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Vício em trabalho pode provocar sintomas iguais ao da dependência de drogas

Pessoas acometidas pela Síndrome do Lazer, na qual não conseguem se desligar do emprego, podem ter fadiga, palpitações e dores de cabeça e musculares

Palpitações, nó na garganta, dores musculares, aperto no peito, problemas gastrointestinais e enxaqueca. Essa é uma lista de sintomas que podem acometer um dependente químico quando este tenta deixar o vício em drogas. Exatamente o mesmo pode ser sofrido por pessoas extremamente conectadas ao trabalho, as chamadas “workaholics”, quando tentam descansar após o expediente, conforme aponta o psiquiatra Bruno Brandão. “Do ponto de vista neurobiológico, não existe diferença entre o engenheiro que constrói um prédio em apenas um mês e uma pessoa que está na cracolândia, fumando crack o dia inteiro”, compara Brandão.

A diferença entre as duas situações, segundo o especialista, está em como a sociedade enxerga os tipos de dependência. Enquanto o uso de substâncias químicas é visto com maus olhos, a dependência do ofício é entendida como uma qualidade. “Ninguém estimula uma pessoa a usar drogas ou a ficar viciada. Mas o vício no trabalho é muito bem-visto. ‘Ah, meu filho está muito cansado’ ou ‘minha esposa é guerreira: cuida de quatro filhos, trabalha fora e ainda ajeita as coisas de casa’; são exemplos de situações não entendidas como ruins, mas que, pelo contrário, são estimuladas pela sociedade”, analisa. 

A dependência do trabalho ao ponto de não conseguir descansar pós-saída do emprego é chamada de “síndrome do lazer”. O termo foi criado pelo professor holandês Ad Vingerhoets, da Tilburg University, em 2002, após um estudo realizado com 1.893 apontar que 3% delas sentiram dor de cabeça ou enxaqueca, fadiga, dor muscular e náusea nos fins de semana ou nas férias. É importante destacar, no entanto, que o conceito não está listado na Classificação Internacional de Doenças (CID), como explica a psicóloga Carolina Franca. 

“Embora o conceito proposto pelo professor ofereça uma perspectiva interessante a respeito de como a pressão social da modernidade para sermos constantemente produtivos e ocupados pode nos causar danos à saúde; não podemos nomear como síndrome, pois, na literatura médica padrão, não existe esse reconhecimento nem possui status de uma síndrome ou transtorno. Mas, de fato, existem outros estudos que apresentam essa perspectiva de que, em momentos dedicados ao lazer, algumas pessoas experimentam desconforto ao ter esse tempo, sentindo culpa e incapacidade de relaxar”, salienta a especialista.

Origens da Síndrome do Lazer

Por trás da dificuldade de relaxar nos momentos de descanso está uma série de fatores, que vão desde as influências recebidas na infância até construções sociais. O psiquiatra avalia, por exemplo, que, quando uma criança recebe carinho e afeto dos pais sob condição do próprio sucesso dela, como ter boas notas na escola, há chances de, na fase adulta, desenvolver uma relação disfuncional com o trabalho. “A criança também pode ter um modelo de aprendizado copiando os pais. Se ela sempre viu os pais trabalhando, pode aprender que é esse o modelo que deve ser seguido”, estabelece Brandão. 

A psicóloga complementa. “Podemos dizer que a síndrome do lazer poderia ser vista como uma construção social que influencia o modo que os indivíduos percebem si mesmos em relação ao trabalho, lazer e autovalorização. A ansiedade ou culpa associada ao lazer é uma forma de controle social que reforça normas e valores específicos, perpetuando sistemas de poder e disciplina”, argumenta.

A longo prazo, os sintomas físicos provocados pelo comportamento podem “destruir o nosso organismo”, como explica o médico. “Nosso corpo funciona de maneira cíclica, e, quando há quebra desse padrão, há uma tendência de danificação cerebral em vários sentidos, além de aumentar a chance de hipertensão, doenças infecciosas, infertilidade em homens e mulheres. A própria produtividade cai, porque a capacidade de tomar decisões fica comprometida”, enumera Brandão.

“O corpo e a mente começam a dar sinais de exaustão, a fadigar por excesso de estímulo. E começa a falhar em seu funcionamento. A memória já não é mais a mesma, a atenção fica diminuída, e o corpo estressado começa a se sentir cansado. E, se não buscar o equilíbrio entre descanso e trabalho, o adoecimento pode ficar cada vez mais grave”, sugere Carolina.

Mas como alcançar o equilíbrio entre trabalho e descanso? A primeira coisa a fazer é entender o significado do emprego para si, aponta a psicóloga. “Apesar de culturalmente estarmos imersos no discurso da hiperprodutividade, é preciso também entender o que motivou a pessoa a colocar o trabalho como algo tão essencial que se afastar gera tamanho desconforto”, diz. Fazer esse movimento mental pode, inclusive, ajudar a pensar se o real problema em desconectar do serviço está no emprego em si. “Se desconectar-se do trabalho te coloca diante de outras questões, talvez o real problema não seja o trabalho, e este só esteja sendo usado para tamponar outro problema que você não quer ver”, indica.

Além disso, é primordial não “demonizar o trabalho”, alerta o médico. Brandão reitera a importância da atividade laboral para diversos aspectos da vida, tanto financeiro quanto de realização. “Nem de longe podemos falar: ‘Largue ou negligencie o seu trabalho’, não é essa ideia. E, a depender de quão enraizada está a dependência do trabalho, é possível que a pessoa não consiga sair dessa sozinha”, menciona o psiquiatra, ressaltando a importância de procurar um profissional da saúde mental quando o descanso se torna um problema.

FONTE O TEMPO

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