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Desafios e estratégias para preservação sustentável da Casa de Tiradentes   

Nas últimas décadas, o Município de Ouro Branco e a comunidade tentam restaurar e garantir a sustentabilidade da Fazenda Carreiras, mais conhecida como Casa de Tiradentes. A edificação foi desapropriada no período da implantação da Açominas e, a partir disso, passou por três processos de restauro. Mais de meio milhão de reais foram investidos nas obras de recuperação do monumento. No entanto, ainda não foram encontradas estratégias sustentáveis centradas na preservação deste belo exemplar da arquitetura rural de Minas Gerais.   

A Fazenda Carreiras era propriedade da Açominas que, na década de 1980, utilizou o monumento como Museu do Aço. A tentativa de utilização não se efetivou como a siderúrgica imaginava. Por isso a empresa fez a doação do imóvel para a Prefeitura de Ouro Branco. A partir dessa transferência de responsabilidade institucional, a Casa de Tiradentes ficou abandonada e jogada às traças por muitos anos.  No final da década de 1990, a mobilização do terceiro setor foi crucial para restaurar as estruturas arquitetônicas do monumento. Mas a sociedade civil organizada não conseguiu estabelecer parcerias com os poderes constituídos, que culminassem na efetivação de ações coordenadas, cooperadas e colaborativas. E a edificação retornou ao estado de deterioração a partir de 2007.        

A máxima preservacionista chega a ser óbvia: é necessário utilizar para preservar.  Assim como nosso lar, necessitamos utilizá-lo sistematicamente para preservar nossa moradia, lugar de conexões afetivas e de pertencimento. Patrimônio cultural tombado pelo Estado de Minas Gerais, o monumento é um marco da Estrada Real e a sua retrospectiva iconográfica comprova que a Casa de Tiradentes vivenciou momentos de apogeu preservacionista e de degradação.   

A edificação foi totalmente restaurada em fevereiro de 2000, quando foi realizada uma cerimônia para celebrar a reabertura do monumento e incrementar a atividade turística na cidade. Vinte e cinco anos após ser revitalizada integralmente, a Casa de Tiradentes apresenta os mesmos problemas estruturais.   O telhado do casarão encontra-se em péssimo estado de conservação. O piso de madeira está ameaçado com a umidade e as paredes de pau a pique estão deterioradas. Com as chuvas constantes, a situação fica mais agravada.  

Em 2013, o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) acatou as denúncias protocoladas na Promotoria de Justiça de Ouro Branco, responsável pela proteção do patrimônio cultural do município. As notificações de descaso com o patrimônio tombado foram amplamente difundidas pela imprensa mineira.   Em 2015, o monumento passou por outra restauração a partir de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), firmado entre o Ministério Público e a Prefeitura Municipal, proprietária do imóvel.  Entretanto, não podemos tratar o patrimônio cultural como uma propriedade estritamente privada, pois os bens culturais tombados, seja pelo Estado, Município ou União, representam interesses difusos e, portanto, pertencem à coletividade.   

  Em 2016, foi realizado o primeiro Fórum do Patrimônio Cultural de Ouro Branco: política e cidadania que norteou as diretrizes para manter a Casa de Tiradentes preservada. A iniciativa, pautada na escuta comunitária que vivencia o patrimônio cotidiano, contou com apoio do Ministério Público de Minas Gerais e é considerada uma ação pioneira no Brasil, na qual os candidatos a prefeito assinaram um termo de compromisso público no sentido de seguir as propostas aprovadas no fórum. O documento foi encaminhado à Promotoria de Justiça de Ouro Branco, sendo uma forma de direcionar ações conjuntas para salvaguardar a edificação.   

Quase uma década após a realização do primeiro Fórum do Patrimônio Cultural de Ouro Branco, a Fazenda Carreiras continua com sua estrutura ameaçada. Isso evidencia que o compromisso com a preservação do patrimônio cultural vai além de burocracias institucionais e requer a participação comunitária para utilização sustentável do monumento. Em setembro, durante o período eleitoral, foi realizado o segundo Fórum do Patrimônio Cultural de Ouro Branco que também contou com apoio do Ministério Público.  Durante a segunda edição do evento, ficou claro que não basta investir recursos públicos na restauração de um bem cultural sem uma estratégia de utilização pautada nos artefatos turísticos de Ouro Branco e, principalmente, no envolvimento comunitário em ações preservacionistas.   

Todo patrimônio cultural edificado é, antes de tudo, um patrimônio imaterial que registra o modo de ser e de pensar da sociedade em variadas épocas. A Casa de Tiradentes está localizada na zona rural de Ouro Branco. Nesse sentido, torna-se primordial repensar mecanismos sustentáveis de conservação centrados na participação da comunidade. O monumento continua desvinculado ao patrimônio cotidiano da cidade e ainda não tem uma proposta de utilização que possa garantir a sua sustentabilidade. A Igreja Matriz de Santo Antônio de Ouro Branco foi reaberta à celebração de missas em outubro e as práticas religiosas dos fiéis garantem a preservação deste belo exemplar do barroco mineiro. É preciso utilizar para preservar.   

A questão não é a falta de recursos. Torna-se emergencial repensar os erros do passado para evitar o desperdício de dinheiro público em obras de restauro que não estão atreladas às necessidades essenciais da população. O turismo pode ser uma fonte de renda, mas é essencial a elaboração de um planejamento estratégico que possibilite efetivamente a inserção da Casa de Tiradentes no roteiro turístico da Estrada Real a partir de ações educativas sistematizadas e de pesquisas voltadas para entender as dificuldades de manter a edificação preservada. Além disso, é necessário dar vez e voz às pessoas e às instituições que realmente possam colaborar com a conservação do monumento. Na contemporaneidade, a consolidação de políticas públicas preservacionistas deve ser pautada essencialmente na participação popular. Portanto, participar é mais que preciso. 

Éverlan Stutz é jornalista, especialista em Gestão do Patrimônio Cultural pela PUC Minas, Mestrando em Turismo e Patrimônio pela Universidade Federal de Ouro Preto.   

As fotos e vídeos da Casa de Tiradentes são recentes e registram o estado de conservação do monumento durante o período de chuvas.  

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