Freitas e o comprador Joaquim Ramalho, em escritura devidamente registrada no Registro de Imóveis de São João del-Rei, a 8 de março de 1932.

Associados da SAT e convidados na atividade de demarcação do Terreno Maria Joana, logo após a arrematação da área em leilão judicial, década de 1980. Fotografia: Eros Conceição, acervo Luiz Cruz.
Cópia da escritura original do Terreno Maria Joana, com as assinaturas do prefeito José de Freitas, vendedor e do comprador Joaquim Ramalho. Fotografia: Eros Conceição, acervo Luiz Cruz.

Encontro Técnico para tratar do tema Serra de São José, em pé: Geraldo Paulino Santana (diretor do IEF/MG), John Parsons, Ozanan Conceição, Maria Isabel Câmara, Fernando Rocha Pitta; sentados: Ana Maria Simões, Carlos Fernando de Moura Delfim Dimas Guedes e Cássio Eduardo Rosa Resende (promotor). Sede do IHGT, década de 1990. Fotografia: Eros Conceição, acervo: Luiz Cruz.

 Em diversas ocasiões, a SAT contou com a presença e apoio de diretores do IEF/MG. Uma das primeiras ações foi construir a Guarita no terreno, para a prevenção e o combate aos incêndios, bem como visar a segurança geral da área. Para tanto manteve um funcionário que cuidou da edificação e da área. Lamentavelmente, a Guarita foi vandalizada, roubaram os equipamentos e até a porta. Conseguiram destruir a laje de cobertura e sobrou a estrutura de pedra que não puderam destruir. Para a instalação do Parque Municipal Frei Veloso, na Cachoeira do Bom Despacho, a SAT contou com a orientação do IEF/MG e a planta acabou sendo criada a seis mãos, com a participação de John Parsons, Maria Isabel Câmara e Luiz Cruz. Tal planta se encontra registrada no Escritório Técnico do IPHAN, em Tiradentes.

Libélula e beija-flor (estrelinha-ametista) registrados no Terreno Maria Joana, propriedade da SAT. Fotografias: Luiz Cruz. 

Assim que a SAT adquiriu o Terreno Maria Joana, entrou com pedido de “REINTEGRAÇÃO DE POSSE” de parte da área, na Cachoeira do Bom Despacho. O processo transcorreu e a JUSTIÇA determinou a reintegração favorável à proprietária – a Sociedade Amigos de Tiradentes. Essa ocupação clandestina acarretava diversos problemas de segurança e constantemente ocorriam tiroteios bem ao sopé da Serra de São José. Acompanhamos todo o processo e intimados pela JUSTIÇA comparecemos e defendemos os interesses da SAT. Em decorrência da “REINTEGRAÇÃO DE POSSE”, sofremos diversas ameaças e por certo período circulamos pela serra somente em grupos, para evitar problemas de segurança.

Ocupação clandestina da área da Cachoeira do Bom Despacho, integrante do Terreno Maria Joana, de propriedade da SAT, Serra de São José, década de 1990. Fotografias: Luiz Cruz. 

Intimação judicial referente à Reintegração de Posse, de área da Cachoeira do Bom Despacho, proposta pela SAT, proprietária do Terreno Maria Joana, 2001. Arquivo: Luiz Cruz. 

Logo em seguida, a Prefeitura Municipal de Tiradentes, realizou intervenções no terreno, com a construção do muro de pedra seca, alargamento de tanque, com muro de contenção das margens, escadas e o desassoreamento do córrego. Os recursos foram oriundos do PNMA – Programa Nacional de Meio Ambiente em Núcleos Históricos, do antigo IBAMA, que teve início na década de 1980, na gestão do prefeito Mauro Barbosa e a execução na administração do prefeito Nilzio Barbosa.

Obra de construção do muro de pedra seca na Cachoeira do Bom Despacho,  com recursos do PNMA/IBAMA, execução Prefeitura de Tiradentes, década de 1990. Fotografia: Luiz Cruz.
Obra de desassoreamento e contenção das margens de tanque na  Cachoeira do Bom Despacho, Serra de São José, com recursos do PNMA/IBAMA,  execução Prefeitura de Tiradentes, década de 1990. Fotografia: Luiz Cruz.
Informativo Inconfidências, edição comemorativa do 20º Aniversário da SAT. Acervo: Luiz Cruz.

No ano de 2000, a SAT completou 20 anos de atividades desenvolvidas em prol de Tiradentes, seu patrimônio cultural e ambiental. Foi publicada edição especial de seu informativo Inconfidências, com a colaboração de sócios da entidade. Na programação, destacou-se a exposição de fotografias de Eros Conceição que registrou todos os imóveis contemplados pelas intervenções do Projeto de Obras Emergenciais da SAT e os aspectos paisagísticos da cidade. Atualmente esse registro veio a ser uma preciosidade, pois nos revela a precariedade da conservação do núcleo antigo de Tiradentes e sua acentuada transformação arquitetônica e urbanística.

Já em 2001, quando a SAT era presidida por Dalma Fernandes Ferreira, a instituição encaminhou solicitação de intervenção, quando a Estrada Antiga, no sopé da Serra de São José seria asfaltada. Após avaliação dos órgãos competentes, em especial DER/MG e IPHAN, o asfalto foi substituído por “calçamento de paralelepípedo”. 

Obra do calçamento da Estrada Velha, entre Tiradentes e Santa Cruz de Minas, com paralelepípedo, 2002. Fotografia: Luiz Cruz.

No final da década de 1990, a SAT e demais instituições de Tiradentes acompanharam e contribuíram para a elaboração do Zoneamento Ecológico-Econômico da Área de Proteção Ambiental (APA) São José, MG, elaborado por equipe técnica de primeira linha, com ampla participação das comunidades dos municípios que abrangem a Serra de São José. Foram realizadas audiências públicas para que todos os segmentos pudessem se manifestar e compreender as propostas do zoneamento. O projeto teve apoio financeiro da FNMA – Fundo Nacional de Meio Ambiente e execução da Fundação Alexander Brandt. Na audiência de entrega do “Zoneamento”, ocorrida na UFSJ, o representante do IEF/MG deixou a cópia sobre a mesa. Ou seja, o órgão estadual ignorou o expressivo investimento aplicado para a proteção e a ordenação das UCs da Serra de São José. 

Zoneamento Ecológico-Econômico da Área de Proteção Ambiental (APA) São José, MG. Construído pela Fundação Alexander Brandt, com o apoio financeiro do  FNMA, 2000. Cópia: acervo Luiz Cruz. 

Os trabalhos desenvolvidos pela SAT propiciaram a melhoria da qualidade de vida da comunidade, elevou a autoestima e o senso de pertencimento da população. Porém, com o incremento do turismo e a exposição da cidade na mídia, acabou por atrair a atenção de interessados em adquirir imóveis na cidade. Com isso, tivemos aspectos positivos e negativos, o conjunto arquitetônico acabou preservado, mas a população foi aos poucos para o entorno. Chegou a tal especulação imobiliária e os grandes investimentos, tudo a promover direta e indiretamente a processo de gentrificação – ou melhor, de esvaziamento do núcleo arquitetônico e urbanístico antigo de Tiradentes. Agora, no momento, ocorre outro tipo de gentrificação com a instalação dos condomínios fechados. Investimentos que se distanciam profundamente da realidade do lugar, a ocupar o entorno e comprometer a biodiversidade, os recursos hídricos, a mobilidade, a falta de estrutura para o saneamento e o tratamento dos resíduos. Com isso há crescimento, sem contemplar o desenvolvimento sustentável e saudável para a comunidade.

Borboleta registrada no Terreno Maria Joana, de propriedade da SAT, Serra de São José, Tiradentes. Fotografia: Luiz Cruz. 

No dia 10 de maio de 2023, quando fazíamos uma caminhada no Alto da Serra de São José, através de uma ligação telefônica, descobrimos que o Terreno Maria Joana iria a leilão judicial no dia 22 desse mês, a partir das 10h. Tal fato foi em decorrência de multa, por um incêndio criminoso no Terreno Maria Joana, através de BO efetuado pela Polícia Militar do Meio Ambiente de Minas Gerais.

Ao longo do tempo o IEF/MG negociou com a presidência da SAT, depois, sem conseguir notificar a presidência, o processo foi para a justiça e rolou à revelia. Todo os trâmites legais do processo, todos os nomes que os oficiais de justiça tiveram contatos, ficaram devidamente registrados lá, em suas 282 páginas.

Após o momento que soubemos da ocorrência do leilão judicial, procuramos a Prefeitura, tratamos do assunto com o prefeito Nilzio Barbosa e o secretário de governo Rogério de Almeida. Ocorreu então a desapropriação do Terreno Maria Joana e o leilão foi suspenso temporariamente. No Decreto N.º 4.218, de 18 de maio de 2023, que fez a desapropriação do Terreno Maria Joana, destinou-se o imóvel:

Art. 1º. Fica declarado de Utilidade Pública, para fins de desapropriação, amigável ou judicial, o imóvel abaixo discriminado, de propriedade Sociedade Amigos de Tiradentes:

I – Terreno rural com 9.68.00 hectares, Lugar denominado “Maria Joana”, s/n, Zona Rural Tiradentes MG. MARÍCULA 5443 CRI de São João del-Rei/MG, área da edificação não consta. DESCRIÇÃO: Trata-se de um terreno rural com 9.68.00 hectares de terra de campo, com as medidas e confrontações descritas na matrícula, conforme certidão de registro de imóvel, que passa a fazer parte do presente Decreto:

Art. 2º. A declaração de utilidade pública objetiva a desapropriação do imóvel referido no art. 1º para fins de implantação do Parque Arqueológico da Serra de São José.

Art. 3º. O imóvel desapropriado deverá ser avaliado na forma da Lei e as despesas decorrentes da desapropriação a que se refere o presente Decreto correrão à conta da dotação orçamentária constante do orçamento vigente.

Art. 4º. Este Decreto entre em vigor na data da sua publicação.

Tiradentes, 18 de maio de 2023.

Nilzio Barbosa

Prefeito Municipal

Portanto, com a desapropriação, o terreno teria destinação já assegurada.

Ao longo de duas décadas consecutivas a SAT teve diretorias muito atuantes e que contribuíram sobremaneira para a proteção do patrimônio cultural e ambiental de Tiradentes.

 1ª Diretoria – 1980Presidente: John ParsonsVice-Presidente: João Evangelista Lourenço e Manoel Batista Morais
 2ª Diretoria – 1984Presidente: John ParsonsVice-Presidente: Joaquim Ramalho Filho
 3ª Diretoria – 1989Presidente: John ParsonsVice-Presidente: Alberto José dos Santos
 4ª Diretoria – 1992Presidente: Olinto Rodrigues dos Santos FilhoVice-Presidente: Jânio Caetano de Abreu
 5ª Diretoria – 1997Presidentes: Luiz CruzVice-Presidente: Lucy Gonçalves Fontes Hargreaves
 6ª Diretoria – 1999Presidente: Dalma Fernandes FerreiraVice-Presidente: John Parsons
 7ª Diretoria – 2004Presidente: Gustavo DiasVice-Presidente: John Parsons

Com o passar do tempo, a SAT conquistou muitos associados colaboradores, tanto tiradentinos quanto admiradores da cidade; não há como deixar de se registrar a importância do casal John Parsons e Anna Maria Parsons, de Ângelo Oswaldo Araújo, José Luiz Alqueres, Celso Nucci Filho, Maria Coleta de Oliveira,   Cláudio de Moura e Castro, Margarida Ramos, Sibila Müllet, Joaquim Falcão, Silvia Finguerut, Paulo André Rohmann, Eros Roberto Grau, Lucy Gonçalves Fontes Hargreaves, Arlindo Daibert, Yves Alves, Dalma Fernandes Ferreira, José Carlos Barbosa de Oliveira, José Nacif, José Pedro de Oliveira (SOS Mata Atlântica), Jânio Caetano de Abreu, Luiz Carlos Barbosa, Eros Conceição e tantos outros. Alguns dos associados cumpriram suas missões e partiram para a eternidade, outros ainda vivem e continuam a colaborar com Tiradentes e suas demandas para a salvaguarda do patrimônio.

A SAT desenvolveu projetos PIONEIROS e deixou pegadas positivas. A última diretoria, não convocou AGO – Assembleia Geral Ordinária e nem AGE – Assembleia Geral Extraordinária; segundo os seus “Estatutos”, para ocorrer eleição, a presidência deve convocar as assembleias, eleger nova diretoria e empossar. A SAT não foi extinta, para tal também deveria ocorrer em AGO ou AGE. A SAT não poderia desfazer de seu patrimônio sem seguir as determinações estatutárias. Seu endereço continua sendo Rua da Câmara, 124, Sobrado Ramalho, Centro, Tiradentes-MG.

Anúncio do Leilão Judicial do Terreno Maria Joana, de propriedade da SAT, na Serra de São José, 10 de maio de 2023. Fotografia: Luiz Cruz.

Após grande mobilização da sociedade e da imprensa, o prefeito Nilzio Barbosa, o secretário Rogério de Almeida e Douglas Veloso, estiveram em reunião na Secretaria de Estado do Meio Ambiente, com a secretária Marília Carvalho de Melo e a diretora do IEF/MG, Maria Amélia de Coni de Moura Mattos Lins. Decidiu-se pela “adjudicação”, ou seja, a extinção da multa, mas a propriedade acabou nas mãos do IEF/MG. O vasto terreno Maria Joana, o “coração” da Serra de São José, a troco de uma multa por um incêndio criminoso na propriedade da SAT, provocado pelos donos de cavalos que sempre soltaram os animais lá. Ou seja, o órgão estadual ficou com a propriedade, venceu a parada, pela bagatela de R$126.821,26.

Tiradentes que praticamente desfez de todos os seus terrenos, perdeu a oportunidade ímpar de assegurar uma área espetacular em tantos aspectos, para implantar projetos socioculturais e ambientais.

Então, só nos resta indagar:

– quem em Tiradentes confia no governo de Minas Gerais, que é devastador e pró-mineração?

– qual é a credibilidade que o IEF/MG construiu ao longo dos anos, aqui, desde a criação da APA São José, em 16/2/1990, do RVS da Libélulas em 5/11/2004 e do Mosaico de UCs, em 16/5/2007?

– terá alguém para acompanhar os próximos incêndios florestais, para que a Polícia Militar do Meio Ambiente/MG e o IEF/MG tenham o mesmo rigor que teve com sua parceira de projetos, a SAT?

– por que no leilão judicial uma mineradora poderia ter arrematado o Terreno Maria Joana pelo valor R$126.821,26, mas mesmo a SAT perdendo a titularidade da propriedade do imóvel e ao entrar a Prefeitura de Tiradentes na tentativa da salvaguarda da área o seu valor seria reajustado, com o valor da multa cheia, para acima de R$400.000,00? Este é senso de JUSTIÇA no Brasil?

– qual instituição estará disposta a fazer parceria com o IEF/MG que está mais para Joaquim Silvério dos Reis do que para Joaquim José da Silva Xavier?

Soltura de cavalos no Terreno Maria Joana, durante gravações da Rede Globo, em apoio à campanha “Salve o Mangue”, maio de 2023. Fotografia: Luiz Cruz.

No papel e para o Estado de Minas Gerais a Serra de São José está devidamente protegida, mas a realidade nos revela situação oposta. Pior, com as mineradoras de olho nesse tesouro vivo e assim que o movimento ambiental enfraquecer, farão novas demonstrações de seus interesses e de suas garras devastadoras.

O tal “Decreto de Desapropriação do Terreno Maria Joana”, publicado em 18 de maio de 2023, citado acima, caiu por terra.

Esse libelo poderia ter um desfecho mais favorável a Tiradentes. Conseguimos evitar que o Mangue caísse nas mãos de uma mineradora ou fosse transformado em mais um “resort”, mas perdemos a titularidade da propriedade. Aqui, então, precisamos registrar gratidão ao prefeito Nilzio Barbosa e ao Rogério de Almeida pelos esforços envidados e por terem abraçado a causa. Gratidão aos profissionais dos diversos meios de comunicação pelo apoio e também por tantos apreciadores que revelaram o encantamento pela Serra de São José.

Agora só nos resta aguardar e torcer para que o TOMBAMENTO FEDERAL pelo IPHAN se efetue. Ainda bem que, pelas eleições limpas e democráticas nos livramos do desgoverno, o inimigo número 1 do Meio Ambiente no Brasil.

Resistir é preciso!

No momento, com tanta comoção pelo risco da perda do Terreno do Mangue, por que não se convoca um AGO – Assembleia Geral Ordinária e se realiza a revitalização da SAT? Instituição tão necessária, principalmente nesses tempos em que a cidade de Tiradentes fica mais POBRE e perde seus elementos identitários e memoráveis, além de passar por processos distintos e severos de gentrificação?

Luiz Antonio da Cruz

FONTE LUIZ CRUZ TIRADENTES

Mais Notícias

Receba notícias em seu celular

Publicidade