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Fim de pedágio revela fragilidade orçamentária em pequenas cidades

Estudo discute impacto para as contas de município na Zona da Mata que terá a retirada de um ponto de cobrança na BR-040 instalado há quase 30 anos

Poucos temas conseguem ser menos polarizantes que os pedágios nas estradas. A rejeição à taxa aplicada aos motoristas em vias privatizadas costuma ser um ponto pacífico mesmo em discussões políticas acaloradas. Porém, uma análise aprofundada sobre o impacto econômico das praças de cobrança mostra que, diante da fragilidade orçamentária dos pequenos centros urbanos espalhados pelo Brasil, abdicar de uma praça de cobrança pode ter impactos negativos que exigem uma engenharia financeira nos municípios.

Simão Pereira, na Zona da Mata Mineira, comemorou neste ano a retirada de uma praça de cobrança há quase três décadas instalada na parte da BR-040 que corta o município. Com cerca de 3 mil habitantes, mais de 60% da arrecadação tributária da cidade está relacionada ao pedágio, de acordo com artigo publicado por pesquisadores da Universidade Federal do ABC Paulista (UFABC).
Os dados são do artigo produzido pelo economista e doutorando do Departamento de Energia da UFABC, Liodoro de Mello; e pelo professor titular do Centro de Engenharia, Modelagem e Ciências Sociais Aplicadas da UFABC, Reynaldo Palacios Bereche.

Com a retirada do pedágio em Simão Pereira, prevista para 2027, os pesquisadores apontam para a necessidade de uma complementação orçamentária para que a cidade não passe por problemas financeiros. De acordo com o levantamento, o Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS) arrecadado a partir da praça de pedágio em 2023 representa R$ 998,4 milhões, ou 60,9% da arrecadação do município considerando os valores obtidos a partir de outros impostos: Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU) e Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis (ITBI).

Impacto significativo no orçamento

Se o valor arrecadado com impostos for somado aos recursos obtidos pelo município com outras taxas como royalties, Contribuição para o Custeio do Serviço de Iluminação Pública (Cosip) e o Fundo de Participação dos Municípios, o impacto da praça de pedágio representa 8,3% do total. Um percentual bem menor, mas ainda significativo para as contas da cidade.

À reportagem, Liodoro de Mello explicou que sua pesquisa busca mostrar como é necessária uma abordagem mais aprofundada sobre o tema e fugir do lugar comum que trata a retirada do ponto de cobrança como uma medida inequivocamente positiva, ou sem nenhum impacto para a gestão pública das cidades.

“Precisamos primeiro pensar se essa retirada é somente positiva. Segundo é que, se houvesse entendimento, deveria haver uma busca de diálogo com a nova concessionária. Para que se possa beneficiar a sociedade em função da formação de uma empresa mista que possa prestar serviço para o pedágio com pátios para estacionamento dos carros da concessionária, por exemplo. Isso gera emprego e condições de trabalho para essa sociedade”, afirmou o economista.

Para Mello, é necessário trabalhar em alternativas para mitigar as perdas arrecadatórias atreladas à retirada do pedágio. Essas formas devem ter foco em atividades produtivas perenes para não deixar a cidade à mercê de fontes de recurso como as emendas parlamentares enviadas por deputados.

“Se você afirmar que a retirada do pedágio e o cessar do imposto que recebe não vai fazer falta porque vai ter alternativas como as emendas, é um processo em que você quebra a lógica produtiva da cidade. Porque você não sabe até quando você vai conseguir trazer recurso para a cidade e principalmente que esses recursos não são produtivos”, analisa.

Nova concessão na BR-040

Em abril deste ano, o Consórcio Nova Estrada Real formado pela Construcap, Ohla e Copasa Group (empreiteira espanhola), venceu o leilão de concessão da BR-040 entre Juiz de Fora e o Rio de Janeiro e garantiu o direito de operar a estrada por 30 anos.

Caberá ao grupo cumprir com as regras do novo edital, entre elas, a mudança de uma das três praças de pedágio do trecho de Simão Pereira para Comendador Levy Gasparian, a cerca de 25 quilômetros de distância e já no estado do Rio. A retirada do ponto de cobrança é uma demanda antiga da cidade mineira, onde ele foi instalado em 1996 pela Concer, antiga empresa responsável pela estrada.

Futuro incerto

Entre 2015 e 2019, Simão Pereira recebeu quase R$ 5 milhões oriundos do ISS cobrado nos pedágios na estrada. O valor representa 7,7% do total destinado aos municípios e a divisão dos recursos é realizada a partir de uma análise de impacto das cobranças para as cidades. Nesta análise, Petrópolis, Duque de Caxias e Juiz de Fora recebem as maiores parcelas com 26,1%; 18,1% e 14,6% do total, respectivamente.

A reportagem procurou a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) para perguntar qual a previsão de alteração no percentual distribuído com a migração da praça de pedágio de Simão Pereira para Levy Gasparian. Até o fechamento desta matéria, não houve respostas.

Para o prefeito de Simão Pereira, David Carvalho Pimenta, conhecido como Chiclete, a retirada do pedágio será positiva, fortalecerá a economia da cidade e não afetará a arrecadação. “Vai ser positivo, o pessoal gostou. Vamos melhorar o turismo, porque o pedágio antes ficava a 500 metros da entrada da cidade. Não tem impacto pras contas, tudo se mantém igual”, disse à reportagem. Ele preferiu não comentar os dados que apontam a queda nos tributos.

FONTE: ESTADO DE MINAS

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