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2 em 3 cidades do país não elegeram nenhuma mulher para a prefeitura em 20 anos

Em 28 municípios, não foram escolhidas vereadoras no mesmo período; e em 24, nem representantes do Executivo nem do Legislativo

Embora as mulheres sejam maioria na população brasileira, 3.557 municípios brasileiros, o equivalente a 64% do total, não tiveram nenhuma prefeita eleita desde as eleições do ano 2000.

No mesmo período, em 28 cidades do país, não houve vereadora escolhida pelo voto direto e, em 24 delas, nem prefeitas nem vereadoras, mostra análise da Folha com base em dados do TSE (Tribunal Superior Eleitoral).

A lacuna de representatividade observada de 2000 a 2020 considerou candidatas eleitas tanto em pleitos ordinários quanto suplementares –realizados em caso de indeferimento de registro, cassação do diploma ou perda do mandato do candidato eleito.

A baixa representação é mais acentuada na parcela de municípios com mais de 100 mil habitantes: 71% não elegeram prefeitas. Nas cidades com população inferior a 100 mil, o percentual é de 63%.

A lista das cidades sem eleitas inclui 19 capitais, sendo as cinco maiores Rio de Janeiro, Salvador —que tem no histórico a eleição em 1992 de Lídice da Mata, hoje deputada federal da Bahia pelo PSB—, Belo Horizonte, Manaus e Curitiba.

Os estados que proporcionalmente têm mais cidades sem prefeitas são Rio Grande do Sul (80%), Espírito Santo (77%), Santa Catarina, Minas Gerais (ambos com 74%) e Acre (73%).

Câmara Municipal de Niterói, cidade com a segunda maior proporção de eleitoras, mas apenas uma vereadora – Eduardo Anizelli – 5.mar.2024/Folhapress

O principal motivo da baixa representatividade nas prefeituras, para cientistas políticos ouvidos pela reportagem, é a falta de mulheres nas cúpulas dos partidos, o que dificulta a aposta nelas para cargos majoritários.

“Os partidos brasileiros têm uma baixa percepção da importância da igualdade de gênero. Os líderes políticos não estimulam candidaturas de mulheres nem nas cidades em que elas estão na prefeitura”, afirma Carlos Machado, professor da UnB (Universidade de Brasília).

No caso de municípios maiores, ele diz que há um peso ainda maior dos partidos. Como há mais candidatos, a legenda passa a ser uma referência para orientar a escolha do eleitor.

A pesquisadora da FGV Débora Thomé, uma das autoras do livro “Candidatas: Os Primeiros Passos das Mulheres na Política no Brasil”, afirma que pesa contra as mulheres a falta de experiência prévia em cargos eletivos ou de maior visibilidade, elemento visto pelos partidos para avaliar as chances de vitória.

“Há o que chamamos de dependência de trajetória. O fato de os homens brancos já terem cargos aumenta muito a chance de eles serem a maioria entre os eleitos”, diz ela.

A deputada estadual Martha Rocha (PDT) avaliou que isso ocorreu na disputa pela prefeitura do Rio de Janeiro em 2020, quando havia seis candidatas, dentre elas a ex-governadora Benedita da Silva. A eleição foi vencida por Eduardo Paes (PSD).

“As estruturas de poder são masculinas e feitas para perpetuar a presença dos homens no espaço do poder”, diz, citando como exemplo as organizações dos partidos e do Executivo. Rocha foi a única mulher a chefiar a Polícia Civil do Rio de Janeiro e terminou em terceiro lugar, com 11,3% dos votos válidos.

Para alterar esse quadro, a deputada sugere que haja paridade de gênero na distribuição de cargos no Executivo, o que daria mais visibilidade para nomes femininos.

“Primeiro você tem que abrir esses espaços de poder para que as mulheres possam ser vistas também como qualificadas e experientes”, diz ela.

Não havia mulheres na disputa em 41% das cidades que não tiveram prefeitas desde o ano 2000. Ao todo, os partidos lançaram pouco mais de 11 mil candidatas ao cargo, contra mais de 85 mil candidatos. O percentual de eleitas entre elas é de 30% e, entre eles, de 36%.

Aparecida de Goiânia (GO), com 528 mil habitantes, é a cidade mais populosa do grupo sem prefeitas e sem candidatas. Nas últimas seis eleições, 22 candidatos homens estiveram nas urnas na disputa pela vaga da prefeitura.

Luciana Santana, professora da Ufal (Universidade Federal de Alagoas) e pesquisadora do Observatório das Eleições, afirma que, além da estrutura partidária masculina, a condição social da mulher é outra dificuldade.

“Temos uma desigualdade muito grande em termos de distribuição social do trabalho e remuneração. Quando os homens tentam ser candidatos, eles fazem um esforço. A mulher tem que fazer dez vezes mais”, diz.

Legislativo municipal

No Legislativo municipal, a ausência completa de mulheres é menor: apenas 28 cidades não elegeram vereadoras diretamente desde o ano 2000. Desse total, 24 também não elegeram prefeitas. A maior delas é Cotia, município da Grande São Paulo com 274 mil habitantes, que nunca teve uma prefeita mulher e desde 1982 não elege vereadoras.

Pré-candidata a vereadora na cidade nessas eleições pelo PSD, a professora de matemática Irene Prestes estudou a história da falta de representatividade feminina ao receber o primeiro convite para se candidatar à Câmara de Cotia, em 2016.

Naquela ocasião, Prestes dependia do material de campanha de outro candidato para divulgar seu nome. Isso mudou na segunda campanha, em 2020, após as decisões do STF (Supremo Tribunal Federal) e TSE (Tribunal Superior Eleitoral) que obrigaram os partidos a destinar às mulheres 30% dos recursos de propaganda e verba.

Apesar do dinheiro em mãos, ela diz ter se deparado com outra dificuldade: a falta de orientação sobre como gerenciá-lo e impulsionar seu nome. Ao final da campanha, Prestes conta ter devolvido um terço da verba por não ter conseguido gastar.

Com pouco mais de mil votos, terminou como suplente. Agora, se prepara para disputar o cargo pela terceira vez, com o desafio de convencer o eleitorado.

“Tem essa dificuldade da falta de olhar das pessoas, porque eu encontro muita gente na rua que fala para mim: ‘estou torcendo por você’. Mas a torcida não vai fazer eu ganhar. Precisa votar em mim”, diz.

A análise da Folha foi feita a partir de dados de candidaturas de 5.568 cidades disponibilizados pelo TSE e que passam por atualizações dos Tribunais Regionais Eleitorais. Os registros foram coletados em julho, e a análise considerou apenas as candidaturas válidas –categorizadas como aptas, deferidas ou sub judice– e que chegaram às urnas.

FONTE FOLHA DE SÃO PAULO

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