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NA REGIÃO! conheça a cidade mineira que espelha a divisão entre Lula e Bolsonaro

Lá, a distribuição de votos em 2022 foi quase idêntica à apuração nacional no segundo turno, apenas com diferenças decimais

Com cerca de 5 mil habitantes, Cristiano Otoni, na Região Central do estado, é cortada pela BR-040 e está a cerca de duas horas de carro de Belo Horizonte. Pacata, a cidade logo repercutiu, em meio à inabalável rotina, a chegada da equipe do EM. “Tem um pessoal de reportagem aí”, disse um homem no balcão de um bar-restaurante, onde os jornalistas almoçavam, um dos poucos estabelecimentos que servem a refeição por lá.

A rodovia que liga a capital mineira ao Rio de Janeiro divide Cristiano Otoni entre uma fatia residencial e outra comercial e administrativa, porém igualmente sossegada. A divisão, porém, não fica restrita apenas ao aspecto geográfico: entre os 853 municípios do estado, Cristiano Otoni é o espelho da polarização política que tomou conta do país na última década. 

Lá, a distribuição de votos em 2022 foi quase idêntica à apuração nacional no segundo turno, apenas com diferenças decimais: Lula (PT) teve 50,87% dos votos (50,9% nacionalmente) e Bolsonaro (PL) alcançou 49,13% (49,1% nacionalmente).

Diante desses números, o visitou o pequeno município na última semana para conversar com eleitores de lado a lado, com objetivo de ouvir a cidade-molde quase três anos após um dos pleitos mais equilibrados da história do país.

Pai e filho

Com cerca de 5 mil habitantes, Cristiano Otoni, na Região Central do estado, é cortada pela BR-040 e está a cerca de duas horas de carro de Belo Horizonte.-Leandro Couri/EM/D.A. Press

Com cerca de 5 mil habitantes, Cristiano Otoni, na Região Central do estado, é cortada pela BR-040 e está a cerca de duas horas de carro de Belo Horizonte.Leandro Couri/EM/D.A. Press

Entre os 853 municípios do estado, Cristiano Otoni é o espelho da polarização política que tomou conta do país na última década. Lá, a distribuição de votos em 2022 foi quase idêntica à apuração nacional no segundo turno, apenas com diferenças decimais.-Leandro Couri/EM/D.A. Press

Entre os 853 municípios do estado, Cristiano Otoni é o espelho da polarização política que tomou conta do país na última década. Lá, a distribuição de votos em 2022 foi quase idêntica à apuração nacional no segundo turno, apenas com diferenças decimais.Leandro Couri/EM/D.A. Press

Em Cristiano Otoni, Lula (PT) teve 50,87% dos votos (50,9% nacionalmente) e Bolsonaro (PL) alcançou 49,13% (49,1% nacionalmente).-Leandro Couri/EM/D.A. Press

Em Cristiano Otoni, Lula (PT) teve 50,87% dos votos (50,9% nacionalmente) e Bolsonaro (PL) alcançou 49,13% (49,1% nacionalmente).Leandro Couri/EM/D.A. Press

O filho Aílton da Costa, de 61 anos, e o pai Ernandes da Costa, 85, representam a segmentação política. O mais velho faz o L e defende com afinco a política externa do petista. Já o herdeiro fala com orgulho do fato de participar de grupos conservadores.-Leandro Couri/EM/D.A. Press

O filho Aílton da Costa, de 61 anos, e o pai Ernandes da Costa, 85, representam a segmentação política. O mais velho faz o L e defende com afinco a política externa do petista. Já o herdeiro fala com orgulho do fato de participar de grupos conservadores.Leandro Couri/EM/D.A. Press

Tarcísio Assis Baeta, aposentado de 85 anos e eleitor de Lula, critica Bolsonaro e taxação de Trump. "Acredito que aquela porcaria que está lá nos Estados Unidos é a mesma porcaria que teve aqui".-Leandro Couri/EM/D.A. Press

Tarcísio Assis Baeta, aposentado de 85 anos e eleitor de Lula, critica Bolsonaro e taxação de Trump. “Acredito que aquela porcaria que está lá nos Estados Unidos é a mesma porcaria que teve aqui”.Leandro Couri/EM/D.A. Press

Bolsonarista, Rayane Correia não esconde a avaliação ruim da atual gestão do Planalto. "O giro do dinheiro era bem maior no governo do Bolsonaro. As empresas estavam melhores", diz.
-Leandro Couri/EM/D.A. Press

Bolsonarista, Rayane Correia não esconde a avaliação ruim da atual gestão do Planalto. “O giro do dinheiro era bem maior no governo do Bolsonaro. As empresas estavam melhores”, diz.Leandro Couri/EM/D.A. Press

"Votei no Lula, mas o atual governo poderia melhorar um pouco mais, principalmente nas áreas da saúde e da educação", afirma Andréia Cristina, professora em Cristiano Otoni.-Leandro Couri/EM/D.A. Press

“Votei no Lula, mas o atual governo poderia melhorar um pouco mais, principalmente nas áreas da saúde e da educação”, afirma Andréia Cristina, professora em Cristiano Otoni.Leandro Couri/EM/D.A. Press

Eleitor de Cristiano Otoni expõe, já na porta de casa, a preferência por Lula.Leandro Couri/EM/D.A. Press

Em cima do muro, Sônia Vieira não votou em Bolsonaro nem em Lula: escolheu anular o voto.Leandro Couri/EM/D.A. Press

Cristiano Otoni leva esse nome em homenagem a um capitão-tenente da Marinha, ex-diretor da Estrada de Ferro Central do Brasil. Existe ainda hoje, no município, o arcabouço da antiga estação ferroviária (foto). Atualmente, a economia do município se baseia na produção de grãos, principalmente soja, milho e feijão, e de leite.Leandro Couri/EM/D.A. PressVoltarPróximo

Entre os entrevistados, o pai Ernandes da Costa, 85 anos, e o filho Aílton da Costa, de 61, são os mais representativos da segmentação política. O mais velho faz o L e defende com afinco a política externa do petista. Já o herdeiro fala com orgulho do fato de participar de grupos conservadores nas redes sociais, citando até mesmo a visita de um coronel do exército ao seu antiquário, mantido na avenida mais comercial de Cristiano Otoni.

Eleitor de Cristiano Otoni expõe, já na porta de casa, a preferência por Lula.-Leandro Couri/EM/D.A. Press

Em uma coisa, porém, pai e filho convergem: os responsáveis pela tentativa de golpe de estado em 8 de janeiro de 2023 merecem punição. Ambos, porém, ressaltam a necessidade de uma investigação rigorosa antes da condenação. “O Supremo e o Congresso falam muito em democracia. Está sendo investigado se ele tentou dar o golpe ou não. Acho que ele falou, mas a ideia dele não era essa. Ainda assim, é capaz de prender ele”, diz o lulista Ernandes da Costa.

Já o filho ressalta que muitos foram condenados injustamente pelo Supremo desde 2023. “Tem uma covardia ali. Tem gente que fez errado e tem que pagar. Mas, tem gente que não. Se provar que o Bolsonaro era chefe, tem que prender. Mas, até agora, nada que leva (a essa conclusão)”, afirma o direitista Aílton.

“Eu sou Lula. A impressão que me dá é que ele sempre está tentando vender as coisas do Brasil. Essas viagens dele não são à toa. É para fazer negócio. Com esse presidente americano, a situação está meio difícil. Parece que vamos passar um período de vacas magras. As coisas podem piorar um ‘cado’ agora. Pó de café, avião, carne…”, diz Ernandes.

Professoras, jovem e “ponto turístico”

Mesmo opositor de Lula, o filho comerciante confessa que esperava um governo pior do petista, principalmente na economia. “Eu esperava que seria muito pior. A gente está levando, mas sempre pode melhorar. Acho que o positivo é que o dinheiro roda. Devagarinho, mas roda. Negativo, eu não sei se está rolando corrupção ou não. Não posso provar, mas vamos ver. O governo demorou a agir nessa questão do INSS”, afirma Aílton da Costa.

Uma cidade pequena como Cristiano Otoni sempre apresenta peculiaridades que dão àquele espaço alguma singularidade. Ao passar pela principal via do município, a reportagem do EM se deparou com um tucano sobre a estrutura de uma agência bancária. Para além da beleza da ave raramente vista no espaço urbano, a equipe se surpreendeu com o inusitado: “Tuco”, como é conhecido entre os moradores, é domesticado e atende aos chamados dos seus donos, entre eles a jovem Rayane Correia, de 21 anos.

A partir da proximidade dela com Tuco, classificado como “ponto turístico” do município, a reportagem aproveitou para se aproximar de uma das poucas jovens de Cristiano Otoni e ouvi-la sobre o cenário político do país. Bolsonarista, Rayane não esconde a avaliação ruim da atual gestão do Planalto. “O giro do dinheiro era bem maior no governo do Bolsonaro. As empresas estavam melhores”, diz.

Em cima do muro, Sônia Vieira não votou em Bolsonaro nem em Lula: escolheu anular o voto.-Leandro Couri/EM/D.A. Press

Apesar de reafirmar seu conservadorismo, a estudante pede uma investigação rigorosa sobre os culpados pelo ato de 8 janeiro de 2023. “Se realmente ele (Bolsonaro) for culpado (pela tentativa de golpe), precisa ter uma condenação. Vamos ver o que vai dar. Independente disso, continuarei votando na direita em 2026″.

As professoras Roseli Canela e Andréia Cristina concordam com Rayane, apesar de terem votado em Lula no pleito presidencial. “Com certeza, ele precisa ser condenado. Se ele errou, tem que pagar”, diz Roseli. “Se ele estiver certo, ele vai provar. Mas, qualquer pessoa que fez coisa errada tem que pagar. É o justo”, completa Andréia.

As duas profissionais da educação, no entanto, estão chateadas com a gestão de Lula para o setor. A falta de uma política pública marcante para melhorar as condições de trabalho, sobretudo no interior, é a maior queixa. “Eu sempre fui do PT. Sempre fui petista e acreditei no partido. Mas, a educação está ruim. Poderia estar olhando um pouquinho melhor para essa área”, afirma Roseli.

Trump no interior

Quando o EM foi até Cristiano Otoni, o presidente dos Estados Unidos Donald Trump ainda não havia aberto a investigação comercial sobre o pix, portanto esse tema não foi abordado nas entrevistas. No entanto, a reportagem repercutiu com os moradores do interior a taxação de 50% imposta pelo líder estadunidense sobre produtos brasileiros. Independentemente da posição ideológica, todos os ouvidos reprovaram a postura do republicano.

“Acredito que aquela porcaria que está lá nos Estados Unidos é a mesma porcaria que teve aqui, que foi o Bolsonaro. Não tem como você esperar algo dele, ou saber o porquê dele estar fazendo isso”, diz Tarcísio Assis Baeta, aposentado de 85 anos e eleitor de Lula.

A bolsonarista Rayane Correia também vê impactos negativos na medida de Trump. “A gente exporta muita coisa, então acaba prejudicando bastante. Assim, pode ser uma jogada política, mas acho que o Trump está meio com raiva do Lula”, afirma.

Em cima do muro, após ter votado nulo em 2022, Sônia Vieira concorda com os “vizinhos” da cidade. Ressalta que o fato de o Brasil ser exportador de commodities o coloca em uma posição desfavorável na guerra comercial, sobretudo em um contexto no qual o país compra mais dos Estados Unidos do que vende. “Eu acho que o Brasil manda muitas coisas para fora, sabe? E depois acaba comprando de volta mais caro. Então, acho bem injusto (a taxação)”, diz.

“Não gosto de política”

Em toda eleição, os votos nulos e brancos representam uma parte relevante da sociedade. Em 2022, 5,4 milhões de eleitores se posicionaram dessa maneira nacionalmente, o equivalente a 4,4% do total – apesar de essa fatia ter sido o dobro em 2018. Em Cristiano Otoni, no pleito presidencial de três anos atrás, o percentual de nulos e brancos superou a média nacional: 6,2% da população preferiu não escolher Lula nem Bolsonaro. 

Cristiano Otoni leva esse nome em homenagem a um capitão-tenente da Marinha, ex-diretor da Estrada de Ferro Central do Brasil. Existe ainda hoje, no município, o arcabouço da antiga estação ferroviária (foto). Atualmente, a economia do município se baseia na produção de grãos, principalmente soja, milho e feijão, e de leite.-Leandro Couri/EM/D.A. Press

Entre esses moradores está o autônomo Eduardo Rosa Borges, de 56 anos. Com olhar curioso para a equipe de reportagem, ele mesmo abordou o repórter para participar da apuração. O recado era claro: manifestar sua insatisfação com a política brasileira.

“Posso falar uma coisa pra você, de verdade? Eu não voto em ninguém, porque eu não gosto de política. Eu não sou contra nem a favor desse atual governo. Eu quero que nosso país mude. Seja um país sem briga, com paz. O Lula nunca me prejudicou em nada. O Zema também não. O mesmo vale para o prefeito da cidade aqui. Mas, o nosso Brasil tem que melhorar muito, porque a situação está difícil. O custo de vida, tudo”, diz. 

Apesar de sua reprovação da classe política, Eduardo Borges afirma que a sociedade tem uma larga parcela de culpa na situação relatada – fato que se estende também geopoliticamente, na avaliação do morador de Cristiano Otoni. “O que falta para as pessoas é amor. É o que falta também para o presidente dos Estados Unidos. Ele nunca deveria ter ganhado. Quer acabar com o país dele e se intrometer na vida do Brasil. É igual essa guerra que está acontecendo em Gaza: por que tantas pessoas estão morrendo? As coisas já estão muito difíceis. É preciso sossego. Deitar na cama em paz, sem discussão”, defende.

FONTE: ESTADO DE MINAS

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