Para receberem os pagamentos das mineradoras, os municípios precisam abrir mão de indenizações no exterior, mas somente quatro pediram para deixar o processo inglês contra BHP
Quase dois meses após a repactuação do acordo de reparação pelos danos da tragédia de Mariana (MG), apenas quatro das 37 cidades representadas na ação coletiva contra a BHP em Londres pediram para deixar o processo. A saída é um requisito para que elas possam receber os repasses das mineradoras aos municípios. Ao todo, 11 prefeituras aceitaram o novo acordo, entre 49 cidades de Minas e Espírito Santo contempladas. Ainda há pelo menos quatro meses de prazo para que o restante decida sobre a assinatura.
Como mostrou O GLOBO, a adesão de municípios é motivo de disputa entre advogados e as mineradoras. Enquanto o escritório Pogust Goodhead pede R$ 52,4 bilhões em indenizações aos municípios na ação coletiva contra a BHP em Londres, o acordo recém-homologado no STF prevê repasses de R$ 6,1 bilhões em 20 anos às cidades. Quem aceitar, precisará abrir mão de qualquer ação no exterior.
O escritório representava 46 cidades na ação. Destas, 37 estão contempladas pelo acordo brasileiro e têm o direito de receber a indenização no país. Com a saída dos quatro municípios, agora o Pogust Goodhead está representando 42 cidades no processo inglês.
O prazo para adesão é de 120 dias após o lançamento da plataforma digital que sistematizará os pagamentos, previstos para acontecer no início do ano que vem. Ou seja, as prefeituras ainda têm tempo, mas a Samarco — joint venture formada pela BHP e pela Vale e responsável pelos pagamentos — quitou a primeira parcela de forma adiantada aos municípios que aceitaram o acordo até o final de novembro. Quem assinar depois, receberá duas parcelas em maio de 2025. E as outras 18 parcelas serão pagas anualmente em todo dia 30 de abril.
Nesta sexta, a Samarco informou que concluiu o pagamento adiantado às quatro cidades que pediram para deixar a ação de Londres: Córrego Novo e Sobrália, de Minas Gerais, e Conceição da Barra e São Mateus, do Espírito Santo. Na semana passada, Iapu, Santana do Paraíso e Marliéria, de Minas, e Anchieta, Fundão, Serra e Linhares, do Espírito Santo, já haviam recebido a primeira parcela, mas estas não estavam representadas no processo da Inglaterra.
Segundo a Samarco, esse primeiro repasse soma cerca de R$ 26,8 milhões, com recursos “destinados à reparação e iniciativas de fortalecimento ambiental e socioeconômica das cidades atingidas pelo rompimento da barragem de Fundão”. A empresa acrescentou que “mantém diálogo com os demais municípios previstos no acordo para que novos repasses sejam viabilizados, de forma a concluir a reparação de forma definitiva dos danos provocados pelo rompimento”.
Na semana passada, próximo ao prazo final para o recebimento adiantado de parcela, algumas prefeituras se queixaram sobre uma demora da Pogust Goodhead em concluir a burocracia para a saída da ação na corte inglesa. Além da comunicação da prefeitura, era necessário apresentar à Samarco uma comprovação de desistência por parte da juíza responsável pelo caso na Inglaterra.
Procurado, o escritório Pogust Goodhead confirmou a saída dos quatro municípios, mas informou que o julgamento na Inglaterra “seguirá seu curso normalmente até março de 2025, independentemente dos desdobramentos da repactuação no Brasil”. O escritório representava 620 mil pessoas, além de empresas e 46 cidades — das quais 37 estão contempladas no acordo do Brasil. “Ao admitir a jurisdição do caso, a Justiça inglesa determinou que a ação é uma via legítima para buscar a responsabilidade da mineradora e a reparação das vítimas da tragédia”, complementou o escritório.
Adiantamentos a municípios
Além de anunciar a busca por uma indenização quase nove vezes maior que o previsto no acordo de repactuação, o Pogust Goodhead se responsabilizou por todas as despesas na preparação da ação inglesa, desde passagens aéreas, alimentação e hospedagens. No Brasil, eles têm cerca de dois mil advogados parceiros. Os honorários do escritório equivalem à porcentagem de 20% sobre o valor bruto da causa em caso de vitória, modelo questionado no Supremo Tribunal Federal (STF).
Entre os contratos, houve até assinaturas de adiantamentos de R$ 630 mil para alguns municípios. Isso aconteceu, por exemplo, nos acordos com Aimorés (MG) e Ipatinga (MG). Procurado, o Pogust Goodhead disse que houve o termo contratual, em nome do escritório anterior, que depois criou a Pogust, mas o pagamento não foi feito, no caso de Ipatinga.
Procurada, a prefeitura de Ipatinga confirmou que não recebeu valores adiantados e disse que “não aderiu à repactuação por entender que os termos do acordo são prejudiciais ao município”, e, portanto, continua como parte da ação inglesa.
O novo acordo, firmado no final de outubro, definiu pagamento de R$ 100 bilhões — além dos R$ 70 bilhões pagos nos últimos 10 anos — por parte de BHP e Vale nos próximos 20 anos às vítimas na bacia do Rio Doce.
O valor inclui os repasses aos municípios, além de pagamentos de investimentos socioambientais, indenizações individuais, e programas de auxílio a pescadores e agricultores. Os indivíduos terão 90 dias a partir do lançamento da plataforma para decidir se aceitam o acordo ou se seguem com ações no exterior.
Decisão no supremo
Em outubro, o ministro Flávio Dino, do STF, atendeu a um pedido do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram) e proibiu que prefeituras contratem escritórios para atuação no exterior com pagamentos de honorários por êxito, ou seja, por valores atrelados a uma porcentagem da sentença.
Além disso, o ministro determinou a abertura dos contratos feitos pelos municípios mineiros, que agora podem ser consultados no processo do STF. O padrão de honorários da Pogust Goodhead é a porcentagem de 20% sobre o valor bruto a ser recebido no exterior. Em caso de derrota na Justiça inglesa, não haveria cobranças nem necessidade de reembolsos pelas despesas iniciais do escritório.
Procurado, o escritório Pogust Goodhead destacou que a decisão de Dino é liminar, sem análise de mérito e não “afeta a validade” dos contrários atuais. O escritório também disse que os “municípios clientes estão descontentes com os termos do acordo” e que a ação no STF tentou “criar uma cortina de fumaça para desviar o foco do verdadeiro problema: o impacto devastador decorrente do rompimento da Barragem de Fundão para a população, os municípios e o meio ambiente.”
FONTE: O GLOBO