Grupo também considera comunicação da Vale com a comunidade pouco clara
Um grupo de pesquisa da Faculdade de Engenharia Industrial de São Paulo, a FEI, visita Itabira nesta semana para estudar os impactos sociais da mineração e o que o município pode fazer para ter uma transição sustentável até o fim da atividade, previsto atualmente para 2041. As pesquisas conduzidas por Jacques Demajorovic, Adriano Pimenta e Rodrigo Barreto são norteadas por dois temas: a relação da Vale com a comunidade – no que diz respeito à comunicação, divulgação de informações, entre outros – e os modelos adequados para o fechamento de minas. Hoje na segunda etapa da pesquisa, o grupo é enfático ao dizer que a Vale precisa criar canais de diálogo mais claros com os itabiranos, além de alertar sobre a falta de “senso de urgência” geral sobre o tema.
Segundo o professor doutor Jacques Demajorovic, Itabira poderá ser um exemplo, positivo ou negativo, para outros territórios brasileiros que enfrentarem o mesmo cenário futuramente. O trio já havia visitado a cidade em agosto do ano passado, na primeira etapa do projeto, e seguirá realizando pesquisas até esta sexta-feira (6).
“E por que Itabira? Itabira vai ser a grande janela, pro bem e pro mal, para as outras experiências de fechamento do Brasil, porque vai ser o primeiro encerramento em grande escala, no qual temos a possibilidade de fazer as coisas certas ou as coisas erradas. E certamente isso vai influenciar, para um lado ou para o outro, os demais territórios”.
Além de ouvir diferentes setores do poder público, os pesquisadores também conversaram com moradores dos bairros Bela Vista e Nova Vista. E o que se notou nas visitas foi a falta de diálogo da Vale com as comunidades, o que agrava ainda mais a situação, diz Adriano Pimenta.
“(O cenário) É preocupante. O processo precisa de diálogo, engajamento e transparência, e não ser uma decisão unilateral. O que a gente tem visto é isso, não tem esse diálogo, a empresa vai decidindo… o que escutamos da população é que todo mundo soube que o processo de mineração foi estendido não porque a Vale comunicou, mas porque saiu notícia na mídia, porque foi dito na bolsa de valores. Isso já mostra uma falta de diálogo com quem mais será impactado”, opina. “E há uma certa desconfiança das pessoas sobre o que vai ser esse futuro por conta dessa falta de diálogo“, acrescenta Rodrigo Barreto.
Dependência que “emperra”
Outro problema identificado pelo grupo, cujo trabalho de pesquisa deverá ser finalizado em março de 2025, é a “minério-dependência”. Autoexplicativo, o termo exemplifica a dificuldade em se fazer cumprir as leis voltadas à principal atividade econômica da cidade.
“Estávamos conversando que existe uma lei que obriga a Vale a informar sobre o fechamento de minas, mas essa lei parece que não é cumprida. Então, claro, você deveria olhar para quem deve executar a lei e perguntar porque ela não está sendo cumprida. Mas aí a gente entra no tema da ‘minério-dependência’. A dificuldade em se fazer cumprir a lei ou pressionar para que ela seja obedecida muitas vezes esbarra nesse poder que a mineradora possui”, detalha Adriano.
Diversificação econômica
Muito falada no meio político itabirano, a sonhada diversificação econômica também foi, claro, comentada pelos pesquisadores. Para Jacques, ainda há tempo para uma transição saudável, mas é preciso criar uma noção de urgência o quanto antes.
“Quando se discorre sobre o tema, parece que existem caminhos, um interesse pela temática. Mas talvez o que não se tem é a noção de urgência. Até 2041 parece muito tempo, mas não é. Mas me parece um tempo razoável para se fazer um bom processo de transição, depende das forças do território, elas que farão a Vale participar também. Essas forças são a legislação, comunidade e o poder público achar que isso de fato é prioritário.”
Mas ao contrário do que prega o pesquisador, essa não parece ser uma prioridade da gestão municipal. Uma recente reportagem da DeFato mostrou que o eixo da diversificação econômica contará com R$ 94.656.457 milhões em 2024. O montante está acima apenas dos recursos voltados à manutenção da Câmara Municipal, estimados em R$ 31.316.329. Para se ter ideia, a área de “Sustentabilidade e Urbanismo” – que contempla, entre outros, melhorias nas estradas rurais, urbanização de vias e manutenção de praças e jardins – terá a seu dispor R$ 351.521.852 milhões.
Traçando um paralelo com outro trabalho promovido pelo grupo, Jacques pontua que é necessário um planejamento específico para o fim da mineração. “Fizemos um documentário sobre crianças que estão na escola e trabalham na rua em São Paulo. Conversamos com uma especialista em infância e ela nos falou: ‘Onde está a importância da criança? No orçamento. Me mostre onde ela está no orçamento e aí depois você me diz o que é prioritário’. Acho que é a mesma coisa, porque a diversificação econômica depende de ter um fundo criado especificamente para isso, com projetos específicos”, analisa o especialista.
Para o professor, há ações isoladas de alguns dos envolvidos, mas pouco trabalho conjunto. Por fim, ele deixa o alerta: ao contrário de outras atividades, a mineração possui começo, meio e fim.
“Sabemos que tem algumas coisas caminhando na direção de uma Itabira sustentável, mas pelo que vemos aqui não é um negócio que incorpora uma visão da comunidade. Há um pouco da Prefeitura, um pouco da Vale… mas acho que esse é o grande desafio. Se ela aparece, por exemplo, como a 18ª prioridade, com recursos muito pequenos, a prioridade é muito baixa. E aí junta com aquilo que estávamos falando: o sentido de urgência é fundamental. É preciso ter uma visão estratégica, isso faz parte do processo de mineração. A única coisa que sabemos é que mineração tem começo, meio e fim”.
Sobre o grupo
Jacques Demajorovic, Adriano Pimenta e Rodrigo Barreto integram o programa de pós-graduação da FEI. O trabalho é financiado pela bolsa CNPQ e é dividido por três etapas. Na primeira, o objetivo foi entender como a população de Itabira entende os impactos sociais da mineração hoje e futuramente, além da sua visão sobre o futuro da cidade sem a atividade econômica. Nesta fase, foram ouvidos cerca de 16 itabiranos.
A segunda e atual etapa consiste em avaliar, por meio de entrevistas, a comunicação da Vale com a comunidade e as características do território itabirano que podem favorecer o fim da extração mineral de forma mais sustentável. Com as consultas, os pesquisadores esperam chegar a 40 entrevistados.
Por fim, o grupo irá analisar todas as informações colhidas, levantar as forças e fragilidades de Itabira e elaborar o resultado final, que será entregue, inclusive, ao poder público. Além de Câmara e Prefeitura, os pesquisadores da FEI também conversaram com representantes do Sindicato, Acita, OAB e outras entidades.
FONTE DAFATO ONLINE