Minas Gerais, um estado marcado pela intensa atividade mineradora, enfrenta atualmente uma crise ambiental de grandes proporções. O estado possui 43 barragens em alerta ou emergência, sendo que 15 delas, representando 34,8% do total, foram construídas utilizando o método de alteamento a montante, considerado o mais perigoso pela engenharia.
Este modelo de construção, que consiste em erigir a represa sobre o próprio rejeito, representa um risco elevado de deslizamentos e rompimentos, especialmente durante períodos chuvosos. As tragédias de Brumadinho e Mariana, que ocorreram nos meses de janeiro e novembro, respectivamente, demonstram de maneira trágica os perigos dessa técnica, que culminaram em uma perda irreparável de vidas e danos ambientais catastróficos.
Risco de desastres
A situação das barragens em Minas Gerais é alarmante, com 95.300 pessoas vivendo nas proximidades das 15 represas a montante em alerta ou emergência. Essas estruturas acumulam cerca de 384,2 milhões de metros cúbicos de rejeito, um volume que coloca em risco não só a vida humana, mas também o meio ambiente.
Além disso, há outras 19 barragens que foram construídas com o método de etapa única, o que impede sua ampliação contínua. Essas barragens abrigam 46,5 milhões de metros cúbicos de rejeito e afetam aproximadamente 156 mil pessoas.
Embora existam métodos de construção considerados mais seguros, como o alteamento a jusante (onde o rejeito é depositado abaixo da represa), o risco permanece, pois essas barragens também abrigam grandes volumes de rejeito.
No caso do alteamento a jusante, o número de pessoas em risco é de cerca de 44 mil. Já as barragens com elevação por linha de centro, uma técnica que combina características do a montante e do a jusante, envolvem aproximadamente 1,5 milhão de pessoas em áreas de risco, com 6,7 milhões de metros cúbicos de rejeito armazenados.
Falha na governança e fiscalização
A ANM (Agência Nacional de Mineração) é a responsável pela fiscalização das barragens no Brasil, mas a realidade demonstra falhas graves nesse processo. As mineradoras devem enviar a Declaração de Condição de Estabilidade (DCE) duas vezes por ano (março e setembro) para garantir que as barragens estão seguras.
No entanto, cerca de 63% das barragens em alerta ou emergência não tiveram suas declarações aprovadas ou ignoraram os prazos estipulados. Isso expõe uma falha crítica na fiscalização, agravada pela falta de técnicos especializados e pela sobrecarga da ANM, como apontado pelo professor Evandro Moraes da Gama, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Além disso, o aumento da população nas áreas próximas às barragens tem agravado a situação. Muitas dessas áreas são, teoricamente, de servidão, ou seja, delimitadas pelas empresas mineradoras para evitar a proximidade com áreas habitadas.
No entanto, a ocupação urbana nas regiões ao redor dessas barragens cresceu consideravelmente ao longo dos anos, o que torna as pessoas vulneráveis aos desastres.
Solução para o futuro
O professor Evandro Moraes da Gama propõe uma solução radical para os problemas gerados pelas barragens: a eliminação do uso das barragens como forma de armazenamento de rejeitos.
Ele critica o uso do termo “rejeito” para classificar o material, sugerindo que deveria ser tratado como um “coproduto”, com a possibilidade de ser transformado em matéria-prima para outros produtos. Um exemplo notável vem da China, que já utiliza 80% de seus rejeitos para a produção de porcelanato, pisos e até pavimentação de estradas.
Além disso, o projeto “Rejeito Zero”, desenvolvido por Gama, busca promover uma mudança de paradigma, incentivando a colaboração entre o setor público e privado para transformar os rejeitos em produtos úteis. A proposta é viável, mas dependeria de um compromisso sério das empresas e do governo.
No entanto, o professor ressalta que há uma resistência cultural dentro das mineradoras, que preferem demitir engenheiros e contratar advogados para lidar com os problemas jurídicos do que investir em soluções tecnológicas e seguras.
FONTE: TRIBUNA DE MINAS