Operado pela Anglo American, o maior mineroduto do Brasil liga Minas Gerais ao Rio de Janeiro, mas sua história é marcada por custos bilionários, acidentes e conflitos socioambientais.
De acordo com um relatório de análise técnica sobre a infraestrutura industrial do país, o título de maior mineroduto do Brasil pertence ao Sistema Minas-Rio. Operado pela multinacional Anglo American, este complexo sistema “da mina ao porto” é uma das obras de engenharia mais ambiciosas do país, mas também uma das mais controversas. Sua espinha dorsal é um duto subterrâneo de 529 quilômetros que transporta polpa de minério de ferro, atravessando 33 municípios.
A trajetória do projeto, desde sua concepção até a operação, é marcada por uma dualidade. Por um lado, é um feito de engenharia que representa um corredor de exportação vital e um motor econômico para a região. Por outro, seu legado é indissociável de uma dramática escalada de custos, graves incidentes ambientais e profundos conflitos sociais com as comunidades em seu trajeto.
A engenharia de um gigante: como funciona o mineroduto de 529 km?

O maior mineroduto do Brasil foi projetado pela empresa de engenharia Ausenco para ser uma solução logística de alta eficiência. A estrutura é uma tubulação subterrânea de aço carbono, com diâmetros que variam entre 24 e 26 polegadas, e que se estende desde a mina da Anglo American, em Conceição do Mato Dentro (MG), até o terminal portuário da empresa no Porto do Açu, em São João da Barra (RJ).
O sistema não funciona por gravidade. O minério, misturado com água para formar uma polpa (slurry), é impulsionado por duas grandes estações de bombeamento localizadas em Minas Gerais. A viagem completa da polpa de minério pelos 529 km do duto leva cerca de 92 horas. Com uma capacidade nominal de transporte de 26,5 milhões de toneladas por ano, o mineroduto substitui a necessidade de milhares de viagens de caminhão, sendo considerado, do ponto de vista de emissões, um modal mais limpo que as alternativas rodoviária e ferroviária.
De Eike Batista à Anglo American
O projeto foi idealizado em 2004 pela MMX, empresa do Grupo EBX, do empresário brasileiro Eike Batista. A estimativa de custo inicial era de aproximadamente US$ 2 bilhões, com previsão de início das operações para 2009.
Em 2008, a Anglo American adquiriu o projeto, mas logo se deparou com a real complexidade da obra. A empresa herdou um labirinto de desafios, incluindo a dificuldade para obter a liberação de terras de mais de 1.500 proprietários e um complexo processo de licenciamento ambiental. A consequência foi uma explosão nos custos. Quando o primeiro embarque de minério finalmente ocorreu, no final de 2014, o investimento total, incluindo a aquisição, já ultrapassava os US$ 14 bilhões (cerca de R$ 30 bilhões na época), quase sete vezes o valor original.
A crise de 2018, as rupturas que paralisaram o sistema
Apesar da engenharia sofisticada, o risco da operação se materializou em março de 2018. Em um intervalo de apenas 17 dias, o maior mineroduto do Brasil sofreu duas rupturas na mesma área, no município de Santo Antônio do Grama (MG).
O primeiro vazamento, em 12 de março, despejou cerca de 300 toneladas de polpa de minério no Ribeirão Santo Antônio do Grama, interrompendo o abastecimento de água da cidade. O segundo, em 29 de março, foi ainda maior, com 647 toneladas derramadas.
Expansão e sustentabilidade

Após a crise de 2018, a Anglo American tem focado em mitigar os riscos e garantir a longevidade do projeto. A empresa iniciou um investimento de R$ 5 bilhões em uma nova planta de filtragem de rejeitos, que permitirá desidratar e empilhar a seco a maior parte do material, reduzindo a dependência da barragem e permitindo o reaproveitamento da água.
Em 2024, a companhia firmou uma parceria estratégica com a Vale, que transferiu a propriedade do depósito de minério de ferro de Serpentina, contíguo à área do Minas-Rio. O acordo, que deu à Vale 15% de participação no projeto, tem o potencial de mais que dobrar a vida útil da operação, consolidando o maior mineroduto do Brasil como um ativo de longa duração no cenário global.