Desde 2016, quando houve o primeiro cadastro após a tragédia de Mariana, total de áreas de mineração inoperantes passou de 400 para 520
O número de minas paralisadas ou abandonadas em Minas Gerais, um dos maiores estados mineradores do país, aumentou 30% em relação ao primeiro cadastro divulgado pela Fundação Estadual do Meio Ambiente (Feam), em 2016, ano seguinte ao rompimento da barragem de Mariana, que matou 19 pessoas e devastou a Bacia do Rio Doce.
O estado contabiliza pelo menos 520 minas nessa situação. No levantamento anterior, feito seis anos antes, eram 400 minas paralisadas ou abandonadas por questões técnicas ou econômicas. O que diminuiu foi o número de empreendimentos em condição de abandono, que caiu de 169 para 119.
Mas, de acordo com a própria Feam, esse número não corresponde à totalidade de empreendimentos nessa situação, sendo o levantamento, considerado apenas uma amostragem. De acordo com dados da Companhia de Desenvolvimento de Minas Gerais (Codemge), no estado existem 1.425 minas, entre ativas, inativas e exauridas.
Outra mudança em relação ao cadastro anterior é a retirada do relatório pela Feam da classificação sobre o risco ambiental e vulnerabilidade. Também não consta mais do levantamento a situação das minas paralisadas, anteriormente classificadas entre aquelas com controle (97 empreendimentos) e sem controle ambiental (134).
Esse ranqueamento era feito com base em critérios como tempo de paralisação ou abandono, potencial poluidor e área impactada. De acordo com a Feam, a classificação deixou de ser feita devido a “defasagens metodológicas”. A decisão é criticada por especialista ouvido pelo Estado de Minas.
Mudanças de definição
Algumas das minas anteriormente cadastradas como paralisadas e sem controle ambiental já entraram no cadastro relativo a 2022 como abandonadas. Um desses casos é o da Halba Comércio e Indústria de Pedras Preciosas que, em 2016, foi classificada pela Feam como atividade suspensa, sem controle ambiental e com média vulnerabilidade e risco. Hoje, consta como abandonada.
Já uma mina em Formiga, no Centro-Oeste mineiro, na qual a Mineração Corcovado extraía a gnaisse, rocha muito usada na construção civil para fazer pisos, antes era tida como paralisada e com alto risco ambiental. No cadastro atual, aparece somente como paralisada. Outras, como a mina de granito da mineradora Juparaná, em Jequitonha, seguem classificadas como abandonadas.
Muitas das minas paralisadas ou abandonadas constantes no primeiro cadastro divulgado há sete anos pela Feam foram alvo de procedimentos de investigação abertos pelo Ministério Público Federal, mas a maioria deles hoje está sob os cuidados do Ministério Público de Minas Gerais, pois as áreas e os problemas encontrados não eram de responsabilidade da União.
A equipe do Estado de Minas procurou o Ministério Público estadual, que pediu prazo para levantar a situação dos procedimentos envolvendo a questão. Representantes das mineradoras Juparaná, Corcovado e Halba não foram localizados para comentar a situação de suas minas paralisadas ou abandonadas.
Especialista diz que risco é generalizado
O engenheiro de minas Hernani Mota de Lima, professor do Departamento de Engenharia de Minas da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop), explica que é difícil avaliar o risco desses empreendimentos sem estudar caso a caso. Mas, segundo ele, as pedreiras têm potencial de degradação menor do que os pontos de extração de ouro, por exemplo.
“Mas todas tem risco ambiental, maior ou menor, e também risco para a segurança das pessoas que moram ao redor ou que, por curiosidade, acabam entrando nesses locais abandonados ou com as atividades suspensas”, destaca o engenheiro.
Segundo ele, por lei, todas as minas após o término de suas atividades, devem ser recuperadas. Há legislação “clara e boa” para isso, diz. O problema é o cumprimento e a fiscalização. “Uma mina abandonada traz sempre um risco ambiental e à segurança das pessoas de um modo geral, por isso a necessidade de um controle que deve começar lá no início do empreendimento”, afirma Lima.
O professor lamenta a decisão da Feam de retirar a classificação de risco dos empreendimentos inativos. Para ele, o governo tomou essa decisão para não se comprometer. “Se tem uma mina classificada como de risco, algo tem que ser feito”, observa.
Segundo o especialista, é preciso licenciamento, plano de recuperação e fechamento, mas isso não garante que o empreendedor não vá abandonar a área, uma atitude criminosa. Ele afirma que a lei precisa ser aplicada, mas diz que a cobrança em relação a isso é fraca. “Tem minas abandonadas há muitos anos, e nada é feito. Além disso, não há, como em outros países, uma rubrica para que o governo faça essa recuperação em caso de abandono criminoso”, afirma.
O ideal, na avaliação do professor, seria seguir o modelo adotado em outros países mineradores, como os Estados Unidos, que tem um fundo para essa finalidade, formado com recursos pagos pelas próprias mineradoras. Outra possibilidade – que segundo ele já foi tentada sem sucesso em Minas Gerais – é exigir dos operadores das lavras uma garantia financeira prévia, uma espécie de caução, para recuperação ao fim do empreendimento. “A legislação no Brasil ainda é incipiente em relação a como punir e cobrar do minerador a recuperação da área”, afirma. (AM)
Bombas-relógio no colo do Estado
Mateus Parreiras
Se em Nova Lima, na Grande BH, a mina de ouro paralisada da AngloGold Ashanti causa preocupação, uma bomba-relógio de potencial muito mais nocivo foi finalmente desarmada no município vizinho de Rio Acima, também na região metropolitana da capital. Depois de gastar R$ 11,57 milhões, a Copasa concluiu a descaracterização das duas barragens de rejeitos de ouro da Mundo Mineração, antes consideradas em estado crítico.
Engenho 1 e Engenho 2, repletas de componentes tóxicos com o mesmo arsênio que contamina a água na Mina Morro da Glória, chegaram a ser classificadas como as mais perigosas do Brasil, por estarem abandonadas desde 2006 e ficarem a menos de três quilômetros da captação de água de Bela Fama, em Nova Lima. As obras foram concluídas em julho de 2022. “As antigas barragens encontram-se com solo seco e sem indícios de material tóxico”, informou a companhia de saneamento.
Depois da fuga dos donos em 2006, o Estado foi condenado judicialmente a arcar com os prejuízos deixados pela empresa. Foi então formado um comitê com a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad), Polícia Militar, Corpo de Bombeiros, Casa Civil e Prefeitura de Rio Acima, entre outros órgãos, para fazer o monitoramento e não deixar que a estrutura ficasse abandonada.
Apesar de o conteúdo ser mais tóxico do que o encontrado em barragens de rejeito de minério de ferro, a quantidade é menor do que a dos últimos reservatórios que se romperam em Minas Gerais. O volume de rejeitos era de 700 mil metros cúbicos, muito menos do que o das represas de Brumadinho (12 milhões de metros cúbicos) e de Mariana (40 milhões). A água retida nos dois barramentos foi escoada, filtrada e tratada antes de retornar com segurança ao Rio das Velhas.
As retenções em lonas plásticas que impediam a água acumulada de ser absorvida pelo solo foram envelopadas com o lodo resultante do processo de filtragem. Tudo foi recoberto por terra, recebeu revegetação e se torna aos poucos parte da paisagem.
Desde 2006, a Mundo Mineração, uma empresa australiana com parte societária de brasileiros, planejava extrair ouro da Mina do Engenho D’Água e de outras duas propriedades em Rio Acima. Mas outras minas não chegaram a ter o licenciamento liberado, devido a vários entraves, inclusive a demarcação do Parque Nacional da Serra do Gandarela.
Quando finalmente os licenciamentos começaram a tramitar, o projeto já não se mostrava viável, segundo relatos da mineradora a seus acionistas, aos quais o EM teve acesso. Com apenas uma mina ativa, a empresa acumuava dívidas com quatro credores, dos quais três aceitaram renegociar cerca de R$ 15 milhões.
FONTE ESTADO DE MINAS