Operado pela Estrada de Ferro Vitória a Minas, o novo trem noturno diário entre Belo Horizonte e Cariacica sai às 19h e 18h, cruza 664 quilômetros com 14 paradas, vende bilhetes de R$ 87 e R$ 125 e promete atrair 60 mil passageiros extras em 2026 na rota ferroviária nacional.
Na quinta-feira (1º), começa a rodar o primeiro trem noturno regular de passageiros do Brasil em três décadas, ligando Belo Horizonte a Cariacica, na região de Vitória, e integrando o plano da Vale que prevê, em 2026, acrescentar 60 mil usuários à rota da Estrada de Ferro Vitória a Minas.
Com viagens diárias e partidas noturnas às 19h em Belo Horizonte e às 18h em Cariacica, o serviço se soma aos dois únicos trens de passageiros de longa distância em operação no país hoje, ambos da Vale, que transportam 1,28 milhão de pessoas por ano entre Minas, Espírito Santo, Maranhão e Pará.
Primeiro trem noturno em três décadas reacende a rota BH–ES
O novo trem noturno entre Belo Horizonte e Cariacica é o primeiro serviço regular de passageiros a operar à noite no Brasil em cerca de 30 anos.
A composição pertence à Estrada de Ferro Vitória a Minas, única linha de longa distância que conecta duas regiões metropolitanas com viagens diárias e contínuas.
A operação noturna é tratada como boa notícia para o setor ferroviário, embora ainda seja considerada tímida diante do passado.
O país, que já teve dezenas de estradas de ferro de passageiros funcionando ao mesmo tempo, viu essa malha minguar ao longo de décadas até restarem apenas dois serviços de longa distância, ambos sob responsabilidade da Vale.
Horários, trajeto de 664 km, paradas e preços das passagens
Na prática, o trem noturno não substitui as viagens diurnas já existentes.
A Vale continuará operando os trens que saem simultaneamente às 7h de Belo Horizonte e da estação Pedro Nolasco, em Cariacica, enquanto acrescenta as viagens extras no período da noite.
As partidas noturnas de Belo Horizonte estão previstas para as 19h, com chegada programada às 8h15 do dia seguinte no Espírito Santo.
No sentido inverso, o trem noturno deixa Cariacica às 18h e chega à capital mineira às 7h50, também na manhã seguinte. O trajeto completo tem 664 quilômetros e inclui 14 estações nas quais é possível embarcar ou desembarcar.
Os bilhetes para o percurso total entre Cariacica e Belo Horizonte, em qualquer sentido, custam R$ 87 na classe econômica e R$ 125 na classe executiva.
Quem usa apenas parte do trajeto paga um valor proporcional à distância percorrida.
As passagens podem ser compradas presencialmente, em horário comercial, nas bilheterias das estações, ou de forma digital, pelo site da empresa e pelo aplicativo Trem de Passageiros Vale disponível para Android e iOS.
Do auge ao sucateamento das estradas de ferro de passageiros
O avanço desse trem noturno ocorre sobre os escombros de um sistema que começou a se deteriorar ainda na segunda metade da década de 1950.Play Video
Nesse período, companhias ferroviárias passaram a demitir funcionários e a transformar grandes estações em simples pontos de parada, até que muitos edifícios fossem abandonados.
No fim dos anos 1970, o cenário piorou. A então Fepasa, criada em 1971 a partir da fusão de cinco empresas falidas (Companhia Mogiana de Estradas de Ferro, Companhia Paulista de Estradas de Ferro, Estrada de Ferro Araraquara, Estrada de Ferro Sorocabana e Estrada de Ferro São Paulo e Minas), fechou mais de 200 estações, simbolizando o aprofundamento do sucateamento do transporte de passageiros sobre trilhos.
Anos 1990 marcam o fim oficial da era dos passageiros
Nos anos 1990, o sistema de trens de passageiros entrou em ostracismo quase completo com a assinatura dos contratos de concessão da malha da antiga RFFSA durante os governos de Fernando Henrique Cardoso.
Na prática, muitos serviços já estavam fragilizados, mas ali veio o fim oficial de boa parte do transporte ferroviário de passageiros.
Um caso emblemático foi o da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil, que ligava o interior de São Paulo à fronteira com a Bolívia e ganhou o apelido de Trem da Morte.
Ao passar para a iniciativa privada, o governo não incluiu como obrigação da concessionária a manutenção do transporte de passageiros, o que levou à supressão completa do serviço ao longo do tempo.
Cenário parecido se repetiu em outras companhias até sobrarem apenas os dois trens de longa distância hoje operados pela Vale.
Renovação de concessão e exigência de contrapartidas
A adoção das viagens extras na Estrada de Ferro Vitória a Minas não é apenas uma decisão comercial.
O trem noturno faz parte das exigências definidas no processo de renovação da concessão ferroviária da Vale, que condicionou a continuidade do contrato à ampliação da oferta de transporte de passageiros.
Atualmente, o país registra 1,28 milhão de passageiros por ano nas ferrovias de longa distância. Desse total, a Vitória a Minas responde pela maior parte.
Em 2024, a linha transportou 857 mil usuários e projeta acrescentar 60 mil passageiros em 2026 com três meses de operação do serviço noturno, o equivalente a 20 mil pessoas a mais por mês.
Carajás também terá reforço diário a partir de 2027
O outro trem de longa distância operado pela Vale é o da Estrada de Ferro Carajás, que liga São Luís a Parauapebas. Hoje, a rota oferece três partidas semanais em cada ponta, com interrupção das viagens às quartas feiras para manutenção.
A partir de 2027, a Carajás também deverá oferecer viagens diárias, ampliando o alcance do transporte ferroviário de passageiros no eixo entre Maranhão e Pará.
No ano passado, a Carajás transportou 423 mil pessoas e está perto de completar 40 anos de serviço contínuo a passageiros.
Com isso, o reforço do trem noturno em Minas e Espírito Santo e a futura ampliação da oferta no Norte sinalizam uma tentativa de reposicionar o transporte ferroviário de longa distância no Brasil, ainda que em escala limitada se comparada ao passado.
De símbolo de sucateamento a teste para o futuro
O lançamento desse trem noturno entre Belo Horizonte e Cariacica funciona como um teste relevante para avaliar até onde o transporte de passageiros sobre trilhos pode voltar a ganhar espaço.
A rota diária, com preços relativamente acessíveis e possibilidade de embarque em 14 estações, tenta provar que ainda existe demanda por viagens de longa distância feitas de trem.
Se os resultados esperados se confirmarem, especialmente o acréscimo de 60 mil passageiros em 2026, a experiência pode fortalecer argumentos em favor de novas rotas e de uma reocupação gradual da malha instalada ao longo do país.




