Lugarejo bucólico é perfeito para almoçar e passar um dia de papo pro ar na Serra do Espinhaço
Quando cheguei à Vila do Biribiri, na região central de Minas Gerais, pensei estar diante de uma cidade cenográfica. Encravado entre os vales e montes da Serra do Espinhaço a 30 minutos de viagem de Diamantina, o vilarejo é tão pequeno e bem conservado que não parecia real.
Depois de percorrer estradas de terra com montanhas e lagos de leitos de pedras como as únicas personagens do cenário do cerrado, foi surpreendente encontrar uma vila de casas com paredes de um branco tão limpo que parecia ter sido retocado há poucos dias e janelas e portas azuis igualmente impecáveis.
O nome do pacato vilarejo de 18 mil hectares explica sua geografia: “biribiri” significa “buraco fundo” em tupi-guarani, uma referência à posição que ocupa entre o pé de uma montanha e um rio.
Carros não são permitidos dentro da vila e a música alta também não é liberada, o que cria um clima de profunda tranquilidade. Cronicamente online como sou, logo percebi que é difícil conseguir sinal de celular por lá, o que funcionou como um convite não intencional a desligar o aparelho e relaxar embaixo de uma das árvores que pontilham o gramado.
A paz era tanta quando me sentei em um dos bancos estrategicamente posicionados sob uma delas que me fez querer cancelar meu voo de volta para São Paulo para me integrar ao universo bucólico de Biribiri.
Mas não se preocupe, se você precisar utilizar a internet, os restaurantes do local têm wi-fi gratuito; basta perguntar a senha aos garçons.
Mas não se engane pelo clima sereno, porque a vila já teve momentos de estrelato. Biribiri ganhou as telas como cenário dos filmes Xica da Silva, de Cacá Diegues; A Hora e a Vez de Augusto Matraga, de Vinícius Coimbra; e a novela Irmãos Coragem, da TV Globo, na década de 1970. No clássico literário de Helena Morley, Minha Vida de Menina, também se encontram referências ao lugarejo.
O casario de taipa expira história e não à toa a Vila do Biribiri foi tombada pelo Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha) em 1998. A história por trás de tudo eu descobri com os atendentes de um dos dois restaurantes do vilarejo. Em 1876, o local foi escolhido por João Antônio Felício dos Santos, o então bispo da região, para a construção de uma das primeiras fábricas têxteis de Minas Gerais.
Por quase cem anos, ali foram produzidos tecidos de algodão grosso para venda na região e no Rio de Janeiro. A escolha da localização tinha prós e contras. Por um lado, era ideal pelo terreno acidentado e por estar próxima do Rio Biribiri, cujas águas foram utilizadas como força motriz para uma hidrelétrica dentro do próprio povoado. Mas por outro, era de difícil acesso aos operários, já que estava a 14 quilômetros do centro de Diamantina.
A solução foi construir uma vila operária para abrigar os trabalhadores. Em torno de 300 operários moraram nas casas que dividiam espaço com escola, armazém e barbearia. Uma das intenções do bispo ao fundar a fábrica e a vila era garantir abrigo e emprego às moças carentes do Vale do Jequitinhonha, por isso a maior parte das moradoras e funcionárias era mulher.
Apesar da filantropia, a condição feminina era limitada pelo controle religioso e pela divisão do trabalho, que não destinava às mulheres nenhum cargo de chefia.
Com o encerramento das atividades fabris em 1972, as famílias se mudaram e hoje residem apenas cinco moradores, além do vira-lata Mequetrefe. Por isso a Vila do Biribiri é conhecida como cidade-fantasma por alguns, apesar de ser o oposto do que se esperaria de um cenário abandonado.
O testemunho do antigo movimento da região fica por conta dos galpões industriais, de um antigo dormitório feminino, de uma escola desativada, das 33 casinhas brancas e azuis e da Capela do Sagrado Coração de Jesus, que tem um relógio doado pela Família Real e está cercada por palmeiras. No entorno da igreja, está enterrado o senador Joaquim Felício dos Santos, que fundou a vila junto com o bispo João Felício.
Hoje, a vila é um destino tranquilo para almoços tradicionais feitos no fogão a lenha em um de seus dois restaurantes. O Restaurante da Vila (antigo Raimundo sem Braço) serve pratos à la carte e buffet self-service de terça a sexta-feira, das 10h às 17h, e aos sábados e domingos, das 9h30 às 19h.
Um dos pratos mais tradicionais de Minas Gerais e que mais sai no vilarejo é o frango ao molho pardo (R$ 68 para uma pessoa e R$ 175 para cinco), exatamente o que eu comi junto com generosas porções de arroz, feijão, couve e angu. Sou apaixonada por feijão com caldo grosso e não me decepcionei. A combinação com o caldo mais leve do frango, que estava desmanchando, foi ótima.
Para beber, o suco natural de morango equilibrou perfeitamente. Cocadas e pé de moleque caseiros fecharam com chave de ouro o almoço.
O restaurante tem uma área externa com mesas sob guarda-sóis azuis, mas eu comi do lado de dentro em uma das mesas de madeira no salão com paredes de tijolo de adobe e iluminação baixa.
Adilson Costa, de 46 anos, foi funcionário da Estamparia S/A e continua morando na Vila do Biribiri. O ex-operário é dono do Restaurante do Adilson, que serve linguiça caseira, carne de sol, feijão tropeiro e outras iguarias mineiras de segunda-feira a domingo, até às 18h.
Em frente ao Restaurante da Vila, o Café Biribiri abre de quarta-feira a domingo, das 10h às 18h, para servir petiscos, como pasteizinhos de angu, biscoitos de polvilho e torresmo, além de bolo de fubá com goiabada, brownie com sorvete e outras sobremesas.
Visitei o vilarejo em uma sexta-feira e o movimento estava tranquilo, mas a situação muda aos fins de semana. Por estar dentro do Parque Estadual da Vila do Biribiri, onde há trilhas, nascentes e cachoeiras, o local recebe mais pessoas que buscam matar a fome depois de se refrescarem nas águas aos sábados e domingos.
Um dia é suficiente para descobrir a Vila do Biribiri, mas ela pode ser um ponto de partida para explorar o ecoturismo do parque em que está localizada. A Cachoeira dos Cristais está a 10 minutos de carro, enquanto a da Sentinela está a 15.
Estadias mais longas são possíveis na Pousada do Biribiri, a única do local. A hospedagem oferece café da manhã – com muitos pães de queijo e bolo caseiro – e todos os 13 quartos têm televisão, frigobar e ventilador.
Betânia, a simpática dona da pousada e outra moradora de Biribiri, adora papear sobre Diamantina e a história da vila. Se você quiser dicas de passeios ou saber mais sobre o lugar, não se acanhe em chamá-la para conversar.
Serviço
A Vila do Biribiri está dentro do Parque Estadual do Biribiri, a 30 minutos de Diamantina, em estrada de terra. Para entrar no vilarejo, é preciso pagar uma taxa de R$ 10 e há um limite de 500 visitantes por vez.